Por Carlos Barrio e Lipperheide, Argentina •
Parece que hoje em dia a importância ética da geração de riqueza não é suficientemente valorizada. Além disso, diria que a riqueza tem sido vista com uma tonalidade negativa e materialista em vastos setores da Argentina, incluindo o magistério da Igreja. Há poucas menções positivas nas encíclicas papais que nos incentivam a gerá-la. A importância de distribuí-las para fazer justiça é enfatizada, mas o valor ético de produzi-las não é enfatizado. —
É provável que o peronismo tenha contribuído para que, no inconsciente coletivo de vastos setores argentinos, haja um certo descrédito para com aqueles que possuem riqueza, o que pode ser visto na marcha do partido popular, quando a expressão “… lutando contra o capital” é expressa como parte de sua ideologia.
Este tenso preconceito de causa e efeito entre riqueza e pobreza, identifica aqueles que possuem bens (os ricos) como egoístas e exploradores, em oposição aos pobres que sofrem com a falta de acesso e são explorados pelos ricos. Este é e tem sido o caso com frequência, mas não necessariamente. A teoria da mais-valia de Karl Marx colocou a exploração capitalista nua em muitas situações, mas também levou a simplificar a análise, condenando o mundo empresarial (os supostamente ricos egoístas), sem as distinções necessárias a serem feitas, o que levou a outra injustiça. Temos que sair deste “leito de Procrusto“, deste lençol estreito, que nos impede de chegar a uma visão de superação do conflito.
Como é gerada a riqueza?
Sem dúvida, a apropriação da riqueza é questionável, se a obtivermos como consequência da exploração do próximo e de seu empobrecimento. E neste sentido há um pecado de origem, o que as torna inaceitáveis. Mas se forem fruto da criatividade coletiva e de uma justa retribuição daqueles que colaboram para obtê-las, seriam perfeitamente válidas, louváveis e éticas.
É imprescindível repensar o conceito de riqueza: O que significa ser rico? Como é gerada a riqueza? Quem está envolvido em sua produção? Como é distribuída? É ético persegui-la e obtê-la?
Riqueza é abundância e plenitude, tanto de dons como de bens. Envolve esforço individual e coletivo, exigindo nosso trabalho e engenhosidade. Nasce dos sonhos mais criativos e sublimes.
Requer que tenhamos
“… sede de aromas e risos
sede de novas canções”[1]
E me atreveria a acrescentar, também envolve
“…uma canção matinal que estremeça
os remansos quietos
do futuro. E encha de esperança
suas ondas e seus sedimentos.”[2]
Sem esta capacidade de sonhar e de criar, é difícil que consigamos produzi-la.
Esta força para gerar riqueza requer – como nos diz José Kentenich – que nosso trabalho seja “… uma participação de coração na atividade criadora e na vontade de doação de si mesmo… que deve despertar e satisfazer a vontade de forjar e criar…“[3] Através desta dinâmica se multiplicará.
Não poderemos realizar uma atividade criadora se não entregamos nosso coração
Nesta visão, o trabalho necessário para produzi-la deve estar associado e ter a participação de todo nosso ser afetivo e solidário. Não poderemos realizar uma atividade criadora se não entregamos nosso coração, nossa paixão e nos entregamos ao trabalho que empreendemos, apesar das dificuldades que possam surgir ao longo do caminho. E para colocar nosso coração no trabalho, temos que nos sentir realizados com a tarefa, vibrar interiormente com a atividade que realizamos, encontrar nossa vocação e originalidade e convocar outros para empreender este sonho, trabalhando em equipe.
Como disse o empresário Enrique Shaw [4], “a produtividade não é nada mais que uma porta que se abre, que se abre a todo trabalhador, seja ele quem for; que lhe abre ou lhe permite o acesso a um melhor desenvolvimento de sua personalidade, à realização de sua concepção de vida, ao fim para o qual foi criado“[5].
Sem uma atividade que chegue até a alma das pessoas é difícil viver o trabalho com alegria e esperança e criar um mundo de riqueza e realizações.
Este processo criativo, realizado em equipe, levará à produção de riqueza espiritual e material, que se refletirá na aquisição de bens e capital.
Assim, a verdadeira motivação para participarmos de todo coração da atividade criadora de bens e serviços será que não seremos considerados “… como um instrumento de produção“[6] mas “… como sujeitos eficientes e seus verdadeiros arquitetos e criadores“[7] E isto só será possível se construirmos um empreendimento no qual baseemos a distribuição da riqueza na preeminência do fator trabalho sobre o capital. Como diz João Paulo II “… o trabalho é sempre uma causa primária eficiente, enquanto o ‘capital’… é apenas um instrumento ou causa instrumental“[8].
Os inícios da Apple e da Amazon
Vem à minha mente o início de duas das mais importantes empresas globais de nosso tempo: Apple e Amazon. Ambos começaram do nada, sem capital, com a única riqueza do talento criativo dos seus fundadores.
Steve Jobs fundou a Apple em 1976 na garagem de sua casa, junto com um amigo adolescente, Steve Wozniak e um antigo colega de trabalho da Atari, Ronald Wayne.
Em 1994, Jeff Bezos, fundador da Amazon, decidiu abrir uma livraria on-line na garagem de sua própria casa em Seattle. Lá as caixas eram embaladas no chão.
No início havia 5 trabalhadores e sua esposa era responsável pela contabilidade e pela parte administrativa. A empresa teve prejuízo durante seus primeiros 8 anos de existência.
Coisas interessantes acontecem nas garagens!
Hoje, a Apple é a empresa mais valiosa do mundo, avaliada em 2 bilhões de dólares. A Amazon vende dez mil dólares por segundo, aproxima-se de um milhão de funcionários e está avaliada em 1,3 bilhão de dólares.
O mundo da abundância nasce em nosso coração, no olhar vivo do nosso interior e no que projetamos e imaginamos para o futuro. Portanto, “a exploração autêntica não é a busca de novos territórios, mas sim aquela que aprende a ver com novos olhos“[9].
Cuidemos para não armazenar a riqueza em celeiros
Sem dúvida há muito a melhorar e corrigir para construir um mundo mais justo, mas não deixemos de incentivar a criatividade, a liberdade e as formas de sonhar e de levar adiante novas possibilidades de crescimento.
Não esqueçamos que é precisamente a riqueza que poderá colocar um fim à pobreza e à fome em um mundo que se tornou dramaticamente mais pobre como resultado da COVID-19.
Cuidemos para não armazenar a riqueza em celeiros (Lc 12,13-21) ou desencorajar seu crescimento com pressões impositivas sufocantes como na Argentina de hoje, pois um dia seremos questionados pelos dons recebidos para produzi-las, “… pois tive fome e me destes de comer, tive sede e me destes de beber, estava de passagem e me destes hospedagem, nu e me vestistes…” (Mt 25,35).
[1]Federico García Lorca. Cantos Nuevos. Obras Completas. Ed. Aguilar (1957).
[2]Federico García Lorca. Cantos Nuevos. Obras Completas. Ed. Aguilar (1957).
[3]José Kentenich. “Desafíos de Nuestro Tiempo”. Editorial Patris. 1985.
[5] Enrique Shaw “… y dominad la tierra”. Editorial ACDE (2010)
[6] São João Paulo II. “LaboremExercens”, 7
[7] São João Paulo II. “LaboremExercens”, 7
[8] São João Paulo II. “LaboremExercens”, 12
[9] Marcel Proust. Citado por Ángel Castiñeira e Josep M. Lozano. “El Poliedro del liderazgo”. Ed. Libros de Cabecera (2012).
Original: Espanhol (27/2/2021). Tradução: Luciana Rosas, Curitiba, Brasil
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