Galilea

Posted On 2020-04-25 In A Aliança de Amor Solidaria em tempos de coronavírus

Os empresários, poetas sociais e criadores de riqueza em meio do Covid 19

ARGENTINA, Carlos Barrio y Lipperheide •

Em 12 de Abril passado, o Papa Francisco divulgou uma carta que escreveu aos Movimentos e organizações sociais na Argentina, felicitando-os pelo seu árduo trabalho. Nela diz: “Se a luta contra o COVID é uma guerra, vocês são um verdadeiro exército invisível que luta nas trincheiras mais perigosas”. Um exército sem outras armas além da solidariedade, da esperança e de um sentido de comunidade que está a crescer nestes dias em que ninguém  se salva sozinho. São para mim, como vos disse nas nossas reuniões, verdadeiros poetas sociais, que, das periferias esquecidas, criam soluções dignas para os problemas mais prementes dos excluídos”. —

Noutra parte da sua carta diz: “Vocês, trabalhadores informais, independentes ou da economia popular, não têm um salário estável para resistir a este momento… e as quarentenas estão a tornar-se insuportáveis para vocês. Talvez seja tempo de pensar num salário universal que reconheça e dignifique as tarefas nobres e insubstituíveis que se realizam; um salário capaz de garantir e realizar esse slogan muito humano e muito cristão: nenhum trabalhador sem direitos”.

Considero o pedido do Papa de pagar aos assistentes sociais, um salário, muito desafiador e digno de louvor. Mas não posso deixar de me interrogar, enquanto empresário, numa altura de forte declínio da actividade económica e das receitas fiscais, de onde viriam os recursos para pagar estas despesas? Creio que só as empresas poderão criar a riqueza necessária para pagar estes salários de solidariedade.

Ninguém se salva sozinho

Sinto-me muito identificado com o Papa quando nos diz que “ninguém se salva sozinho“. A sua visão é orgânica e não exclusiva. Portanto, penso que também poderíamos aplicar aos empresários a frase em que o Papa diz, referindo-se àqueles que trabalham em Movimentos Sociais, que “… das periferias esquecidas criam soluções dignas para os problemas mais prementes dos excluídos”.

Vem-me à mente a enorme contribuição que Bill Gates está a dar na tentativa de encontrar uma vacina contra o Covid-19. Sem dúvida, Gates não esquece as periferias e procura criar soluções dignas para os problemas mais prementes dos excluídos.

Atrevo-me a dizer que seria um acto de justiça chamar também aos empresários “poetas sociais”. Infelizmente, muitos deles não gozam hoje de boa imprensa, mas seria injusto esquecer tudo o que fazem e fizeram de uma forma criativa, para o bem-estar do Homem. Quantos sonhos foram tornados possíveis pelas empresas! A lista seria interminável.

Dar novo significado ao sentido da riqueza

Enrique Shaw

Lembro-me da luz que nos trouxe o empresário e servo de Deus católico Enrique Shaw, que com a sua vida e pensamento nos deixou um caminho para percorrer e unir os “poetas sociais”, ou seja, os Movimentos sociais com os empresários. Shaw disse: “A riqueza não pode ser suficientemente multiplicada se nós, homens, não estivermos de acordo e não agirmos solidariamente” [1] Por conseguinte, a acção de solidariedade de todos os Homens de boa vontade, incluindo os empresários e os que trabalham nos Movimentos sociais, será a saída para esta crise.

Enrique Shaw revalorizou o significado que damos à riqueza, resignando-a e retirando-a de uma certa conotação negativa que ela tem para muitas pessoas. Creio que a riqueza é a ponte que permitirá que os pobres saiam da pobreza e que as empresas possam progredir.

Gerar riqueza honestamente é um acto admirável, que exige, como condição prévia, que nos unamos e trabalhemos em equipa em busca de uma realização. É o resultado de uma acção criativa levada a cabo por uma equipa coordenada, ou seja, por uma empresa.  As empresas, disse Shaw, “devem criar riqueza… aumentar a vitalidade económica” [2] “Queremos conquistar tudo, queremos enriquecer tudo, mas não para satisfazermos qualquer desejo de domínio, mas para termos  mais para oferecer a Deus[3]

A matéria, o Homem e o acto criador

Nessa mesma linha, tinha um olhar surpreendente sobre o assunto, resgatando-o da conotação mesquinha e egoísta em que foi colocado tantas vezes, como se fosse algo inferior e humilhante. Muito frequentemente, esquecemo-nos de que o Homem é espírito e matéria.

Shaw ajuda-nos a aprofundar e a redescobrir o seu valor, dizendo-nos: “Os bens criados… têm o valor da eternidade e, além disso, a matéria será um dia colocada num estado capaz de dar expressão não só ao espírito humano mas também ao espírito divino, sendo este último o que lhe dará a sua máxima dignidade e beleza”[4].

Esta matéria, transformada pela gestão empresarial, é a que nos permitirá gerar bens e serviços a favor dos Homens, produzindo riquezas e atenuando o mal da pobreza.

Será sobre a matéria onde o trabalho desempenhará a sua tarefa e permitirá ao Homem – como nos disse José Kentenich – “…participar de todo o coração na actividade criadora e na vontade de doação de si mesmo própria de Deus[5]. Tenhamos presente: “No trabalho subjaz tanta felicidade e bem-aventurança, desconhecidas daquele que o considera apenas, ou maioritariamente, como uma mera ocasião de ganhar o pão… Quanto mais oportunidades o trabalho me der para me envolver de forma criativa e generosa, mais felicidade me dará… Manterá a saúde e a frescura do nosso corpo e da nossa alma… Desenvolverá o núcleo da personalidade, despertando e aprofundando uma autoconsciência saudável” [6].

É evidente que a riqueza e a matéria não devem conduzir-nos a um egoísmo excessivo e à sua acumulação, em detrimento dos mais fracos. O Papa recorda-nos que não devemos fomentar uma cultura de descarte e indiferença: “Hoje temos de dizer não a uma economia de exclusão e desigualdade”[7] Por isso, o caminho a seguir é o de unir todos os “poetas sociais” na busca do bem comum.

Encontrar novas formas de dar de comer

Convido-vos a reler, em sintonia empresarial, a passagem do Evangelho em que Jesus apela aos seus discípulos antes da multiplicação dos pães e peixes, pedindo-lhes que “…lhe dêem algo de comer” (Lc 9,13). Que desafio para um homem de negócios, dar algo de comer a partir da escassez!

Hoje, devido aos efeitos devastadores da pandemia do COVID-19, encontramo-nos numa situação semelhante à dos apóstolos, a quem Jesus pediu para alimentar 5.000 homens com 5 pães e 2 peixes!

Este pedido de Jesus desafia-me a procurar novas formas de dar de comer, uma vez que não há bens para distribuir. Temos de apelar a todo o nosso engenho e invenção para gerarmos riqueza, num contexto de isolamento social e pobreza, que altera as regras de produção e nos pede para descobrirmos novas formas de “produzir” e dar de comer.

Um grande exemplo onde nos inspirarmos é o empresário e “poeta social” paraguaio, Juan Ramirez, de Ciudad del Este, Paraguai.

A sua “poesia social empresarial” criativa entusiasma-me, quando nos diz: “Face à medida do isolamento total no Paraguai (a circulação de veículos é proibida, com algumas excepções), muitos trabalhadores foram despedidos. Sentimos que tínhamos de nos reinventar. Com a minha filha começámos há vinte dias  um novo projecto , algo totalmente diferente da nossa linha de trabalho habitual (distribuição de produtos informáticos).

Decidimos iniciar a produção nacional, com matérias-primas locais para máscaras / viseiras e aventais médicos, com protetores de cabeça e calçado para hospitais. Assim, criámos empregos para cem costureiros que estavam sem nada para fazer e reactivámos duas fábricas de roupas para exportação (de terceiros) que foram encerradas pelas medidas de isolamento no Paraguai.”

Ciudad del Este, Paraguai: distribuindo alimentos

Sermos criativos e solidários com a necessidade

Mas por trás da sua poesia empreendedora surge em perfeita união e harmonia a sua “poesia social”. Ele explica: “Por meio da nossa liderança empresarial, também realizámos uma grande campanha de solidariedade para ajudar sectores vulneráveis ​​da cidade. Felizmente, os associados da nossa Câmara de Comércio e Serviços, sem hesitarem por um minuto, puseram as pilhas “as baterias” e, no total, estamos a distribuir mais de 10.000 cestas de alimentos não perecíveis para famílias carentes.

Também estamos a activar o Paraná Country Club, de onde doaremos inicialmente 1000 kits de alimentos para famílias vulneráveis ​​na nossa região. O objectivo é coletar 5.000 cestas.

Juntamente com a Câmara de Comércio, doaremos 1000 kits alimentares às paróquias, para que os padres distribuam às famílias mais necessitadas.

No total, já conseguimos reunir 15.000 kits de alimentos na Câmara de Comércio.

Hoje vamos doar, ao presidente da câmara de Ciudad del Este, 1000 pacotes de leite e 3.000 quilos de soja para produzir leite de soja

A nossa missão é ajudar sectores vulneráveis ​​da população afectada pelo encerramento das actividades de trabalho no microcentro. Apoiando a decisão do governo nacional, não podemos esquecer que existem famílias que dependem do seu salário diário e que hoje estão impedidas de o fazer. Juntos, unidos, devemos superar esta grande crise de saúde”.

Depois de ler esta notícia em www.schoenstatt.org, comuniquei directamente com Juan e ele contou-me mais facetas da sua “poesia social”: “Oferecemos um produto nacional de alta qualidade a um preço justo e sem especulação de mercado, ao contrário de muitos  que se aproveitam da situação e da escassez de produtos. Sentimos que estamos a contribuir para o país. E tudo isto vem do coração e com boas intenções. Fazemo-lo em nome de Deus, pois sentimos que fomos iluminados por Ele nesta obra. Que poeta social! por um lado, reinventando-se como empresa em situações de crise, gerando trabalho através de uma nova actividade comercial, e por outro, realizando uma acção de solidariedade muito concreta, para alimentar a necessidade urgente e inevitável de tantas famílias necessitadas por causa do COVID-19.

Sejamos “poetas sociais”, seguindo o exemplo de Juan Ramírez, sabendo que o Papa nos inclui e nos encoraja na sua citada carta, considerando-nos também “…construtores indispensáveis dessa mudança que não pode ser adiada; de facto, vocês têm uma voz autorizada para dar testemunho de que isso é possível” [1].

[1] Enrique Shaw. “… Y dominad la tierra”. Editorial ACDE (2010), pág. 142. Conferencia pronunciada por Enrique Shaw en la Reunión Nacional de Dirigentes Hombres de Acción Católica (Buenos Aires, 4 de marzo de 1962).
[2] Enrique Shaw. “… Y dominad la tierra”. Editorial ACDE (2010), pág. 73. Conferencia “Eucaristía y vida empresaria”, pronunciada por Enrique Shaw en el VI Congreso Eucarístico Nacional (Córdoba, 9 de octubre der 1959).
[3] Enrique Shaw. “… Y dominad la tierra”. Editorial ACDE (2010), pág. 134. Conferencia pronunciada por Enrique Shaw en la Reunión Nacional de Dirigentes Hombres de Acción Católica (Buenos Aires, 4 de marzo de 1962).
[4] Enrique Shaw. “… Y dominad la tierra”. Editorial ACDE (2010), pág. 139. Conferencia pronunciada por Enrique Shaw en la Reunión Nacional de Dirigentes Hombres de Acción Católica (Buenos Aires, 4 de marzo de 1962).
[5] José Kentenich. Carta de Octubre, 1948. Conf. “El pensamiento social del P. José Kentenich”. Ed. Nueva Patris (octubre 2010), pág. 103.
[6] José Kentenich. “Epístola Perlonga, 1949”. Conf. “El pensamiento social del P. José Kentenich.” Ed. Nueva Patris (2010), pág. 146.
[7] Papa Francisco. “Evangelii Gaudium”, nro. 53.
[8] Papa Francisco. Carta del 12 de abril de 2020 a los a los movimientos y organizaciones sociales de Argentina.

Material não exclusivo, publicado aqui com autorização do autor

Original: espanhol (19/4/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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