Himmelwärts in Fulda

Posted On 2023-05-05 In José Kentenich

Queremos arrebatar o mundo e os corações rumo ao céu

ALEMANHA, Maria Fischer •

Fulda está a fervilhar. O primeiro fim-de-semana de sol deste início de Primavera, lojas abertas aos domingos, a antecipação da Exposição Estatal de Jardinagem, a exposição de “Pessoas correntes” – 40 esculturas das artistas Christel e Laura Lechner, esculturas de pessoas completamente normais sem filtros de Photoshop – ao longo de um percurso pelo centro da cidade: as ruas e praças da zona pedonal estão cheias de gente, a praça em frente à igreja paroquial da cidade tem um aspecto mediterrânico com as numerosas mesas e cadeiras da gastronomia ao ar livre. E toda esta azáfama alegre, soalheira e colorida reflecte-se nas janelas do pórtico paroquial, cujas imponentes portas de madeira estão escancaradas. E no meio de tudo isto, há o Himmelwärts (Rumo ao Céu).[1] — 

É domingo, 23 de Abril, e na igreja paroquial de St. Blasius, construída em estilo barroco entre 1771 e 1785, segundo os planos do irmão jesuíta Johann Andreas Anderjoch, tem lugar à tarde a segunda representação do oratório Himmelwärts (Rumo ao Céu). “Pensamentos e textos de um campo de concentração” é o subtítulo do cartaz que se encontra no pórtico da igreja paroquial. Não se enquadra de todo neste domingo luminoso e soalheiro. Ou será que não? Porque este tempo despreocupado e alegre, que se reflecte no cartaz e que vemos quando olhamos para fora da igreja, também quer ir rumo ao céu. Pelo menos é essa a convicção de José Kentenich (no campo de concentração de Dachau) e do Dr. Martin Flesch, que compôs este oratório e dirige a representação.

Welt und Menschenherz wollen himmelwärts. 2023 und darüber hinaus.

Em diálogo: Encontros

“Quando, em 2016, me perguntei como é que as orações de “Rumo ao Céu”, concebidas pelo Padre Kentenich no campo de concentração de Dachau, se poderiam tornar permeáveis aos tempos actuais e voltar a ser relevantes, rapidamente se tornou claro para mim que tinha de as deixar falar no terreno de uma aura sonora em diálogo com as vozes da época”, diz o autor e compositor Dr. Martin Flesch. E este diálogo é sempre, antes de mais, um diálogo de pessoas, é um encontro. É um encontro já na saudação dos membros do conjunto – os mesmos que na estreia, seis meses antes, em Schoenstatt – e dos outros participantes, é um encontro com o pároco Stefan Buß, da Liga dos Sacerdotes de Schoenstatt, e com o bispo diocesano Dr. Michael Gerber, que não só assumiu o patrocínio deste espectáculo, mas que também está presente e procura o diálogo, a conversa. Tal como procura o diálogo com os sacerdotes de Schoenstatt da sua diocese, todos os meses, com todos, como nos disse o Pe. Stefan Buß depois do espectáculo no restaurante italiano.

Mas há também os encontros inesperados. De repente, estou diante de dois colegas de estudos, alguns semestres atrás de mim, mais ligados aos meus irmãos e irmãs mais novos e aos seus amigos, e não os vejo nem falo com eles há quase quarenta anos. O que nos fizeram estes quarenta anos desde que, com alegria e um pouco ingenuamente, quisemos mudar o mundo no Círculo Universitário de Schoenstatt em Kreuzberg, em Bona? De facto, mudámo-lo um pouco. Ambos são utilizadores ávidos de schoenstatt.org e, por isso, dialogámos sem o saber durante os últimos anos. Será que agora vamos aparecer em schoenstatt.org, perguntou Gisela. Claro!

E depois os encontros sem palavras durante o espectáculo. As pessoas que entram na igreja por um momento, o que é que experimentam? O que é que o casal de idosos que acende uma vela em frente à estátua da Mãe de Deus leva? E o casal vestido de motoqueiro? E o homem com o casaco vermelho e um grande ponto de interrogação nos olhos?

Fulda Oratorium

Em diálogo: Será que este tempo ainda pode ser salvo?

O espectáculo em pleno tempo pascal, nesta igreja, transparente à azáfama do centro da cidade, comove, choca, emociona. Nenhum espectáculo com efeitos de luz e cor, apenas algumas imagens, uma vela e, de resto, apenas palavras e sons – harpa, oboé, violoncelo, monocórdio, percussão, guitarra, voz – intensos, comoventes, como nunca antes ouvidos.

Klaus Glas, como voz do Padre Kentenich, e Frank Breitenstein, como voz do tempo – com aforismos dos “Poemas do Gólgota” de Peter M. Behncke, de 1985 – desenvolvem uma alegria sem igual na actuação. No riso sarcástico do “tempo”, que logo no início apaga o círio pascal na mão do “Kentenich”, ressoa todo o anseio desesperado pelo tempo, por todos os tempos, também por este tempo de 2023, entre a guerra na Ucrânia e os estudos de abusos que deixam cair os cedros do Líbano. Nesse riso áspero ressoa toda a desilusão, toda a dúvida que o tempo primaveril lá fora não consegue dissipar. E veio. “A questão dos campos penais e de reeducação não escapou, infelizmente, à nossa atenção em todo o mundo. Hoje em dia, encontramos estes campos na Rússia, na China, na Bielorrússia, antigamente em Guantanamo e Abu Graib, mas também em todo o lado onde a pena de morte ainda é aplicada”, diz o Dr. Martin Flesch, em jeito de introdução. E não só… Basta ler o último livro do autor, Die Betroffenen (Os afectados).

A dureza junta-se ao “Rumo ao Céu”. Riso altivo e desesperado sobre o canto da dignidade em nós, percussão sobre harpa, violoncelo e oboé. Uma luz vermelha ilumina a imagem de Maria, à esquerda da capela-mor, e a pequena imagem da Mãe Peregrina, em baixo.

Será que este tempo ainda pode ser salvo? “O que levo em mim o que suporto…te ofereço…”. A conhecida oração da boa opinião nunca foi ouvida assim. A melodia soa a vitória, a alegria.

“Deus criou algo”, diz a voz do tempo, “e com o tempo o nada que se tinha tornado algo tornou-se independente e declarou-se Deus”. E a resposta, mais silenciosa mas não menos poderosa: o ideal deve pairar diante de nós e moldar toda a nossa vida….

Será que este tempo ainda pode ser salvo?

Bischof Dr. Michael Gerber

O bispo Michael Gerber, de Fulda, assumiu o patrocínio

Em diálogo: O teu Santuário irradia no nosso tempo

“O teu Santuário irradia no nosso tempo…”. Uma condensação musical-textual da Liturgia das Horas de Schoenstatt desde o céu sobre a mensagem central: O Teu Santuário irradia no nosso tempo… O Teu Santuário. Cantado tão intensamente que se torna um hino, uma resposta quase espontânea aos gritos e denúncias do tempo. O teu Santuário. E, no entanto, o santuário de pedra estava tão longe do campo de concentração de Dachau. E, no entanto: o Teu Santuário. E: faz que Cristo brilhe em nós mais intensamente; Mãe, une-nos em santa comunidade. O Teu Santuário…

“Podemos suportar o silêncio em que nada acontece? O silêncio que se torna terrivelmente ruidoso quando irrompe a pergunta perdida de Deus?” O altifalante e a música modulam a transição do regozijo para a procura. “Diz ao teu filho, como antigamente nos tempos terrenos, quando ele ajudava na angústia e na vergonha: Senhor, eles não têm vinho nem comida…”.

“O pior de tudo são os golpes suaves que só doem depois de anos”. Que grito silencioso ressoa nesta voz do tempo. E ainda: O teu santuário… Levamos o tempo ferido, os feridos do tempo, ao teu santuário?

Com o texto da “pomba branca da paz” pousada no tecto do século XXI, vem a ruptura. A pomba que não traz a paz nem a encontra, que se empoleira cansada aos pés do Crucificado e voa com um ramo de oliveira e um sorriso. “E cheio de confiança, só procurarei fazer fielmente a vontade do Pai… Ele guiar-me-á através das trevas…”. Nesse preciso momento, os sinos tocam. “Agradeço-te, ser-te-ei eternamente grato…”.

E então o “tempo” já não fala contra ou ao lado da voz do Céu, mas, com ela, retoma o motivo da bênção que hoje correu como um grande “mar de graças”. O círio pascal volta a arder.

Queremos arrebatar o mundo e os corações rumo ao céu.

Welt und Menschenherz wollen himmelwärts

Queremos arrebatar o mundo e os corações rumo ao céu…

A última palavra: Queremos arrebatar o mundo e os corações rumo ao céu

E esta é a última palavra, enquanto as vozes do tempo (Zeitstimmen) e do Céu (Himmelwärts) se apagam juntas ao som assombroso da canção: “Queremos arrebatar o mundo e os corações rumo ao céu…”. Até que a canção se desvanece na última palavra: “Queremos… o mundo e os corações rumo ao céu”.

Sim, eles querem… rumo ao céu.

Ressonâncias

D. Gerber dá uma breve palavra de agradecimento e de interpretação. Que ressonâncias desperta este texto octogenário do campo de concentração na nossa vida pessoal de hoje? Como é que se desenvolve a resiliência, como é que se cresce em condições difíceis? Estes textos antigos podem despertar um novo som num clima que não é necessariamente propício ao crescimento. O autor dos textos, Heinz Dresbach – José Kentenich ditou-lhos – experimentou este crescimento, a ponto de, mais tarde, ele próprio o poder promover, como Gerber experimentou pessoalmente nos encontros de Heinz Dresbach com a sua família.

Este oratório ressoou junto dos participantes, que ainda tinham “o seu santuário” nos olhos quando saíram da igreja, e junto dos participantes quando o saborearam entre pizza e vinho.

Está a ser ponderada uma actuação em Dachau.

O mundo e os corações querem (ir) rumo ao céu. 2023 e mais longe.

Oratorium Himmelwärts

Vídeo: O Teu Santuário irradia no nosso tempo

[1] O livro de orações “Himmelwärts”, orações escritas em Dachau, na sua versão em português chama-se “Rumo ao Céu “.

Original: alemão (30/4/2023). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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