Nada sin ti, nada sin nosotros

Posted On 2024-01-10 In Artigos de Opinião

Uma Reflexão sobre Schoenstatt

Artigo de opinião, por Patricio Young, Chile •

Declaro desde já que, para mim, o Movimento fez e faz parte da minha vida há 59 anos. Devo-lhe muito do que sou e do que é a minha família. É daqui que parte a minha reflexão e preocupação com o seu presente e o seu futuro. —

Patricio Young

Patricio Young

A realidade mostra-nos que estamos em crise e as suas causas não têm uma narrativa comum. Alguns defendem que estamos bem, outros que bastariam algumas acções de cosmética. Na minha opinião, o problema é mais profundo e a reflexão obriga-nos a analisar as suas causas.

Em muitas conversas de corredor, porque não temos sido um Movimento propenso a uma auto-crítica aberta – o que é contraditório com os próprios princípios da auto-educação – são apontadas várias análises que geralmente correspondem às derivadas de um problema central que não é reconhecido e não é definido.

Deixem-me tentar explorar esta questão. Não pretendo encontrar a pedra filosofal, mas aproximar a reflexão de uma realidade mais fundamental, que me parece fazer muito sentido.

Apenas quis dar aqui um primeiro sinal de uma reflexão que espero que outros possam complementar e melhorar.

Uma visão da fé

É minha convicção que o Pai Fundador pensou num Movimento comunitário. É assim que nos formamos e crescemos numa Comunidade de Vida – nota da redação: nas Uniões e Institutos e voluntariamente nos grupos da Liga – enquanto, se isso é substancial no processo e de uma riqueza imensa, por outro lado, o caminho da auto-formação aparece como um processo muito individual.

Isto significa que no Movimento co-existem dois mundos: o pré-conciliar, com a “privatização da salvação” e a bondade como sua expressão máxima, e o pós-conciliar, onde se salienta que ninguém se salva sozinho, mas com os outros e para os outros. A santidade só se alcança através do amor, expresso em actos de misericórdia, e isso implica necessariamente os outros.

Jesus indica-nos que a bondade não é o caminho, quando nos diz que o único bom é o Pai celeste (a Ele chamam-lhe bom mestre). Assim, deixa-nos claramente assinalado “o caminho”: os actos de misericórdia, fruto e expressão do amor. O Papa Francisco diz-nos: “Deus salva cada um de nós pessoalmente, mas “num povo”, não “só eu” e “o meu pequeno grupo“. “Quem privatiza a fé, fechando-se em elites que desprezam os outros, não está a seguir o caminho de Jesus[1].

As condições sociais e culturais têm, sem dúvida, uma forte influência, porque estamos no mundo. Numa sociedade tremendamente egoísta, onde prevalece a lei do mais forte, é coerente e consistente a visão privatizadora da salvação, o “eu salvo-me sozinho”. A religiosidade no Chile e noutros países do continente tem muito disto. Além disso, pelo menos no caso do nosso país, que é o que mais conheço, está ainda mais influenciada pela visão do principal segmento a que Schoenstatt chega: os sectores alto e médio alto, que se caracterizam por serem mais individualistas.

Mas como é que tudo isto acontece?

Se sabemos que as palavras geram realidades, então as orações por maioria de razão

Se tomarmos a nossa oração principal, a oração de consagração, que tem uma raiz pré-conciliar porque foi recolhida das Congregações Marianas, mesmo que façamos esta Aliança em comunidade, a oração é individual: “Ó Senhora minha, ó minha Mãe…”. É sempre individual, mesmo quando estamos unidos em comunidade. É a minha relação directa com Maria, que é a base da minha Aliança. É “nada sem ti, nada sem mim”. Não é “nada sem ti, nada sem nós”. A minha comunidade pouco ou nada tem a ver com a minha fidelidade e resposta a essa Aliança. Dizemo-lo todos os dias.

Na nossa cultura cristã, a oração é comunitária; é plural. Cristo ensinou-nos o Pai-Nosso na primeira pessoa do plural; “Pai Nosso”, não Pai meu, e a subsequente Avé-Maria – “rogai por nós” – e isto não é um capricho, mas responde ao que Ele próprio nos ensinou: “quando dois ou mais estiverem reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”.

Esta realidade ambivalente da nossa espiritualidade manifesta-se em tudo. Vejamos, por exemplo, o caso do “Rumo ao Céu“. Se tomarmos as primeiras linhas, a consagração da manhã, começa com “Ao despertar com novas forças para reavivar o fogo do amor…”. É uma oração na primeira pessoa, mas no parágrafo seguinte passa para a primeira pessoa do plural: “No Santuário estamos reunidos, aí os nossos corações…”.

No mesmo “Rumo ao Céu”, encontramos orações na primeira pessoa e outras no plural. No entanto, as mais frequentemente rezadas estão claramente no singular, como a oração da Confiança (Nota do editor: escrita pelo Pe. Kentenich em Dachau) ou a oração ao Espírito Santo (Nota do editor: oração do Cardeal Newman retomada e adaptada pelo Pe. Kentenich numa Homilia em Milwaukee).

Como já dissemos, as orações geram mais realidades do que as puras palavras e, por sua vez, reflectem uma cultura, enraizada no interior de uma família eclesial. É por isso que se manifesta em muitas áreas onde este olhar individual se transforma num colectivo individualista. É o que se verifica nas relações inter-profissionais, onde prevalece a crítica nos corredores e se prefere fugir às questões fundamentais para não as confrontar nem nos confrontarmos. Também se verifica na relação com a Igreja e com a sociedade.

Uma expressão disso também pode ser encontrada no “Rumo ao Céu”, onde o Pai Fundador termina muitas orações com a frase: “por nós constrói o teu reino de Schoenstatt“. Quando na realidade deveria dizer “para nós construirmos o Reino de Cristo“, a missão de cada católico. Alguns dir-me-ão que é suposto ser a mesma coisa. Mas não é. Parece ser a causa própria do Movimento, e isso afasta-nos dos outros, afasta-nos da Igreja. Esta é a origem das palavras questionadas pelo Santo Ofício (n.d.e.: há 70 anos): “Schoenstatt é a obra predilecta de Deus” e outras[2], precisamente por causa da sua aparente separação do resto da Igreja, assumindo o seu próprio caminho.

Rezamos a consagração individualmente, como se a minha consagração fosse um acto individual, quando ela depende e tem sentido na comunidade. Vemos Schoenstatt como algo centrado em si mesmo, cheio de celebrações próprias, mas afastado do resto da Igreja e do mundo.

Esta visão, nunca profundamente resolvida, condiciona a vida do Movimento em todos os seus âmbitos nos nossos dias. Na minha opinião, este é o nó que temos de desatar.

Só quando isto mudar na nossa Família, mudará a sua relação uns com os outros, com a Igreja e com o mundo. Convido-vos a fazer a experiência de rezar a consagração no plural e garanto-vos que será o início de uma nova etapa para Schoenstatt, porque muda absolutamente a dimensão da minha relação com a Aliança e envolve-nos a todos numa tarefa comum de salvação, aproximando-nos muito mais dos desafios do mundo e da Igreja. “Ó Senhora nossa, ó nossa Mãe…”.


[1] 29 de Janeiro 2015

[2] Este sacerdote deve também ser advertido para se distanciar de expressões que podem facilmente induzir os fiéis em erro, tais como: “Schoenstatt, uma Obra escolhida de Deus; mistério de Schoenstatt; Schoenstatt acervo de fé; fé em Schoenstatt e no mistério de Schoenstatt” e outras semelhantes. Documento – 31/7/1951 Carta do Santo Ofício ao Pe. Turowski

 

 

Original: castelhano (7/1/2024). Traduçâo: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

 

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