Transparencia y secreto

Posted On 2023-10-14 In abuso

Não basta pedir perdão, é preciso mostrar com actos o desejo de nunca mais!

Dez perguntas ao Pe. Jordi Pujol Soler, co-autor de “Transparência e Segredo na Igreja Católica”

“Transparência e Segredo na Igreja Católica” é o título do último livro lançado pelo Conselho Latino-Americano do Ceprome (Centro de investigação e formação interdisciplinar para a proteção do menor). O texto de 205 páginas, originalmente escrito em italiano, é obra dos padres Jordi Pujol e Rolando Montes de Oca, especialistas em comunicação e direito canónico, bem como defensores activos das vítimas de abusos na esfera eclesial.

Agradecemos sinceramente a Patricia Espinosa e Angelina Luna, do CEPROME AMERICA LATINA, que contactaram Jordi Pujol, autor do livro sobre Segredo e Transparência, que aceitou de bom grado realizar a entrevista. Oferecemo-la aqui, com muita gratidão, a todos os utilizadores de https://www.schoenstatt.org/pt/, esperando que seja uma fonte de reflexões e não só: como diz Jordi Pujol, compreendemos que não basta pedir perdão, é preciso mostrar com actos o desejo de nunca mais! 

1- Como surgiu a ideia ou o desejo de publicar, juntamente com o Pe. Rolando Montes de Oca, este livro, que foi editado pela primeira vez em italiano? Sei que estão unidos pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz, mas gostaríamos de saber como se conheceram e qual foi o momento que os motivou a escrever este livro juntos. 

P. Rolando

Pe. Rolando

Foi assim que aconteceu. Tudo surgiu por causa da dissertação que os estudantes têm de escrever para obter o diploma em comunicação institucional da Igreja na Pontifícia Universidade da Santa Cruz. A transparência e a governação da informação é um dos temas de investigação em que trabalho, e o Padre Rolando quis fazer a dissertação sobre este assunto. Acompanhei-o na sua dissertação, que obteve a nota máxima. A sua dissertação serviu de base para o livro que depois desenvolvi, aproveitando um período com menos aulas. Portanto, é um trabalho partilhado onde as nossas opiniões e esforços se misturam.

2. Na Igreja, desde 2010, tem havido uma crescente consciencialização da existência de abusos em geral e de abusos sexuais em particular, bem como da necessidade de prevenção. Quais são, na sua opinião, os principais entraves a esta tolerância zero e transparência?

De facto, 2010 é um ano-chave para compreender o percurso da Igreja na luta contra os abusos. Nesse ano, Bento XVI actualizou as normas essenciais da “Sacramentorum Sanctitatis Tutela” (inicialmente aprovada em 2002), simplificando o processo, alargando o prazo de prescrição e abrindo caminho à pena máxima: a demissão do estado clerical. A carta aos católicos irlandeses, de 19 de Março de 2010, foi um marco: o Papa reconheceu que se tratava de um problema de toda a Igreja e sublinhou que se tratava de uma falha institucional. Em Abril de 2010, o Papa começou a encontrar-se pessoalmente e a ouvir as vítimas. Em 16 de Setembro de 2010, Bento XVI explicitou o caminho a seguir por toda a Igreja, na conferência de imprensa no voo para a Grã-Bretanha, apontando três prioridades: em primeiro lugar, as vítimas, para as apoiar material, psicológica e espiritualmente. Em segundo lugar, garantir que os culpados recebam uma punição justa e afastá-los de qualquer acesso aos jovens. Por fim, trabalhar na prevenção e na seleção dos candidatos à vida religiosa.

As principais resistências são a inércia, as maneiras de fazer as coisas, aquilo a que chamaríamos a “cultura interna”. Ainda há líderes que pensam: “temos de virar a página”, “basta de abusos”… Quem pensa assim não compreendeu que não há volta a dar à exigência social (também no seio da Igreja) de maior abertura, responsabilidade e prestação de contas “para baixo”.

3. No seu livro, apela ao “fim da era dos segredos absurdos e inúteis”. Como é que nós, enquanto Igreja, e como é que as Ordens ou Movimentos passaram a valorizar e a proteger tanto os chamados “segredos de família” ou segredos institucionais? E, na sua experiência, como é que esse segredo pode ser ultrapassado, sobretudo em pessoas e instituições que estão quase condicionadas a pensar em termos de “dentro” e “fora”, “nós” e “eles”?Transparencia y secreto

O segredo é necessário e existe para proteger bens humanos preciosos como a privacidade, a honra, o bom nome, a reputação… O segredo não existe para encobrir o que se faz de errado. O segredo não é uma licença para encobrir a roupa suja.

A Igreja é hierárquica por desígnio do seu fundador, Jesus Cristo, e isso não é um problema, se compreendermos bem que o poder na Igreja é serviço. É assim que Jesus Cristo quis que estivesse escrito nas Escrituras: mandar é servir, não dominar. Neste sentido, a Igreja no Concílio Vaticano II redescobriu a vocação dos leigos, homens e mulheres que vivem no mundo, e proclamou que todos somos co-responsáveis por ser e fazer a Igreja. O dever de prestar contas e de informar os fiéis não é estranho ao ethos da Igreja.

4. Vivemos hoje a experiência de como grandes figuras da Igreja – como recentemente o amado Cardeal Hengsbach na Alemanha – “caem” por causa de alegações de abuso sexual ou – como o padre de Schoenstatt Robert Zollitsch – por causa de encobrimento e/ou negligência no tratamento de padres abusadores. Como podemos, a partir do conceito apresentado no seu livro, lidar com este fenómeno e com as feridas que ele causa também nas pessoas que assim perdem a fé em figuras-chave da sua vida como cristãos?

As acções de revisão e de responsabilização pelo passado têm de ser feitas de forma honesta e adequada. A justiça não deve ser nem dura nem branda, mas simplesmente justa: dar a cada um o que lhe é devido. Neste sentido, é importante que a transparência e a tolerância zero não se tornem slogans vazios. O modelo de tratar das coisas nos bastidores já não é válido, mas também não o é a caça às bruxas.

Pensamos que se trata de uma questão cultural, ou seja, esta mentalidade de abertura, de responsabilidade e de prevenção tem ainda de ser inculturada. Ou seja, tem de ser efectivamente incorporada na forma como a Igreja é governada, gerida e organizada. As pessoas dizem-nos: mostrem-me com factos que são responsáveis, não mo contes… A credibilidade da Igreja foi danificada e agora, mais do que nunca, temos de a mostrar com actos. Não basta pedir perdão, temos de mostrar com actos o desejo de nunca mais o fazer!

5. Um aspecto central do seu livro, na minha opinião, é o efeito de re-traumatização das vítimas para que exponham o que viveram e sofreram, para que haja transparência. O que propõem para evitar esse sofrimento?

A Igreja está a compreender que as vítimas e os sobreviventes não são um problema, nem alguém a temer. São, no entanto, muito sensíveis ao empenhamento na verdade e na justiça. Por isso, o que é realmente frustrante para uma vítima/sobrevivente é ver a inação ou a falta de empenho na verdade por parte dos responsáveis. Como os papas recentes têm vindo a repetir, as vítimas devem estar em primeiro lugar em todo o processo.

6. A análise das estruturas de abuso na Igreja Católica centra-se actualmente no abuso sexual por parte de membros da instituição. No entanto, está a tornar-se claro que existe um vasto espectro de áreas de sofrimento na origem de algum tipo de abuso de poder que se exprime a vários níveis e afecta quase todas as áreas da Igreja. O psicoterapeuta Martin Flesch, a partir da sua experiência com vítimas de abuso de poder/consciência na Igreja, explica-o como uma (ab)utilização do poder para incluir e excluir. Como é que veêm isso?

Desde 2018, o Papa Francisco colocou ao mesmo nível o abuso sexual, o abuso de poder e o abuso de consciência. Por isso, começámos a estudá-los. No livro, o abuso sexual é objectivo, porque se trata de um comportamento ostensivo, enquanto o abuso de poder é antes um processo. Ou seja, um caminho de manipulação no contexto de uma relação de subordinação no domínio espiritual. Isto não é tão fácil de ver enquanto está a acontecer. Muitas vezes só é visto depois. Só a passagem do tempo permite a sua descoberta. Estamos a estudar de forma interdisciplinar como o poder de mediação é exercido na Igreja.

7. O secretismo, o famoso “isto é só entre nós”, é também visto como um dos instrumentos mais fortes do abuso de poder e do abuso de consciência, tanto em menores como em adultos. Como é que a sua proposta pode ajudar a ultrapassar o abuso de consciência em determinados Movimentos ou grupos da Igreja?

O vínculo do silêncio é muito grave. É necessário proteger os espaços de confidencialidade porque a dignidade humana exige esses espaços de reserva, de intimidade, de pudor, de recato… mas nunca para silenciar o que se faz de errado. Esta instrumentalização do segredo é um abuso. Aqueles que governam na Igreja são chamados a liderar de acordo com a lei, e a estabelecer relações saudáveis à sua volta. Relações que promovam o crescimento e a liberdade interior, nunca a subjugação ou o domínio. Por isso, todas as instituições da Igreja devem preservar essa separação saudável entre as questões de governação e as de espiritualidade e consciência.

 8 – O que propõe, a partir da sua concepção de não ir demasiado longe em termos de transparência e de segredo no tratamento dos casos de abuso na Igreja, quando nas diferentes instituições existe uma concepção de “fechamento” (“jardim fechado”)?

Eu aconselharia o método das “auditorias”, ou seja, que alguém “de fora”, que conheça o espírito daquela comunidade e que tenha competência (jurídica, teológica e outras) faça uma avaliação, depois de ouvir directamente uma amostra relevante dos que fazem parte daquela realidade eclesial.

9. A transparência é o que a sociedade e a Igreja pedem hoje mais do que nunca. Para aqueles que ainda não leram o livro, como é que a definem, dentro de que limites? Bem, devemos ter em conta os direitos processuais das pessoas envolvidas e, sobretudo, respeitar e cuidar das vítimas.

Propomos a metáfora da translucidez como um modelo de comunicação orgânico, feito à medida da Igreja. O Pe. Rolando foi buscar a ideia de uma comunicação orgânica, não mecanicista, à sua experiência na Família de Schoenstatt.

10. O que é que podemos fazer para divulgar o livro e as ideias nele contidas?

A nossa proposta exige formação e profissionalismo. O direito e a comunicação devem trabalhar juntos, assessorando desde o início aqueles que governam a Igreja. Este livro é um apelo à inculturação da comunicação, não como maquilhagem ou solução de problemas, mas como instrumento para “pensar” a própria identidade, e para governar com este espírito comunicativo e jurídico ao mesmo tempo. A Igreja existe para comunicar e é necessário fazê-lo bem, e por isso existe uma Faculdade de Comunicação Eclesial em Roma, para formar mulheres e homens que assumam profissionalmente esta importante tarefa.

Transparencia y secreto


Os autores:

Rolando Gibert Montes de Oca, Camagüey, Cuba (1981). Formado em Comunicação Social Institucional pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz em 2019. É colaborador regular de publicações seculares e da Igreja em Cuba. Sacerdote diocesano de Schoenstatt.

Professor de Comunicação Social no Instituto de Estudos Eclesiásticos Padre Félix Varela.

Jordi Pujol Soler, Barcelona (1975) é sacerdote, licenciado em Direito pela Universitat Autònoma de Barcelona (Espanha) e doutorado em Teologia Moral pela Pontifícia Universidade da Santa Cruz de Roma (Itália). É professor associado na área de “Ética e Direito da Comunicação” na Faculdade de Comunicação Social Institucional da Santa Cruz. Foi Visiting Research Fellow no De Nicola Center for Ethics and Culture (Universidade de Notre Dame, Indiana) e Visiting Scholar na Columbia Journalism School (Nova Iorque) e no Berkman Klein Center de Harvard (Cambridge).

A sua investigação académica centra-se, em particular, em três áreas:

  • Transparência e comunicação da Igreja. O direito à informação na Igreja. A inter-acção entre direito e comunicação, especialmente em áreas como os abusos e o governo. Último livro: Trasparenza e Segreto nella Chiesa Cattolica (Veneza: Marcianum Press, 2022)
  • Privacidade, identidade digital e proteção de dados, em particular o impacto do RGPD na governação da Igreja. Último livro: Chiesa e protezione dei dati personali (Roma: Edizioni Santa Croce, 2019).
  • Dilemas éticos sobre o princípio da liberdade de expressão na Europa e nos Estados Unidos, e os desafios do exercício da liberdade de expressão online. Último livro com a Notre Dame University Press: The Collapse of Freedom of Expression: Reconstructing the Foundations of Modern Liberty (Fevereiro de 2023).

O livro: 

Transparencia y secreto Transparencia y secreto en la Iglesia Católica
ISBN: 9788428840781
Data da publicação:: 21/09/2023
Encadernação: Rústica
Núm. páginas: 208
PPC Editorial, Boadilla del Monte (Madrid), Espanha

Comprar

 

 

 

Textos do Ceprome que abordam de forma interdisciplinar o fenómeno dos abusos na Igreja 


As perguntas foram-lhe feitas por Roberto M. González, advogado e professor de direito, e Maria Fischer, licenciada em comunicação social. www.schoenstatt.org

Original: castelhano (11/10!2023). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

Tags : , , , , , , , , ,

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *