Posted On 2018-08-29 In Vida em Aliança

Com a inteligência enobrecedora, José Kentenich também se adiantou ao seu tempo

ARGENTINA, Carlos E. Barrio y Lipperheide

No mundo do trabalho actual exige-se-nos muito, vivemos com stress e muitas crises. Como encontrar uma resposta que nos permita viver mais equilibrados, motivados e entusiasmados no nosso trabalho? Muito tempo antes de que se falasse de inteligência emocional, José Kentenich propôs “a inteligência enobrecedora”.—

No mundo do trabalho actual exige-se-nos muito de forma permanente em diferentes aspectos. Vivemos de crise em crise, sem solução de continuidade e parece que a paz e o equilíbrio interiores são um estado ideal inalcançável.

O Inquérito Social Geral dos Estados Unidos da América do ano de 2016, (1) detetou que 50% dos inquiridos estão, continuamente, exaustos devido ao trabalho, em contraste com os 18% de há duas décadas (1996).

Este cansaço contínuo é um sintoma do que está a acontecer no mundo do trabalho, cada vez mais tecnológico, líquido, sem vínculos sólidos e estáveis, no qual a pessoa não é valorizada, como tal, e passou a ser considerada como uma peça substituível, no melhor dos casos por outra pessoa.

A cultura do estar “sempre ligado”

A tudo isto há que acrescentar o permanente estado de conexão com o trabalho através dos diversos sistemas de comunicação em que vivemos imersos. A Drª Christine Grant, especialista em Psicologia Laboral da Universidade de Conventry, disse à BBC que “os impactos negativos desta cultura do estar “sempre ligado” é que a mente nunca descansa, não dá tempo ao corpo para se recuperar, de modo que, se está sempre stressado” (2). Toda esta situação gera nas pessoas um forte estado de insegurança, medo e esgotamento.

Por outro lado, diferentemente do mundo do trabalho de que eu fiz parte, hoje em dia, é cada vez menos habitual ter um trabalho estável numa organização e, menos ainda, sob relação de dependência.

Assim, fala-se hoje de uma nova classe social global que está a emergir. São os “precários”, “pessoas que têm múltiplos trabalhos e ainda assim o dinheiro não lhes chega ao fim do mês…É a primeira classe da história que tem mais nível educativo em relação ao trabalho remunerado que lhes é oferecido. É a primeira classe sobre-qualificada. E, isto cria frustração” (3). Como superar esta situação? Como encontrar uma resposta que nos permita viver mais equilibrados, motivados e entusiasmados nos nossos trabalhos?

Liderança e inteligência emocional

Uma resposta que tem cada vez mais força é a contribuição realizada pela chamada inteligência emocional. Ela outorga-nos ferramentas para vivermos menos stressados e mais equilibrados.

O psicólogo norte-americano Daniel Goleman – um dos principais difusores da inteligência emocional – assinala a importância que foi assumindo a inteligência emocional como caminho para melhorar a forma de nos relacionarmos. Diz no seu livro “Como ser um líder?” (4) que o presidente da China disse a uma classe de pós-graduação na principal escola de tecnologia, que “O que precisam agora é de inteligência emocional”. Segundo Goleman é preciso desenvolver 5 aptidões que conformam a inteligência emocional:

  • Conhecimento de si próprio
  • Autodomínio
  • Motivação
  • Empatia
  • Habilidade social

Disse Goleman que “”Os primeiros componentes da inteligência emocional são capacidades de auto-controlo. As duas últimas, a empatia e a habilidade social, têm que ver com a capacidade de uma pessoa para manobrar as suas relações com os outros”. (5) Do que fica dito deduz-se que a inteligência emocional é uma capacidade que, a partir de um auto-conhecimento das emoções, nos permite encontrar o caminho para as gerir através do nosso auto-controlo, para depois, nos podermos relacionar usando as capacidades sociais de empatia e de habilidade social. Os estudos mais recentes de management dizem que a inteligência emocional é um requisito imprescindível para se ser um líder com sucesso.

Muito antes, José Kentenich propôs a inteligência enobrecedora

Contudo, considero que a inteligência emocional, por si só, não nos vai dar o sentido (o porquê) do que fazemos todos os dias e, de alguma forma, vai deixar-nos às portas de uma mudança integral e profunda.

É, precisamente, a inteligência enobrecedora (6) a que vem encher o vazio existencial e dar plenitude às nossas vidas. Daí, a sua grande importância! Mas, o que é a inteligência enobrecedora? Em que se diferencia da inteligência emocional?

José Kentenich, Fundador do Movimento de Schoenstatt, define-a como: “…um enobrecimento lúcido e eficaz da nossa paixão dominante ao serviço da nossa originalidade” (7). Isto é, baseia-se no processo de auto-conhecimento, tanto da paixão dominante, como das limitações psicológicas, orientadas para o desenvolvimento pleno da nossa originalidade.

Três passos para a alcançar

A inteligência enobrecedora é levada a cabo através dos seguintes passos:

  1. Descoberta da nossa própria originalidade (missão): o primeiro passo é descobrir a nossa própria originalidade, a que se pode enunciar numa missão concreta para a plasmar na vida de todos os dias. Isto requer começar por um exercício de auto-conhecimento, orientado para descobrir aquilo que nos caracteriza. Todos somos originais e únicos. O desafio é pararmos e descobrirmos. Diz Kentenich que a nossa originalidade “…é uma pequena verdade que o indivíduo experimentou pessoal e experiencialmente” (8)

 

 

  1. Consciência das nossas dificuldades existenciais: O segundo passo é também de auto-conhecimento, mas orientado para nos tornarmos conscientes das nossas sombras e dificuldades existenciais (incluindo nelas as nossas limitações psicológicas) que, no concreto da vida, nos dificultam o plasmar dos nossos projectos e desejos, apesar de termos capacidades para o fazer. Para que o processo seja frutuoso devemos fazer um contacto vital-experiencial – entre a nossa originalidade e as dificuldades existenciais diárias para levarmos a cabo a nossa missão.

 

Kentenich chama-nos a conhecer a nossa tendência particular – que identifica com a nossa paixão dominante – para que, a partir dela, possamos aperfeiçoar-nos. Diz que: …através da (inteligência enobrecedora) é preciso captar, enobrecer, aperfeiçoar a tendência fundamental da nossa natureza. Esta tendência ecoa da maneira mais forte na nossa paixão dominante. A (inteligência enobrecedora) adquire a sua máxima beleza e finura quando se tornou inconsciente” (9)

 

  1. Uso da inteligência enobrecedora: O terceiro passo é melhorar as nossas dificuldades existenciais como caminho concreto para alcançar a nossa própria originalidade (missão). Com esse fim, o uso da inteligência enobrecedora levar-nos-á a enaltecer as nossas limitações psicológicas e a dirigir os nossos esforços para as superar em prol da realização da nossa missão (nossa originalidade).

Kentenich indica que “o objecto de (a inteligência enobrecedora) deve estar incorporado experiencialmente na minha vida (…) devo procurar por mim mesmo a associação entre o objecto de (a inteligência enobrecedora) e a minha originalidade. (10). Entre ambas deve estabelecer-se um contacto vivo. Se omitimos isto, o objecto da nossa (inteligência enobrecedora) não será nenhuma realidade experiencial de alcance mais profundo, o saber não se tornará saber experiência (…) Em cujo caso, não será capaz de impregnar…de valor, em relação com o acrescentado complexo de valores da minha originalidade” (11) Este terceiro passo levar-nos-á a viver cada dia, mais plenamente, a nossa originalidade (missão).Agir em todas aquelas áreas nas quais encontramos as nossas limitações humanas para procurar superá-las mas, com o olhar posto em nos aproximarmos do viver, cada dia, mais plenamente a nossa originalidade (missão).

Porque falamos de enobrecer?

Porque o olhar desta inteligência aponta para tomarmos as nossas limitações como caminho e oportunidade para irmos crescendo nas nossas capacidades, para nos aproximarmos da realização da nossa missão. Trata-se de abraçarmos as nossas incapacidades com ternura e vê-las como um caminho de amor para nós próprios que, nos abra as portas para nos aproximarmos da nossa missão na vida.

Devemos ser conscientes que, se não desentranharmos, seriamente, a nossa originalidade (missão como tarefa) não poderemos integrar a inteligência enobrecedora. Ambas se correspondem e complementam.

Não se trata apenas de ter um auto-controlo das emoções para melhorarmos as nossas relações sociais com os outros – como assinala a inteligência emocional – mas que, o conhecimento experiencial das nossas emoções e limitações psicológicas aponte ao enobrecer da nossa natureza com o fim de plasmarmos no concreto a nossa própria originalidade.

Plasmar a nossa originalidade na vida concreta

No âmbito laboral é muito valioso ter presente a inteligência enobrecedora, para melhorar a forma de nos relacionarmos com os outros e ver como reagimos. Isso, permitir-nos-á tomar consciência de, como transferimos muitas vezes para os outros as nossas dificuldades para nos relacionarmos, afectando o trabalho em equipa e a produtividade.

A inteligência enobrecedora ajudar-nos-á a avançar e a darmos um sentido aos nossos obstáculos e limitações e a dirigirmos os nossos esforços para a plasmação da nossa originalidade no concreto da vida.

O caminho é o enraizamento na nossa originalidade para que se afiance como rocha na vida quotidiana, apontando a convertê-la na “…respiração original da alma…e o ponto de descanso ao qual regressar quando o nosso trabalho assim o permita” (12) Desta forma, poderemos alcançar uma vida mais plena que dê sentido e alegria aos nossos afazeres quotidianos

 (1) É um inquérito nacional que desde 1972 tem seguido as atitudes e os comportamentos da sociedade norte-americana
(2) https://www.bbc.com/mundo/noticias/2014/08/140815_estres_telefonos_inteligentes_hr
(3) Alejandro Melamed. “O futuro do trabalho e o trabalho do futuro” Editora Planeta (2017), pág. 33 e 34.
(4) Daniel Goleman. “Como ser um líder”. Edições B (2015), pág. 29.
(5) Daniel Goleman. “Como ser um líder”. Edições B (2015), pág. 29.
(6) O termo Inteligência Enobrecedora surge do pensamento de José Kentenich, Fundador do Movimento de Schoenstatt que, a desenvolve em várias das suas dissertações sob o nome de “Exame Particular”. Considerei mais conveniente do ponto de vista de uma compreensão pedagógica denominar este termo como Inteligência Enobrecedora para poder fazer uma comparação com a Inteligência Emocional desenvolvida por Daniel Goleman.
(7) José Kentenich. “O Homem Heroico”. Editora Patris (2002), pág. 261.
(8) José Kentenich. “O homem Heroico”. Editora Patris (2002), pág. 118.
(9) José Kentenich. “O Homem Heroico”. Editora Patris (2002), pág. 262.
(10) José Kentenich denominava também a originalidade como Ideal Pessoal
(11) José Kentenich. “O Homem Heroico”. Editora Patris (2002), pág. 265 e ss.
(12) José Kentenich. “O homem Heroico”. Editora Patris (2002), pág. 124.

Fotos: www.cathopic.com

 

Original: espanhol (12/8/2018). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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