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Posted On 2023-03-07 In abuso, Vozes do Tempo

Não basta pedir perdão

ABUSOS NA IGREJA, Roberto M. González • 

Ao iniciarmos o mês de Março, o Papa Francisco apresenta-nos um novo vídeo para rezarmos pelas vítimas de abusos este mês.

O que é que o Papa nos pede especificamente? Ele convida-nos a não ficarmos em silêncio face a qualquer situação de abuso, seja qual for a sua natureza. Recordemos que não só existe abuso sexual, mas também abuso de consciência, que é o início e sintoma de outras formas de abuso.

Ele pede-nos que rezemos por todas essas vítimas, aqui devemos também pensar naquelas que não foram capazes de denunciar, ou naquelas que o fizeram mas a Igreja não agiu em conformidade.

“Pedir perdão é bom para as vítimas, mas são as vítimas que têm de estar “no centro” de tudo”

Aqui não basta pedir perdão, não é suficiente, não é e nunca será, porque as consequências que as vítimas têm de suportar são muito maiores do que as suas próprias cruzes. Como cristãos, devemos acompanhá-los, não só para “reparar os danos”, porque o processo de avançar após um abuso pode levar anos e não é resolvido apenas com psicólogos, mas com amizades e redes de apoio, que mesmo que não se saiba tudo o que passaram, apenas estar lá e rezar por essa pessoa pode fazer toda a diferença.

A prevenção é a melhor ferramenta que temos

II Congreso Latinoamericano “ATENDER, INFORMAR, COMUNICAR: Claves para una gestión eficaz en los casos de abuso sexual”.Parte do pedir perdão é aceitar que isso aconteceu, aceitá-lo e comprometermo-nos a fazer todo o possível para assegurar que outros casos não ocorram. Aqui a prevenção desempenha um papel muito importante, criando protocolos e directrizes, mas estes não devem permanecer no papel, mas cada membro da Igreja deve conhecê-los e saber como agir quando confrontado com uma situação.

Hoje todos nós temos a possibilidade de aceder à informação, diferentes dioceses e organizações como o CEPROME, entre outras, apoiar e proporcionar formação a todos os interessados em conhecer e criar directrizes de prevenção. Por exemplo, em Março deste ano, realiza-se em Asunción, Paraguai, o Segundo Congresso Latino-Americano de Prevenção do CEPROME.

Ainda esta semana saiu um relatório da Diocese de Mainz, Alemanha, sobre as alegações e processos de investigação de abusos sexuais, cobrindo o período dos últimos três bispos. O relatório tem mais de 1000 páginas, não quero referir-me ao conteúdo, porque aqui o importante e notável é a responsabilidade de investigar os factos, como um incentivo para o futuro, mais uma vez para trabalhar na prevenção.

A prevenção é a melhor ferramenta que temos, porque com a formação correcta de toda a comunidade eclesial, desde os bispos aos leigos, todos sem distinção de hierarquia, podemos criar espaços seguros dentro e fora da Igreja, em todos os lugares onde nos movemos na nossa vida diária.

Se tivermos prevenção e os nossos protocolos actualizados, podemos ajudar a tornar menos fácil esconder a estigmatização, o medo e a vergonha de denunciar casos de abuso e toda a injustiça dentro e fora da Igreja, e ajudar as vítimas e as suas famílias a curar novamente essas feridas.

Então porque é que nos custa tanto falar sobre a prevenção de abusos?

Não é um assunto fácil ou agradável de falar, mas não podemos continuar a esconder uma realidade que aconteceu e acontece na nossa sociedade, mas para criar estes espaços seguros e reduzir o risco a única maneira é falar sobre isso, porque se não o fizermos, tornar-nos-emos cúmplices indirectos destes factos; por não termos sido treinados e ajudado outros a serem treinados em prevenção, cuidados, informação e comunicação.

Tudo isto não é novidade para a sociedade actual, pois nada mais é do que Conformidade, Programas de Integridade Institucional, Sistemas de Gestão de Qualidade (ISO), Programas de Prevenção do Crime e até programas pós-penitenciários.

Se hoje aplicamos e trabalhamos nestes programas para prevenir o branqueamento de capitais, o tráfico de drogas, o tráfico de armas, a luta contra o crime organizado, a garantia de qualidade empresarial e os selos de Responsabilidade Social Empresarial, entre outros, porque é que é tão difícil falarmos de prevenção de abusos?

O tráfico de droga, de armas e de dinheiro é mais importante do que as pessoas? Sim, existem também tratados internacionais para a prevenção do tráfico de seres humanos em todas as suas formas, mas ainda é mais difícil falar do que de drogas, armas e dinheiro. Estamos a fazer o suficiente para criar sociedades seguras para todos? Essa é a questão que nos devemos colocar hoje.

Mensagem do Papa Francisco
Diante dos abusos, especialmente aqueles cometidos por membros da Igreja, não basta pedir perdão.

Pedir perdão é necessário, mas não é suficiente. Pedir perdão é bom para as vítimas, porque são elas que devem estar “no centro” de tudo.

A sua dor, os seus danos psicológicos podem começar a cicatrizar se encontrarem respostas; ações concretas para reparar os horrores que sofreram e evitar que se repitam.

A Igreja não pode tentar esconder a tragédia dos abusos, quaisquer que sejam. Nem quando os abusos ocorrem nas famílias, em clubes, ou noutro tipo de instituições.

A Igreja deve ser um exemplo para ajudar a resolvê-los, tornando-os conhecidos na sociedade e nas famílias. É a Igreja que tem de oferecer espaços seguros para ouvir as vítimas, acompanhá-las psicologicamente e protegê-las. Rezemos pelos que sofrem por causa do mal cometido pelos membros da comunidade eclesial: para que encontrem na própria Igreja uma resposta concreta às suas dores e aos seus sofrimentos.

“Pedir perdão não basta” Papa Francisco exige respostas, ação e espaços seguros para as vítimas de abuso

“Pedir perdão não basta” Papa Francisco exige respostas, ação e espaços seguros para as vítimas de abuso


Roberto M. González

Advogado pela Universidade Católica Nuestra Señora de la Asunción do Paraguai. Mestre em Direito pela Johannes Gutenberg Universität – Mainz com ênfase em Direito Penal dos Adolescentes.

Advogado Júnior e membro da equipa de Coordenação no “Programa Voluntarios Legales Abogacía Pro bono” do CIDSEP-UC; membro da equipa da Pastoral Prisional “Visitación de María” do Centro Educativo Itaugua e voluntário da “Casa Mãe de Tupãrenda“. Foi auditor e formador do Arcebispado de Asunción sobre Educação Católica e Prevenção de Abusos.

Trabalhou num Tribunal Civil da Capital e depois na Câmara de Recurso Criminal, Câmara Criminal do Supremo Tribunal de Justiça do Paraguai e finalmente no Conselho de Superintendência do Supremo Tribunal de Justiça do Paraguai. Na Universidade Católica foi Coordenador do Turno da Noite do Curso de Admissão e depois Vice-Director Académico da Faculdade de Direito, filial de Asunción.

Trabalha actualmente no Kreuzberg-Bonn, Centro de Formação Internacional e Intercâmbio Cultural, especializado no ensino da língua alemã como língua estrangeira, na cidade de Bonn, Alemanha.

É membro do Instituto Secular “Irmãos de Maria de Schoenstatt” desde 2017.

Original: castelhano (6/3/2023). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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