PÁSCOA 2020 EM TEMPOS DE CORONAVÍRUS, Paz Leiva •
Na sexta-feira, durante a Via-Sacra, os nossos corações gelaram. E não era para menos. O Senhor tinha sido crucificado. Era uma noite nublada e escura. Ainda esmagados pela celebração do Ofício, preparámos a vela e “fomos a Roma”.—
Sexta-feira Santa na Praça de São Pedro e a vela que não se apaga
A Praça de São Pedro estava vazia, só o Santo Padre; algumas velas marcavam o caminho para sete pessoas, que se revezavam carregando a cruz, acompanhadas por quatro portadores de archotes.
Catorze estações e, depois de cada uma, um testemunho. Não falaram da pandemia nem do nosso confinamento, foram muito mais longe: no fundo do nosso coração, nas nossas prisões, no mal que fazemos, nos danos que deixamos, nas feridas que nos restam, na dor que causámos e na dor que recebemos. Quem mais, visitou menos a sua prisão? Doloroso, muito doloroso…
Terminei o dia pensando numa coisa que estudei, mas que nunca experimentei: a arte da escuridão. Foi utilizado um candelabro triangular de quinze velas de cera branca. Cada vela representava uma personagem, entre eles os doze apóstolos e a Virgem Maria. Os salmos foram recitados, nove na oração das Matinas e cinco nas Laudes. Depois de cada salmo, uma vela foi apagada, começando pelas que se seguem. A décima quinta vela, a mais alta, não se apagou, mas continuou a ser acesa até ao dia seguinte. Essa vela representa Nossa Senhora. A Sua esperança nunca se extinguiu. Nem mesmo naquela Sexta-feira Santa, quando o céu escureceu. Ela velou e vela em 2020.
Santo Padre, por que não apaga as luzes?
Nesta estranha Semana Santa que estamos a viver, ontem à noite – Sábado Santo – “regressámos” a Roma para acompanhar o Papa Francisco durante a Vigília Pascal.
Devo dizer que, nos últimos cinquenta anos, assisti a algumas Vigílias da Páscoa longe do Santuário de Pozuelo. Tenho bem no fundo a escuridão com que se começa e a sensação esperançosa de que tudo se acende a partir do Círio Pascal. A escuridão do Sábado Santo não congela o coração, aquece-o para o que está para vir.
Ontem à noite, não me senti bem no Vaticano. Sobrou luz. No início da Vigília sobrou luz e não foi uma necessidade técnica para a emissão. Na sexta-feira estava escuro na praça e tudo parecia muito bem.
Deixei a minha imaginação correr à solta: “Santo Padre, por que não apaga as luzes? Esta igreja é muito grande, grandiosa, espectacular. E está vazia. Dezasseis pessoas aqui naquele grande, grandioso e espectacular chão de mármores de cores impossíveis, são como pequenos pontos. Está tudo fora da escala humana, porque está vazio e há muita luz. Não vamos ver o que é importante. Tanta luz deslumbra para ver o Círio. Porque não nos recebeu em Santa Marta? É a sua casa e o senhor também lá está confinado. Ali, essas dezasseis pessoas encheriam o espaço com a sua presença. Sei que Pedro está aqui, mas onde quer que estejais, Papa Francisco, haverá sempre Pedro. E esta Páscoa é estranha, como tudo o que estamos a viver. E esses cânticos… não há ninguém que os siga; eu frequentei uma escola secular e não tenho bases. E aqui, na Páscoa, cantamos com a guitarra alto e bom som. Desculpe, vou prestar, de novo, atenção, porque vai fazer a Homilia”.
E agora vamos para a Galileia.
E foi então que comecei a celebrar a Páscoa: “Nesta noite conquistamos um direito fundamental, que não nos será tirado: o direito à esperança; uma esperança nova e viva, que vem de Deus”. Não é um mero optimismo, não é uma palmadinha nas costas ou algumas palavras de encorajamento de circunstância, é um presente do Céu, que não poderíamos alcançar por nós próprios…”.
Obrigado, Santo Padre, vá e descanse. O senhor carrega muito peso. Continuamos a rezar por si.
Cantámos o “Regina coeli” pela primeira vez em 2020. O meu coração tinha aquecido. E agora vamos para a Galileia.
Feliz Páscoa da Ressurreição!
Num ano estranho de uma época estranha, a nossa época.
Original: espanhol (12/4/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal