Posted On 2016-03-23 In Schoenstatt em saída

Pessoas em fuga: um desafio para nosso tempo

ALEMANHA, por Maria Fischer •

A coincidência no tempo é muito forte: poucas horas antes saiu nos meios de comunicação a notícia de que a rota e fronteiras dos Bálcãs estavam praticamente fechadas, e os refugiados no tempo, debaixo de chuva e frio. Poucos dias antes o Papa Francisco disse na “Lampedusa da América”, zona de fronteira mortal entre México e EUA: “Não podemos negar a crise humanitária que nos últimos anos tem resultado na migração de milhares de pessoas, seja por trem, ou caminhando, atravessando centenas de quilômetros por montanhas, desertos, caminhos inóspitos. Esta tragédia humana, que representa a migração forçada hoje em dia, é um fenômeno global. Esta crise, que pode ser medida em cifras, nós queremos medi-la por nomes, histórias e famílias. São irmãos e irmãs que são expulsos pela pobreza e a violência, pelo narcotráfico e o crime organizado. Frente a tantas lacunas legais se arma uma rede que atrai e destrói sempre os mais pobres. Não sofrem só pela pobreza, mas, além disso, sofrem estas formas de violência.” E em Bruxelas acaba de acontecer a reunião extraordinária sobre os refugiados.

Não assistiram às grandes massas que realmente esperavam, quando, nos dias 19 e 20 de fevereiro de 2016, Schoenstatt abordou o tema que move o mundo, não uma voz do tempo, mas sim um grito do tempo: “Pessoas em fuga, um desafio do nosso tempo”. Ou, para dizer como o Padre Kentenich: “um grupinho pequeno” (carta a José Fischer de 22.05.1916). Mas as 30 pessoas que ajudaram na sexta à tarde e os quase 20 empresários e dirigentes no sábado, mostram algo: um interesse ardente de estar pessoalmente envolvidos no tema dos refugiados.

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Isso é como se alguém tirasse minha roupa de banho na piscina.

Assim chegou uma senhora que trabalha por conta própria para encontrar orientação para tratar mulheres da Eritreia. Como lidar com as formas de cumprimentar e o contato físico, e como produzir o entendimento em uma situação tão especial?

Trata-se do véu, da burca, do lenço e de sua proibição. Há quem gostaria de arrancar o véu e o lenço de todas as mulheres que têm que levar esse sinal de opressão. Será que elas querem ser libertas assim? “Isso é como se alguém tirasse minha roupa de banho na piscina”, argumenta outro. “Nesta situação não me sentiria propriamente liberto”. Alguém, que se sente incomodado com os beijos e abraços como forma de cumprimentar latino americana, nota em meio às conversas, que os refugiados que não dão a mão para cumprimentar, e sim só fazem  um movimento com a cabeça, não podem ou não querem assumir os costumes da Europa Ocidental pelo simples fato de ter cruzado a fronteira.

Um jovem empresário expressa seu medo de que estas migrações faça com que tudo vá pelos ares. Aqui busca orientação e respostas, pois não quer cair na mistura do medo e da rejeição. Quando um alemão vive durante um ano em outro pais da Europa Ocidental e ansiava um pernil de porco ou um chucrute, o que aconteceria com um afegão, um sírio ou a um nigeriano na Alemanha? É assim que começamos a entender o outro lado.

“Há pessoas que sempre estão se queixando e criticando e naturalmente colocam a culpa nos outros, e de qualquer forma, não querem mudar nada, pois estão convencidos que no final não é possível mudar nada e que o mundo acabará em breve. E há aqueles que, apesar de pressentirem algo escuro e terrível, podem imaginar algo diferente, e tentam expressar isso com palavras e ações”, escreve a jornalista do Frankfurter Allgemeine, Julia Encke, no dia 18 de fevereiro. Tentar expressar em palavras o desafio dos refugiados e agir, essa era a intenção do Dr. Stefan Keznickl durante estes dois dias no centro de Schoenstatt de Memhoelz. E conseguiu. Mesmo no final de ambos os eventos, quando gostaria de ter continuado sua fala por mais tempo e atuaria imediatamente.

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Quando as pessoas se encontram com outras pessoas

O Dr. Stefan Keznickl é juiz do Tribunal Contencioso-Administrativo Federal de Viena, e temporariamente juiz de asilo para pessoas vindas do Afeganistão. Pertence a la Federación de Hombres de Schoenstatt e em seu tempo livre é fotógrafo e também um estudioso apaixonado do Padre Kentenich.

Suas observações sobre o tema dos refugiados são como suas fotografias: precisas, fundamentadas, profissionais. E assim transmite suas observações como juiz de asilo, como leitor de notícias, como transeunte, como vizinho de pessoas que acolheram refugiados. Analisa o contexto jurídico e olha o passado. Planifica algumas perguntas como: quem são estas pessoas que vêm? Qual é a sua cultura? Como é sua socialização  e qual formação possuem? Como podemos nos preparar para as mudanças que virão?

O Dr. Stefan Keznickl expõe uma ampla gama de reações, desde o “bem vindos refugiados” até “estrangeiros fora”. Não fala em primeiro lugar dos refugiados, cuja solicitação de asilo ele teve que se pronunciar, mas sim de encontros com homens e mulheres austríacos, que quando crianças, há mais de 60 anos, fugiram ou foram desalojados dos Sudetes, da Hungria, da Polônia e que lhe falam do ódio e da discriminação que encontraram, da dor que ainda segue viva. Quando por exemplo desaparecia algo no colégio, falavam: “foram os refugiados”. Quando iam fazer uma entrevista de emprego, então escutavam: “Não, não contratamos refugiados, pois só temos experiências negativas com eles…” Não precisa nem perguntar se alguém já escutou isso.

Quando se trata de “refugiados” brilha o medo e a discriminação. Só quando as pessoas se encontram com pessoas, aí tudo muda: os “refugiados” têm nome, cara, histórias e uma vida concreta. Falar dos refugiados afegãos, que dominam fluentemente vários idiomas, simplesmente por que não tem outra forma: em um país com diferentes etnias e porque estão especialmente dotados para isso. Mesmo quando muitos deles são analfabetos… Fala de um jovem feliz do Afeganistão que conseguiu se integrar, sendo bombeiro voluntário e nas festas, mais rapidamente do que qualquer medida de integração pudesse imaginar. Fala também de pessoas traumatizadas, que viram e viveram coisas que não se pode imaginar.

Ele conta que as pessoas fogem porque querem salvar sua vida ou ascender economicamente, sair da miséria, da falta de um teto, do desemprego e dos meios básicos de sobrevivência. “Nada os detém”, diz. Trazem consigo uma energia, querem empreender algo. Quem caminhou a pé por muitos kilômetros traz consigo vivências, essa pessoa quer e pode mover algo.

Mas, e as brigas nos alojamentos coletivos? Diz um. Certo.mas, que bobeiras não fariam 100 homens jovens alemães se não pudessem trabalhar, não pudessem sair por aí e  tivessem que ficar fechados juntos? Pergunta um jovem empresário. O grande problema é que os que solicitam asilo não estão autorizados a trabalhar.

Um artigo de schoenstatt.org sobre a conferência de Stefan Keznickl na Áustria fez surgir a ideia na Juventude Masculina do Chile de ver se há refugiados por lá e organizar com eles partidas de futebol. Pode ser que seja simples assim.

Uma senhora da Áustria vai correr com cinco afegãos uma vez por semana, conta Dr. Keznickl. Outros se juntam para cozinhar.

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Temos que renovar o mundo

O Dr. Stefan Keznickl reuniu textos do Padre Kentenich sobre o tema. Sobre as vozes do tempo, sobre a missão universal de Schoenstatt, sobre a deseuropeização da Igreja, sobre a renovação do mundo.

O Padre Kentenich e os refugiados da Siria e Afeganistão? Não, mas sim de alemães que viviam como refugiados nos EUA. Ele era seu assessor espiritual. E com eles celebrava a Missa no seu idioma materno, redata uma revista titulada “Sons da Pátria” e lhes aconselha a “entregar à América o melhor de sua antiga pátria”. “ E nós pretendemos exigir que os sírios e eritreus só falem alemão em sua casa”, ironiza alguém.

O Padre Kentenich disse algo sobre as migrações dos povos? Como atuaria hoje São Paulo?

Não se trata de uma voz do tempo, diz Stefan Keznickl. Através dos refugiados Deus não está falando e sim, gritando.E está gritando a um Schoenstatt que quer e tem que abandonar sua zona de conforto, um Schoenstatt “em saída”, que está chamado a renovar o mundo. “ Se chegamos ao céu sem ter renovado o mundo, então o Padre Kentenich não nos conhecerá”, diz provocativamente Keznickl.

Em Memhoelz não deram receitas. Mas sim, aquilo que disse o Padre Kentenich há 100 anos ao “grupinho pequeno”

Nós, os congragados, todos juntos (um grupinho pequeno em comparação com os apóstolos do ateísmo e da impiedade) podemos fazer algo como instrumentos nas mãos de nossa Mãezinha do Céu. Assim será, sempre e quando comprometamos todas nossas forças no lugar onde estejamos e procuremos, mediante um esforço organizado, alcançar metas comuns, que o bem gere continuamente o bem,apesar de todas as dificuldades que se apresentem.”


Original: alemão: Tradução; Isabel Schmid Lombardi, Guarapuava, Brasil

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