H3M

Posted On 2021-06-13 In Vida em Aliança

E voltou atrás para me agradecer

H3M (Histórias de três minutos), Miguel Àngel Rubio, Espanha •

Uma manhã como qualquer outra. Estou no meu trabalho, num escritório bancário ao serviço do público. O escritório está localizado numa cidade a sul de Madrid, no que poderia ser definido como a periferia no seu estado mais puro. —

É o lar de imigrantes de todo o mundo que vieram em busca de um futuro melhor no Ocidente. 80% da população é estrangeira: Marroquinos, subsaarianos, também pessoas da Europa de Leste (polacos, romenos, búlgaros, ucranianos…), da América do Sul (Colômbia, Equador, Peru…) e chineses, muitos chineses. A maioria deles mal consegue falar a língua. Eles sabem que são estrangeiros num ambiente que, é frequentemente hostil e sentem-se inseguros. Para eles, ter uma conta bancária é essencial; sabem que sem ela não têm acesso a um emprego ou a ajuda oficial; mesmo para obterem a sua autorização de residência como estrangeiros.

Há muitas pessoas à espera da sua vez numa fila que até sai para a rua. Fazem-no com paciência, melhor ou pior disfarçada, e quase todos com um rosto de poucos amigos. Cada um vem para resolver o seu problema.

É possível resolver este problema?

Não sei quantas pessoas já passaram hoje pela minha mesa. Uma, outra e outra… Próxima volta: uma mulher de uma certa idade e um homem mais jovem, com características inconfundivelmente andinas, aproximam-se. Muito humildes, param em frente da minha mesa.

  • Bom dia, em que posso ajudá-lo?
  • Bom dia, senhor. Olha, a caderneta bancária da minha mãe não funciona e ela não pode levantar dinheiro nas caixas automáticas. É possível resolver este problema?
  • Claro que sim. Sente-se, por favor. Por favor, minha senhora, pode dar-me a sua caderneta? Vou fazer-lhe uma nova de imediato e tudo estará resolvido.

Pego numa nova caderneta, actualizo-a na impressora e pronto. Isto foi muito simples. No entanto, percebi que para eles era uma dificuldade quase intransponível.

  • Muito obrigado, senhor – dizem-me eles -. Tomou muito bem conta de nós e estamos-lhe muito gratos.
  • Foi um prazer e foi muito fácil. Qualquer problema, venha e diga-me. Tenham um bom dia.

“É a primeira vez que alguém chama à minha mãe senhora”

Digo-lhes adeus, aperto-lhes a mão e espero pelo próximo cliente enquanto os observo a afastarem-se em direcção à porta. De repente, noto que param no limiar, falam um com o outro e o filho diz à mãe para esperar ali. Vejo-o refazer os seus passos e voltar à minha mesa. O que é que ele esqueceu? Porque é que está a voltar sozinho? Tenho a certeza que ele tem um problema maior.

  • Desculpe, senhor.
  • Diga-me, há mais alguma coisa de que precise?
  • Não, senhor. Queria apenas agradecer-lhe.
  • …?
  • Sim, senhor. Não só resolveu o nosso problema, como nos tratou muito bem.
  • Muito obrigado, mas eu não fiz nada de especial.
  • Sim, senhor. Foi muito atencioso. É a primeira vez que alguém chama à minha mãe, senhora. Deus o abençoe.

E foi-se embora. O seu rosto reflectia a alegria daquele que tinha recebido muito mais do que o esperado e não quantificável de uma forma monetária.

Dignidade

Em quase quarenta anos de profissão, nunca ninguém tinha voltado atrás para me agradecer tanto por tão pouco. Aquela mulher e o seu filho sentiram que tinham recuperado a sua dignidade como pessoas, simplesmente porque eu a tinha tratado como ela era: uma senhora. Mas o mais surpreendente não foi o tratamento, mas o facto de terem voltado atrás para me agradecer expressamente por isso. Nesse dia, recebi muito mais do que o meu salário.

Original: espanhol (11/6/2021). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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