Por Cristián León, Chile •
Durante estes dias, como resultado de uma entrevista com a teóloga e pesquisadora Alexandra von Teuffenbach, temos visto um grande número de artigos e opiniões nos meios digitais do Movimento de Schoenstatt, mas creio que é necessário lê-los com atenção e não perder de vista a leitura reflexiva e crítica, já que normalmente caímos no presentismo em vários dos argumentos, ou seja, julgar com os valores de hoje, algo que aconteceu há mais de 70 anos. —
A carta de São Paulo aos Efésios 5,23-25 é um exemplo disso: “O homem é a cabeça da mulher, assim como Cristo é a cabeça da Igreja (…). Que a esposa, portanto, se submeta em tudo ao seu marido, como a Igreja se submete a Cristo”. Aos olhos de hoje, São Paulo seria condenado. Do mesmo modo, temos que ter muito cuidado na exegese que fazemos do Pe. José Kentenich, pelo menos com a informação disponível.
P. José Kentenich
É certo que a verdade é capital, mas só será alcançada se examinarmos criticamente o sentido actual e a apreciação que fazemos de quatro conceitos que estão muito em voga hoje, e que são a transparência, o presentismo, o revisionismo e a questão geracional, que elevamos a uma norma de observância universal e a um critério sine qua non para julgar todos os eventos passados. Portanto, é importante advertir que é necessário entender a noção de paradigma, ou seja, uma matriz de sentido, uma forma de entender a realidade de um determinado período histórico-cultural. Compreender que o Pe. José Kentenich disse e fez algo num contexto determinado com pessoas concretas e sob uma problemática específica, ou seja, com um pretexto e um contexto. Portanto, em vários casos, é muito improvável que ele dissesse a mesma coisa hoje. Se não analisarmos criticamente estes pontos, cairemos no já comentado presentismo, um verdadeiro flagelo e falácia hermenêutica.
Assim, também é necessário compreender que a realidade é sempre complexa, mutável e contraditória. Devemos aceitar isto quando propomos uma resposta ao significado da vinculação do Movimento à figura do Pe. Kentenich. Vejamos então:
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A realidade é complexa
Na História há muitas maneiras específicas ou particulares de abordar o fenómeno divino ou Deus. Isso chama-se carisma, e toda espiritualidade tem um fundador que encarna essa espiritualidade de uma forma preclara, e é, portanto, um fundador. Os Beneditinos têm S. Bento, os Franciscanos têm S. Francisco, os Dominicanos têm S. Domingos, os Pallotinos têm S. Vicente Pallotti. Muitas vezes os nomes destes Movimentos declaram, em si mesmos, a sua adesão ao fundador. Nós não nos chamamos os Kentenichianos. Por vezes, alguns observam um certo excesso na vinculação dos schoenstatteanos ao Pe. Kentenich, e pode ser verdade, mas é fundamental na pedagogia dos vínculos de Schoenstatt que essa relação seja feita, uma vez que o Pe. Kentenich é um dos principais responsáveis pela pastoral schoenstatteana. Nesse sentido, quero afirmar o direito à nossa existência carismática, devemos dar conta disso. O nosso carisma é fundamental para o bem da Igreja. Se Schoenstatt não contribui com um carisma original, ficamos reduzidos a uma mera piedade mariana. Hoje, em 2020, os seres humanos em geral e o sacerdote em particular, devem ser lugares de encontro com Deus. Também é verdade que poucas fundações espirituais sobrevivem sem a santidade do seu fundador. É como um selo de garantia da santidade dos seus objectivos e do seu carisma. Se a contribuição e o conhecimento do Pe. José Kentenich enfraquecem, Schoenstatt, como afirmei, permanece como um simples Movimento de devoção mariana, e penso que é verdade que hoje isso tende a acontecer muito no Movimento, e isso pode aumentar, à medida que, as pessoas que conheceram o Pe. José Kentenich vão morrendo. Na verdade, se me perguntarem, o elo mais fraco destas três fontes hoje é precisamente a vinculação ao Pe. Kentenich. E isso é também um enorme perigo para a preservação do carisma específico do Movimento.
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A realidade é mutável
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A realidade é contraditória
A verdade é que Schoenstatt é uma espiritualidade patrocêntrica, o que obviamente significa que não está centrada no Pe. Kentenich, mas em Deus Pai, e as inumeráveis vezes em que o Pe. Kentenich fala do Pai, às vezes interrogamo-nos se, quando fala do pai, se está a falar do Padre Kentenich (“o pai”) ou de Deus Pai (“o Pai”), o que gera uma certa confusão, que em alemão e espanhol nem sempre é assim: Padre e padre, Pater e Vater), mas isso já é uma questão semântica. O livro principal da espiritualidade de Schoenstatt chama-se em espanhol “Rumo ao Pai”, que se refere a Deus Pai, no texto original alemão chama-se Himmelwärts (Rumo ao Céu)[1]. A devoção mariana é porque Maria representa o modelo perfeito do seguimento que a Humanidade faz ao Pai e a Cristo. Mais uma vez, Maria é o caminho ou o caminho do seguimento, como causa segunda . A encarnação em pessoas concretas (causa segunda ) é a matriz e o modelo da pedagogia de Schoenstatt.
Finalmente, é necessário dizer que o Pe. José Kentenich era um metafísico, como ele mesmo declarou. O Homem precisa de beleza e também de simbolismo. Não é suficiente pensar em metafísica. Quer-se ver e ouvir metafísica em formas visíveis. Bem, isso é simbolismo, e o simbolismo coincide com a beleza. Se uma coisa existe, deve ser linda. Assim, Deus criou o Homem. E Ele (Deus) foi obrigado, metafisicamente falando, a criá-lo belo, porque a beleza é a norma. Se eu vejo algo belo, uma paisagem ou ouço uma bela música ou vejo uma bela pessoa, eu vejo o Princípio. Este princípio de encarnação no mundo visível é a chave para nos projectarmos no mundo invisível. É por isso que todo o esforço do Pe. Kentenich para que o Homem Novo, para ser trespassado pelo sobrenatural, deve necessariamente vincular-se de uma maneira nova, afectiva e eficaz, com a Criação. E isso envolve as pessoas numa Nova Comunidade e essa forma muito especial de vinculação orgânica.
É um sinal da Divina Providência que no dia 31 de Maio de 2020, Maria fosse coroada Rainha da Missão, e que um mês mais tarde isto rebentasse.
Cristián León González, 16/7/2020
Cristián León (1969) faz parte do Movimento desde 1991. É, actualmente, membro do curso 2 da União dos Homens. É licenciado em arquitectura e estética pela PUC e tem um mestrado e doutoramento em história da arte pela UPO de Sevilha.
[1] A tradução portuguesa foi feita ipsis verbis do nome alemão.
Original: espanhol (17/7/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal