Posted On 2016-11-03 In Aliança solidária

Visitando as pessoas depois de passar o furacão na diocese de Guantánamo-Baracoa

CUBA, Mons. Wilfredo Pino Estévez •

O Pe. Rolando Montes, sacerdote schoenstattiano da diocese de Guantánamo-Baracoa, que atualmente está estudando em Roma e é colaborador do schoenstatt.org, transmitiu o relato do bispo sobre sua visita nas paróquias mais afetadas pelo furacão Matthew. Não há mortos, e talvez por isso, os meios de comunicação ignoraramm os danos provocados em Cuba, onde cidades inteiras foram destruídas e as pessoas estão sem comida, água, roupa, tudo. Mas o que não lhes falta é a fé…

Verdadeiramente não sei como começar a descrever o que vivi estes dias. A verdade é que temos gravadas em nossos olhos imagens difíceis de descrever, mas também, é tanto o que temos que agradecer a muita gente preocupada e ocupada, que estiveram rezando e rezam por nós, que prometeram ajuda ou já ajudaram!

 

Minha memória voa ao dia 15 de agosto passado, festa de Nossa Senhora de Assunção de Baracoa… quem iria imaginar que 50 dias depois de vermos aqueles lindos fogos de artifícios que encerravam a celebração do aniversário de 505 anos da cidade de Cuba, um furacão categoria 4, que muitas vezes o qualificavam como “poderoso”, iria encher a cidade (e muitos outros municípios) de escombros e de casa destelhadas!

Realmente os estragos foram grandes. Muitas matas de palma e de coco perderam todas suas folhas. Olhando-as nas montanhas, parecem como cigarros brancos colocados de pé. As demais árvores têm só troncos e ramos porque suas folhas já não existem. E quanto danificadas ficaram as casas! Nos municípios de Baracoa, Maisí e Imías muitas e muitas casas ficaram sem teto e muitas totalmente destruídas. Escutando os testemunhos das pessoas, pensava no canto da Oração da Manhã que começa com o verso: “A noite, o caos, o terror…” Isso foi o que viveram tantos irmãos nossos.

 

Ao encontro das pessoas

Desde que tive notícias dos enormes danos, dei graças a Deus pois não se falava de vítimas mortas, pois vendo agora o acontecido, era bem provável que haveria muitos falecidos. Menos mal, toda as pessoas foram evacuadas a tempo ou se refugiaram em grutas ou nos conhecidos “vara em terra” (dizem que em um só, tinham 32 refugiados). Alguns não saíram de suas casas pensando que seriam resistentes e por sorte, não se enganaram. O que sim ficou visível é que resistiram as casas que tinham seus tetos de pré-moldado. Alegrou-me ver como ficou intacta a nova igreja dos Adventistas do Sétimo dia na rodovia rumo a Sabana. Até pouco tempo era de madeira e de telhas, mas agora construíram de blocos e de laje. Ali passou o furacão e se salvaram dezenas de pessoas.

Na manhã seguinte da passagem do Matthew, exatamente 15 para as quatro da manhã, Chebita (missionária de Imías), o motorista Mario e eu, saímos com o propósito de chegar nas comunidades afetadas. Ao chegar no lugar conhecido como “Bate-Bate” (caminho beira mar), a rua estava destruída e a fúria do mar tinha juntado montes de areia e pedras de diferentes tamanhos que impediam a passagem. Quando nos cansamos de retirar pedras para que o carro passasse, tentamos então pegar um caminho de terra próximo… e atolamos. Demoramos umas três horas para sair. Precisamos da ajuda de três homens que passavam de moto. Não esqueceremos nunca seu gesto porque se molharam com a chuva que caía e se sujaram de barro. Deus lhes pague! Pudemos então continuar e visitar às comunidades de San Antônio, Imías e Cajobabo e ajudar sacerdotes, religiosas e laicos. Em Cajobabo, alguém nos contou que em uma casa de pré-moldado  por onde tinha passado o furacão, se refugiaram 75 pessoas. E ali chegaram as primeiras lágrimas: uma senhora que conheço, chorava com sua neta, pois tinham perdido tudo. A realidade era que, à medida que nos aproximávamos de Baracoa, os danos eram maiores.

A força de um furacão categoria IV é enorme, basta mostrar a foto de uma grande árvore próxima a rodovia que, não podendo arrancá-la totalmente graças a resistência da mata ao redor, então a partiu ao meio! Também poderia apresentar o estado em que se encontrava o conhecido morro de La Farola. Ontem contamos 21 desmoronamentos ainda por limpar, suponho que foram aproximadamente 30, ou então: um por quilômetro. Ou mostrar uma telha de metal que ficou enfiada na mata de laranjas da casa (agora sem teto) do Diácono Carreño de Baracoa. Lembrou-me da histórica foto daquela árvore (em Batabanó) atravessada por uma frágil tábua de pino durante o furacão do dia 20 de outubro de 1926…

Chegando a Baracoa

Chegamos a Baracoa porque Deus colocou sua mão e também por outras mãos solidárias. Ao começar a subir La Farola, haviam muitas pedras no caminho que fomos tirando com as mãos para avançarmos. Atrás de nós chegava outro carro que trazia autoridades da província e do país. Juntos, buscávamos o mesmo objetivo: chegar a Baracoa. Um pouco mais adiante havia um grupo de trabalho esperando as autoridades com motosserras, etc. e começaram a abrir caminho. Ficamos no final da caravana. Assim fomos avançando até quase chegar a Baracoa. Um grande desmoronamento tornou impossível continuar. Mas, desde Baracoa vieram buscar as autoridades e me convidaram que se quisesse, poderia também passar a pé pelo desmoronamento e ir para a cidade em algum dos jipes que vieram. Como meu objetivo era chegar a Baracoa nem que fosse a pé, aceitei o convite. Graças a este gesto pude chegar lá. Na entrada da cidade, já comecei a ver os danos. Nossa igreja de Cabacú, dedicada à Nossa Senhora de Carmen estava no chão. Só tinha ficado em pé a parede do fundo. Finalmente pude entrar na Casa Paroquial de Baracoa à uma e meia da madrugada, quase 20 horas depois de ter saído de Guantánamo com destino a Baracoa.

Na manhã seguinte, vendo os destroços ocasionados, tentava me animar repetindo o que respondem os fiéis na missa quando o celebrante fala: “Corações ao alto”, e eles respondem: “O nosso coração está em Deus”. Era este meu desejo profundo: elevar meu coração a Deus para ter forças para ajudar os afetados e também para elevar seus corações.

Mais que nunca, diante da frustração que dá se sentir impotente e não poder arrumar tudo o que foi estragado, socorri a oração de intercessão. Lembrei-me muito do episódio de Moisés intercedendo com os braços elevados, enquanto o povo combatia (Ex. 17). Quando Moisés baixava os braços (deixava de rezar), o povo começava a “perder a batalha”. E por isso, os ajudantes de Moisés buscaram pedras para colocá-las debaixo dos cotovelos de Moisés para que ele pudesse manter seus braços para o alto. É o mesmo que pedi aos que encontrei: que ajudem em tudo que puderem, mas não se esqueçam da grande força da oração intercessora.

 

Rumo a Maisí, a paróquia do Pe. Rolando

Sabendo mais ou menos os danos causados nos municipios de San Antonio, Imías e Baracoa, só falta passar por Maisí. Neste último município pude chegar finalmente ontem. Já tinha tentado duas vezes, mas as duas ruas de acesso estavam interrompidas: uma por causa de uma ponte quebrada e a outra, por estar cheia de árvores e postes de luz caídos (são mais de 1.000 na província, segundo o jornal). Certamente, imaginei que ia encontrar o pior, pois segundo meus pobres cálculos, por ali deve ter passado o lado direito do furacão (que segundo me explicaram é o de maior força). Realmente foi isso que encontrei. Acho que não é exagero dizer que Maisí está destruída. Há imagens de casas arruinadas que lembram as fotos que vimos quando ocorreu o terremoto no Haiti.

Pudemos visitar Sabana, La Máquina, La Yagruma e a ponta de Maisí. Tudo estava tão destruído e tantas árvores desaparecidas que pareciam lugares onde nunca estivemos. Mudou tanto seu aspecto!

O jornal Venceremos afirmou que 80% das casas foram afetadas.

Tentamos levantar a alma das pessoas. Escutamos contar o que viveram e ouvir de seus lábios o agradecimento a Deus por estarem vivos “que é o mais importante porque o material se conserta”… Como sempre, aprendi muitas coisas das pessoas simples. Sem descer da máquina, conversava com uma família a qual não lhe demos nada material, só nossos ouvidos e nosso carinho. Quando estávamos indo embora, o chefe da família nos pediu: “Voltem novamente”.

Igreja peregrina ou um bispo voltando uma vez ou outra

Asim está agora nossa Igreja. Voltando uma vez ou outra. Localizando as pessoas vulneráveis por sua doença, sua invalidez, ou idade, para lhes levar um pouco de atenção e comida: uma sopa, um arroz, bolachas.

Que otimismo dos cubanos! Comentei que as matas de malanga perderam as folhas e estavam destruídas. Então, uma mulher acrescentou: “Certeza que agora as malangas vão sair mais bonitas”…

Em casos assim, acontece o mesmo que nos hospitais: a dor une. As pessoas ficam mais solidárias. Contaram que durante a passagem do furacão, protestantes e católicos refugiados no mesmo lugar, rezaram juntos pela primeira vez neste povoado. Aconteceu o mesmo com pessoas que estava distante umas das outras.

Também uma senhora contava que, enquanto o furacão passava, “nós adorávamos ao Senhor, cantávamos e rezávamos para que nos deixasse com vida, apesar de destruir tudo”.

Há casos também que me “levantaram” a alma:

  • Encontrar sacerdotes e religiosas visitando as pessoas…
  • O exemplo de um motorista que trazia um passageiro. Este, ao chegar, tira o capacete e ia lhe dar os dez Mas o dono da moto se negou aceitar. Não queria aproveitar da desgraça dos outros.
  • Ver, avançando pela rua com a bandeira cubana adiante, várias caravanas de caminhões da Empresa Elétrica e de Telefone de outras províncias que vinham para ajudar seus irmãos da província guantanamera.
  • Escutar aquele chefe da equipe elétrica que, quando passei e o cumprimentei, ele me pediu: “Bispo, reze por nós que estamos trabalhando com corrente”.
  • Ouvir o grito daquela mulher quando estávamos a caminho do Jamal que nos disse uma só palavra que transformou em ordem: “Ajudem-nos! ”

Estar com as pessoas ali onde estão

Depois de conversar com os sacerdotes e a superiora das religiosas de Baracoa, pedi várias tarefas para estes primeiros dias:

  • Estar com as pessoas ali onde estão. Acolher suas lágrimas. Levantar-lhes o coração. Dar esperança. Fazer o que fizeram e dizer o que disseram os apóstolos: “Não tenho prata nem ouro; mas o que tenho, isso te dou” (Atos 3, 6).
  • Dar de comer aos que têm fome. Ontem, encontramos com um homem que ia a pé pela rodovia em busca de seus familiares e nos confessou que há dois dias não comia e um que não dormia…. Felizmente o pessoal de Cáritas-Guantánamo, com sua diretora Maribel em frente, está muito ativo neste ponto.

Os animadores das comunidades devem fazer uma lista com as pessoas que precisam de ajuda. De sua parte, o caminhão do Bispado está indo de um lado para o outro levando o que outras Dioceses nos entregam: bolachas, arroz, feijão, água, salsichas, sardinhas, óleo, sabão, detergente, velas, fósforo, etc

  • Convidar a todos para rezar, como o fez Moisés, intercedendo por nosso povo (Ex. 17). Podem surgir muitas iniciativas a respeito. O terço em família para Nossa Senhora, Consolo dos aflitos, poderia acompanhar estes dias.
  • Não deixar de celebrar a Missa dominical, especialmente nos lugares onde caíram as igrejas. Disse-lhes para tirar um pouco os escombros e colocar uma mesa que sirva de altar provisório e convidar os fiéis para irem com seu guarda-chuva, caso tenha chuva ou sol. Devemos ter claro, e que todos saibam, que foi destruído o templo…, mas não a Igreja! Eu mesmo presidirei a primeira Missa domingo de manhã na Basílica de Baracoa, e as outras duas sobre os escombros dos templos de Cabacú (Baracoa) e Ponta de Maisí (ao lado do Farol).

Dar tudo que puderem

Nestes primeiros dias, já estiveram presentes as muitas pessoas e instituições que querem ajudar em nossa recuperação. Jovens da Catedral e de La Milagrosa, junto com os Padres Jean, Heidel, Yaser e vários laicos, foram em lugares afetados para prestar sua ajuda. Prometeram sua presença imediata aos jovens de Bayamo. Em La Milagrosa, hoje estiveram cozinhando bem cedo algumas panelas de arroz com presunto que as Irmãs Claretianas, unidas com as Dominicas del Santo Rosario e a Chebita, distribuíram aos afetados em Imías. Os grupos de Cáritas das distintas dioceses estão enviando doações. As organizações católicas de ajuda também estiveram presentes. As chamadas telefônicas chegam de qualquer parte do país ou do resto do mundo brindando com sua ajuda. As cartas são muitas e não consegui respondê-las ainda. As pessoas são tão boas! Sei que muitas pessoas, incluindo meus familiares, chamaram várias vezes para tentar se comunicar comigo, mas nos dois dias que passei em Baracoa não havia nenhum tipo de comunicação. A todos, meu agradecimento pessoal.

Rezo pelos sacerdotes vigários de Baracoa-Maisí (Matteo, José, Efrén e Alberto), pelas religiosas (Irmãs Judith, Louise e Dayanis, e o diácono Carreño e sua família. Rezo por muitos laicos que estão fazendo maravilhas. Sei que todos estão sendo a mão direita do Senhor que quer tocar, consolar e ajudar a todos os danificados. Que Deus lhes dê força e saúde para que sigam fazendo o que expressam aqueles pensamentos que alguma vez lemos: “Dar toda a ajuda que puderem, por todos os meios que puderem, em todas as formas que puderem, de onde puderem, todas as vezes que puderem, a todos os que puderem e por todo o tempo que puderem”.

Vivemos uma “sexta-feira Santa”. A fé nos convence de que haverá um “domingo da ressurreição”. Ela será o fio condutor e a coluna vertebral que nestes momentos nos sustenta. Felizmente, os cristãos têm a sorte de que, graças a nossa fé, podemos ver os dois lados, ou seja, o que todo mundo vê e também ver o que ninguém vê. E acontece como ao bom ladrão crucificado com Jesus: em meio à tragédia, encontrou o caminho. É a salvação de Deus que temos que descobrir neste momento onde a tragédia toma conta e podemos cair na tentação de não a ver.

Quem quiser ajudar com suas orações e doações materiais, com certeza fará uma obra de misericórdia grandiosa.

Foto acima: Paróquia de Maisí

Original: espanhol. Tradução: Isabel Lombardi, Guarapuava PR- Brasil

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