Posted On 2016-11-06 In Francisco - Mensagem

Convido-vos a ir ao encontro das necessidades mais básicas de quem encontrarem no vosso caminho…

FRANCISCO EM ROMA – ANO SANTO DA MISERICÓRDIA •

Na quarta-feira a seguir à Canonização de sete novos santos, 19 de Outubro, o Papa Francisco começou um novo ciclo de catequese, centrada no que para ele, é o núcleo humano-instrumental no processo da misericórdia: as obras da misericórdia, o “nada sem nós”, para dizê-lo com a linguagem da Aliança. Começou este ciclo com a obra de dar de comer aos famintos, pondo em destaque o momento pessoal, a diferença entre dar alguma coisa durante uma campanha de solidariedade (por mais importante que seja), e fazê-lo em primeira pessoa, ao pobre num encontro cara-a-cara…

E se fizermos isto haverá alguém que diz «Este é louco porque fala com um pobre!». Verifico se posso acolher a pessoa de algum modo ou procuro livrar-me dela rapidamente? Mas talvez ela peça só o necessário: algo para comer e beber. Pensemos um momento: quantas vezes, recitamos o «Pai-Nosso», e no entanto não prestamos atenção àquelas palavras: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje».

Enquanto o Papa entrava na Praça de S. Pedro, eu estava a sair de Roma, depois de uns dias de trabalho lá. Antes de partir, vi que me sobravam uns pacotinhos de bolachas, pão, uma garrafa de sumo e umas maçãs. Não couberam na minha mala de viagem, então… foram para a mala de mão. Quem sabe, encontrarei um “sem-abrigo” para lhe oferecer a comida, pensei, mas no aeroporto de Roma não havia e na autoestrada também não e, assim, com a minha mala de mão cada vez mais pesada, entrei no avião. Também em Frankfurt não encontrei um “sem-abrigo”: por isso, o saco com a comida, entrou no comboio comigo e com a minha grande mala de viagem. Ao sair da estação do comboio na minha cidade, com o táxi já à vista para ir para casa, vi-o. Um homem, com talvez 60 anos, num canto meio escondido, onde pelas nuvens de álcool e de marijuana “viveram” mais…Pergunto-me: Agora, depois de ter carregado o saco pesado desde Roma a Colónia? Sim, precisamente agora, não quando pensei num modo elegante de me despedir do peso do saco, mas agora, precisamente agora. Travo, rodo e dirijo-me ao homem no chão. “Bom dia”, digo. “É para si. Se quiser. É tudo novo…”, acrescento, como para me desculpar. O homem olha-me nos olhos e sorri, eu olho-o, lembro-me do Papa Francisco e estendo-lhe a mão e o homem diz com um sorriso tão límpido, tão inocente, tão surpreendido: “Obrigado, minha senhora, que Deus a abençoe…”

Na tarde do mesmo dia, leio o texto da catequese do Papa Francisco. E, sinto-me um pouco como S. Martinho no seu encontro com o senhor.

Texto integral da catequese do Papa Francisco

Queridos irmãos e irmãs, bom dia!

Uma das consequências do chamado «bem-estar» é que as pessoas tendem a fechar-se em si mesmas, tornando-se insensíveis às exigências dos outros, iludindo-se com a apresentação de modelos de vida efémeros, que desaparecem depois de alguns anos, como se a nossa vida fosse uma moda para seguir e mudar em cada estação. Não é assim. A realidade deve ser recebida e enfrentada pelo que é, e com frequência nos deparamos com situações de necessidade urgente. É por isso que, entre as obras de misericórdia, encontramos a referência à fome e à sede: dar de comer aos famintos — há muitos hoje em dia — e de beber aos sedentos. Quantas vezes os meios de comunicação informam sobre populações que sofrem por falta de alimentos e de água, com graves consequências, especialmente para as crianças.

Face a determinadas notícias e sobretudo a certas imagens, a opinião pública comove-se e têm início campanhas de ajuda para estimular a solidariedade. As doações são generosas e deste modo podemos contribuir para aliviar o sofrimento de muitos. Esta forma de caridade é importante, mas talvez não nos envolve diretamente. Quando, ao contrário, indo pelas ruas, nos cruzamos com uma pessoa em necessidade, ou um pobre bate à porta da nossa casa, é muito diferente porque já não estamos diante de uma imagem, mas somos envolvidos em primeira pessoa. Já não há distância alguma entre mim e ele ou ela, e sinto-me interpelado. A pobreza em abstrato não nos interpela, mas faz-nos pensar, faz-nos lamentar; contudo quando vemos a pobreza na carne de um homem, de uma mulher, de uma criança, isto nos interpela! E portanto, o hábito que temos de fugir dos necessitados, de não nos aproximarmos deles, colorindo um pouco a realidade dos necessitados com os hábitos da moda para nos afastar dela. Quando me cruzo com o pobre já não há distância alguma entre nós. Neste caso, qual é a minha reação? Desvio o olhar e sigo em frente? Ou paro para falar e interesso-me do seu estado? E se fizermos isto haverá alguém que diz «Este é louco porque fala com um pobre!». Verifico se posso acolher a pessoa de algum modo ou procuro livrar-me dela rapidamente? Mas talvez ela peça só o necessário: algo para comer e beber. Pensemos um momento: quantas vezes recitamos o «Pai-Nosso», e no entanto não prestamos atenção àquelas palavras: «O pão nosso de cada dia nos dai hoje».

Na Bíblia, um Salmo diz que Deus é aquele que «dá o alimento a todos os viventes» (136, 25). A experiência da fome é dura. Quantos viveram períodos de guerra ou carestia sabem-no. Entretanto esta experiência repete-se todos os dias e convive ao lado da abundância e do desperdício. São sempre atuais as palavras do apóstolo Tiago: «De que aproveitará, irmãos, a alguém dizer que tem fé, se não tiver obras? Acaso esta fé poderá salvá-lo? Se a um irmão ou a uma irmã faltarem roupas e o alimento quotidiano, e algum de vós lhes disser: “Ide em paz, aquecei-vos e fartai-vos”, mas não lhes der o necessário para o corpo, de que lhes aproveitará? Assim também a fé: se não tiver obras, está morta em si mesma» (2, 14-17) porque é incapaz de realizar obras, de praticar caridade, de amar. Há sempre alguém que sente fome e sede e precisa de mim. Não posso delegar outra pessoa. Este pobre precisa de mim, da minha ajuda, da minha palavra, do meu compromisso. Estamos todos envolvidos nisto.

Também este é o ensinamento daquela página do Evangelho na qual Jesus, vendo o povo que há horas o seguia, pergunta aos seus discípulos: «Onde compraremos pão para que todos estes tenham o que comer?» (cf. Jo 6, 5). E os discípulos respondem: «É impossível, é melhor que os dispense…», Mas Jesus diz-lhes: «Não. Dai-lhes vós mesmos de comer» (cf. Mc14. 16). Então entregaram a Jesus os poucos pães e peixes que traziam consigo, e Ele benzeu-os, partiu-os e fez com que fossem distribuídos a todos. É uma lição muito importante para nós. Diz-nos que o pouco que temos, se nos confiarmos às mãos de Jesus e o partilharmos com fé, torna-se uma riqueza superabundante.

O Papa Bento XVI, na Encíclica Caritas in veritate, afirma: «Dar de comer aos famintos é um imperativo ético para toda a Igreja. […] O direito à alimentação e à água revestem um papel importante para a consecução de outros direitos […] É necessária a maturação duma consciência solidária que considere a alimentação e o acesso à água como direitos universais de todos os seres humanos, sem distinções nem discriminações» (n. 27). Não nos esqueçamos das palavras de Jesus: «Eu sou o pão da vida» (Jo 6, 35) e «Venha a mim quem tem sede» (Jo 7, 37). Para todos nós, crentes, estas palavras são uma provocação a reconhecer que, através do dar de comer aos famintos e de beber aos sedentos, passa a nossa relação com Deus, um Deus que revelou em Jesus o seu rosto de misericórdia.

Coordenação da tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal. Tradução das palavras do Santo Padre: vatican.va

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