Paz Leiva, Espanha •

Hoje em dia existem livros de aventuras ou  policiais em que se pode modificar a história, à medida que se vai lendo. Mesmo no final, existe a opção de voltar atrás em busca de outro resultado. Eu não tenho estes livros, mas os meus netos lêem-nos. Eu leio romances. E o que eu gosto num bom romance é que o final é o fruto da história, da vida, das decisões, das feridas e das quedas dos seus personagens. É a arte do escritor que tudo se encaixe e que tudo justifique o seu fim. O final é o que é, porque não pode ser de outra forma. —

Conheço pessoas que estão felizes com o que vivem em confinamento. Trancados em casa, descobrimos que rezamos mais, que nos damos bem, que a família é o melhor e que temos um cantinho nosso, com uma imagem de Nossa Senhora, que nos dá a todos segurança. E depois do confinamento? – Vamos exportar o nosso cantinho para o mundo inteiro.

Cenário 1

Este é um fim possível para quando a pandemia acabar, se pensarmos que houve um homem que, num dia 20 de Janeiro de 1942, procurou todas as desculpas possíveis, para sair da prisão e para não ir para o campo de concentração. Aquele homem refugiou-se num vale, numa pequena capela, e ali ficou a rezar. E lá ficou para o resto da sua vida.

Tudo encaixa. O fim corresponde à vida do protagonista. Mas a história poderia ter-se desenrolado de forma diferente.

Cenário 2

Voltemos à página indicada. Para alterar o final, temos de alterar uma decisão do protagonista.

Vejamos: um homem que, num dia 20 de Janeiro de 1942, não se submete a um exame, para se livrar da prisão e não ir para o campo de concentração. Ele decide ser levado para o campo de concentração. Ele sabe que o que Deus lhe está a pedir é que renuncie à sua liberdade. Para que Deus possa dar aos seus amigos a sua liberdade interior. E ele muda a vida de um barracão no Campo de Concentração. E escreveu um livro às escondidas, onde convida os seus amigos a permanecerem unidos e a lutarem, a ouvirem a voz de Deus e a trabalharem em conformidade para co-decidirem os destinos da Igreja e do mundo. Acreditou na missão salvífica do Ocidente e aproveitou a oportunidade para a realizar. Foi antes do Concílio Vaticano II que ele falou de apóstolos leigos, das Novas Praias. Ele manteve a sua maneira de amar, de pensar e de viver mesmo face ao Santo Ofício. Também suportou o exílio.

 

No trilho do protagonista, cenário 2?

E os seus amigos, que, em 2020, saíram de uma pandemia, fizeram-no como os jovens que o nosso protagonista conheceu em 1914. Foram para as trincheiras, para a guerra que se aproximava com a crise sanitária, política, económica, social e existencial. E eles saíram para servir.

E tinham também um cantinho com uma imagem de Nossa Senhora, o que lhes dava alegria na esperança e segurança na vitória. E rezavam, mas como os apóstolos.

Somos os filhos de um pai que se pôs em risco por nós. Nós somos filhos da guerra. Não podemos simplesmente ficar no nosso cantinho a rezar. Há muitas necessidades à nossa volta e estas não esperam, nem se resolvem com a oração.

 

Original: espanhol (10/5/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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