Posted On 2020-07-03 In Coluna - Ignacio Serrano del Pozo, José Kentenich

Sabia-se? O que é que se sabia? O que se pode fazer?

Ignacio Serrano del Pozo, Chile •

A recente informação fornecida pelo jornal alemão Tagespost, referindo-se à pesquisa da teóloga e historiadora Alexandra von Teuffenbach, deixou grande parte dos schoenstatteanos confusos e desanimados.  A análise efectuada aos arquivos do pontificado de Pio XII no Vaticano, conteria muito material sobre a Visitação do Padre Sebastião Tromp, e entre estes teriam sido encontradas – segundo von Teuffenbach – notas sobre as conversas do jesuíta holandês com o Padre José Kentenich, bem como cartas de representantes da Comunidade das Irmãs de Maria. Entre elas, destaca-se, infelizmente, uma carta dirigida à Superiora Geral, uma vez que regista um alegado abuso sexual por parte do Pai -Fundador contra uma das Irmãs. —

Como era de se esperar, os mais altos representantes do Movimento de Schoenstatt começaram a apelar à calma no meio deste terramoto. No entanto, e infelizmente, parece-me que tanto a declaração da Presidência Internacional de Schoenstatt assinada pelo Pe. Juan Pablo Catoggio, como a reacção do Pe. Eduardo Aguirre, Postulador da Causa de beatificação do Pe. Kentenich avançam para uma porta de saída equivocada.  Em primeiro lugar, porque baseiam o seu argumento no simples facto de que se trataria de situações conhecidas (“sabe-se”, “sabia-se”), e reconhecidas como a causa do exílio do Fundador; mas, além disso, em segundo lugar, porque insistem em cometer um erro que se mantém há muito tempo no meio da crise no seio da Igreja, tal como deixar o termo genérico “abusos” na nebulosa, sem especificar se, se trata de uma acusação de abuso de autoridade, de consciência ou de natureza sexual.

Quem sabia e o que se sabia exactamente?

Quando se argumenta que as acusações contra José Kentenich não são novas, uma vez que “se sabiam”, pode-se sempre perguntar quem sabia e o que é que se sabia exactamente.  Qualquer schoenstatteano mais ou menos informado conhece a história do conflito que Kentenich teve com o Bispo Auxiliar de Trier, Bernhard Stein, e mais tarde com Sebastian Tromp como Visitador apostólico do Santo Ofício: ambos questionaram os métodos pedagógicos de Kentenich e a relação de dependência servil que o Pater Familias provocava (na sua opinião) em algumas Irmãs de Maria. Mas a controvérsia tem sido apresentada mais como uma falta de compreensão por parte da Igreja em relação ao carisma de Schoenstatt, em relação ao princípio paternal e à profundidade dos vínculos.  Mas, não sabemos muito mais e, não temos forma de saber mais.  De facto, se nos dermos ao trabalho de obter e ler a pesquisa que as Irs. Matthia Amrhein e M. Thomasine Treese conduziram em 2015 sobre as “causas do exílio do Padre Kentenich”, ou a entrevista que o Pe. Angel Strada (antigo Postulador da causa) deu no ano passado para o livro Depois de 31 de Maio, em nenhum desses escritos aparece a questão do abuso como o principal gatilho do exílio. Certamente, pode ser assinalado que o assunto de uma acusação de abuso é extremamente delicado de expor à Família num documento público, o que não deixa de ser verdade. Mas então, quando se diz que “se sabia das alegações de abuso há muito tempo”, deve dizer-se que só uma elite muito restrita o sabia e o mantinha em segredo.  E mesmo que assim fosse, e se houvesse boas razões para o manter nesse círculo privado, deveria ficar claro que é muito diferente conhecer um rumor ou história, do que mostrar ao público que existe um testemunho documentado nos Arquivos do Vaticano de uma mulher que se sentiu abusada por José Kentenich. Duvido que isto se soubesse.  Sabe-se agora e devemos encarregar-nos disso.

O que é que se sabia?

É mais complicado saber o que se sabia. Na investigação de Alexandra von Teuffenbach, uma respeitada professora no Ateneo de Roma, não se fala apenas de abusos.   As acusações são mais concretas e, portanto, mais terríveis. Ela expõe – de acordo com os registos de Tromp – que as Irmãs de Maria tinham a obrigação de se confessarem ao Fundador, e que os Padres Pallotinos tinham explicado os abusos sexuais cometidos por Kentenich (e negados no início) como a forma que ele tinha de resolver as tensões sexuais das suas filhas espirituais através do “método da psicologia profunda”.  Talvez seja evidente, mas não tenho dúvidas de que existe aqui um erro horrível e uma confusão diabólica.  A questão é que, por alguma razão que não podemos ver, um grupo de Irmãs de Maria fez estas acusações contra o seu próprio Pai. E assim, há que reconhecer que o castigo que o Fundador de Schoenstatt recebeu e que pagou com 14 anos de exílio, não foi devido a um problema de incompreensão por parte da hierarquia eclesiástica, nem foi devido a uma famosa carta ao episcopado alemão que não foi bem recebida em Trier; pelo contrário, foi sobretudo devido à incompreensão e rejeição por parte de alguns membros da mesma Comunidade a que se tinha entregue ao extremo. Nós, schoenstatteanos, precisamos de saber o que aconteceu e porque é que um grupo de mulheres se sentiram abusadas por este santo padre. Só isto nos ajudará a compreender melhor o carisma do nosso pai comum e da sua figura profética

Uma oportunidade preciosa e dolorosa

Nos anos 70, a Família de Schoenstatt não pôde ser informada de que o filho de Katharina Kentenich tinha nascido fora do casamento.  Os quadros dirigentes temiam que isto estragasse a figura do Fundador e aumentasse as suspeitas sobre a sua genialidade como “sacerdote de almas”. Foi graças à investigação pioneira do Pe. Hernan Alessandri e à investigação mais recente da Irmã Dorothea Schlickmann que a verdade é agora conhecida. Hoje ninguém duvida que esta verdade tenha sido um presente que confirma que José Kentenich foi parte de uma predilecção divina especial.

Esta é também uma preciosa e dolorosa oportunidade para a Presidência Internacional e o Secretariado encarregado da Causa de Beatificação do Pe. Kentenich proporcionarem ar fresco e luz clara sobre o que aconteceu depois de Dachau e antes de Milwaukee.  Além disso, ocorre-me que poderia ser instituída uma Comissão de Investigação para tratar, objectivamente, do que aconteceu no processo da Visitação Apostólica e das razões para o decreto disciplinar do Santo Ofício, uma comissão de homens e mulheres probos, altamente competentes e independentes que poderiam ter acesso aos mesmos Arquivos da controvérsia.

Nós, schoenstatteanos, queremos um “Schoenstatt em Saída” que se apresente como uma resposta ao mundo, e que não tenha de sair durante os próximos 20 anos para explicar o comportamento do Fundador, sem sequer saber o que aconteceu.  Certamente a Família saberá como contribuir para o Capital de Graças e com recursos económicos para algo desta magnitude, uma vez que o Reino de Verdade e Justiça que Schoenstatt quer encarnar está aqui em jogo.  Parece-me que apoiar esta comissão de investigação é uma das coisas mais urgentes e necessárias que nós, os filhos, podemos fazer para restabelecer o nome do Pai…

Original: espanhol (2/7/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

 

E, agora? Publicação de documentos que acusam o Pe. Kentenich de abuso de poder

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