Posted On 2014-02-09 In José Kentenich

Cem anos de caminho, um olhar sobre Schoenstatt

ESPANHA, org. “Neste ano jubilar, um olhar sobre Schoenstatt. Sobre a origem, sobre as fontes que o fizeram surgir do mais profundo da alma do Padre Kentenich e a pergunta de como vivê-lo hoje em nós”. Com estas palavras, o Pe. Carlos Padilla, Diretor do Movimento de Schoenstatt em Espanha, apresenta uma reflexão que schoenstatt.org oferece para difundir, destacando a inquietação por trás desta reflexão: “Cumprir cem anos é uma ocasião para que cada um se interrogue como é o Schoenstatt que está a viver. Talvez o passar dos anos enchesse de pó os velhos sonhos e anseios. É jovem este Schoenstatt que vivemos? É um Schoenstatt alegre que penetra todas as esferas da nossa vida?”. São perguntas na linha da Conferência 2014, da qual participou e cuja mensagem cumpre cinco anos no dia 7 de fevereiro.

Seguem os temas chave que o Padre Carlos Padilla aborda na reflexão:

Ponto de partida: Como se funda de novo Schoenstatt quando cumprimos um século de história?

“Queremos fundar Schoenstatt de novo seguindo o lema que acompanhou a celebração dos cinquenta anos de história: “Fiel à origem, fundar de novo”. Queremos fazê-lo voltando à origem, ao começo da nossa história de Aliança, às raízes, ao fundamental, ao mais simples e puro que estava no germe desde o início. Fundar de novo respeitando os princípios, as bases que deram origem à primeira aliança. Sendo fiéis ao P. Kentenich, ao que Deus fez nele. Por isso, não querendo abranger tudo, vou mencionar algumas intuições, vias de reflexão, perguntas abertas, um olhar sobre a vida que nos permita pensar no que significa para cada um o facto de Schoenstatt cumprir os seus cem anos de história…”

Primeira reflexão: um olhar sobre o nosso Pai Fundador

“Não se pode entender Schoenstatt sem o Pe. Kentenich. É que Schoenstatt nasce do seu coração de Pai e profeta. Brota da sua história pessoal, surge na sua alma. Ele viveu na sua carne como Maria era capaz de sarar e modelar um homem novo a partir do barro. Não a partir de receitas ou de uma ascética programada, mas a partir da vida de cada um, da história pessoal, assim atua Deus. Foi assim que fez com o Pe. Kentenich e com ele tudo começou. Deus irrompe na história e serve-se de um instrumento predileto, de um homem com capacidades e defeitos. Um homem todo de Deus, apaixonado por Cristo, apaixonado por Maria. Um homem ferido desde o berço. A força curadora do amor acabou por sará-lo. Mas a sua ferida foi sempre fonte de vida e caminho de santidade. Causa da sua dor e motivo para a esperança. Que importantes são as nossas feridas!…”

Segunda reflexão: um olhar sobre o caminho feito pela mão de Deus

“Deus usou as suas carências. Assim chegou ao coração do Pai. A sua ferida foi uma porta de entrada. Estava só, ninguém influenciou a sua educação. Sem vínculos. Muito intelectual, sem a sua ferida talvez nunca tivesse entrado Maria. Deus molda-se a cada um e com cada um tem um caminho pessoal. Diz muito de como é Schoenstatt. De dentro para fora. Da vida para a teoria. Colaborando Deus e nós no plano da salvação. O pai chegou à aliança de amor com Maria através dessa ferida que marcou a sua alma, através da alma dos rapazes, através de um cargo como diretor espiritual ao qual chega pela Divina Providência, através de muitas portas fechadas e outras abertas.e llega por la Divina Providencia, a través de muchas puertas cerradas y otras abiertas…”

Terceira reflexão: um olhar sobre o nosso caminho de santidade

“O caminho humano é o que nos leva ao mais profundo do coração de Deus. O amor humano aproxima-nos do amor de Deus. O humano, o unirmo-nos a pessoas com as quais caminhamos, o deixar-se tocar e tocar os outros, partilhar a vida, os sonhos, as feridas, faz parte da nossa originalidade. São estes vínculos humanos que permitem o vinculo com Deus. Fundar Schoenstatt de novo é aprender a vincularmo-nos com alegria e liberdade. Consiste em não deixar o humano procurando o divino. Queremos unir-nos, por amor. Esses vínculos humanos são os degraus que nos aproximam de Deus. Necessitamos uns dos outros, não caminhamos separados uns dos outros, caminhamos como família para Deus…”

Oferecemos aqui toda a reflexão em pdf (para imprimir e partilhar) e em Html


Pensando nestes cem anos de história da Aliança de Amor surge a pergunta fundamental: Como se funda de novo Schoenstatt ao cumprirmos um século de história? Queremos fundar Schoenstatt de novo seguindo o lema que acompanhou a celebração dos cinquenta anos de história: “Fiel à origem, fundar de novo”. Queremos fazê-lo voltando à origem, ao começo da nossa história de Aliança, às raízes, ao fundamental, ao mais simples e puro que estava no germe desde o início. Fundar de novo respeitando os princípios, as bases que deram origem à primeira aliança. Sendo fiéis ao P. Kentenich, ao que Deus fez nele. Por isso, não querendo abranger tudo, vou mencionar algumas intuições, vias de reflexão, perguntas abertas, um olhar sobre a vida que nos permita pensar no que significa para cada um o facto de Schoenstatt cumprir os seus cem anos de história. O Papa Francisco, quando era bispo Bergoglio, disse aos Movimentos: “Que triste é quando um movimento ou uma instituição adoece e em vez de serem pastores do povo, convertem-se em “tosquiadores de ovelhas” e passam o tempo todo em reuniões, maquilhando a alma! Cuidado! Cuidado com as elites. As elites fecham-se numa redoma, perdem o horizonte missionário, perdem o impulso, perdem a coragem. As instituições e movimentos têm que dar a herança. Perguntar-me-ão: ‘Padre, onde?’. Na rua, na rua. Ali onde se vive a vida da nossa cidade. Como bispo peço-lhes: Por favor, não guardem a herança na vitrine para ser mostrada às visitas. Levem-na à rua, busquem horizontes missionários, ‘trabalhem-na’ todos os dias, que esta herança, que tão gratuitamente recebemos, seja fermento desta cidade”. Estas palavras do Papa Francisco, ditas há algum tempo, têm hoje uma força especial. Sim, queremos tirar o nosso carisma da vitrine, não queremos viver a tosquiar ovelhas, não é a nossa missão. Queremos formar-nos para sair a dar o que recebemos. Queremos abrir as portas e oferecer à Igreja, ao mundo, essa herança que recebemos de forma gratuita. Estamos profundamente agradecidos pela nossa história, por toda a vida que surgiu da fonte do Santuário. Surpreendemo-nos sempre de novo. Deus é fiel, Maria é sempre fiel. Recebemos muitos dons e presentes e estamos alegres. Cumprir cem anos é uma ocasião para que cada um se pergunte como é o Schoenstatt que está a viver. Talvez a passagem dos anos enchesse de pó os velhos sonhos e anseios. É jovem esse Schoenstatt que vivemos? É um Schoenstatt alegre que penetra todas as esferas da nossa vida? Vivemos a radicalidade da aliança até às últimas consequências? Somos filhos fiéis em tudo o que o Pe. Kentenich nos deixou como legado? Esta reflexão ajudou-me a voltar à origem, a renovar-me no meu amor a Schoenstatt, a não ficar pela estrutura e formas. O Pe. Kentenich não quis fundar um movimento internacional. Simplesmente disse que sim a Deus e a Maria, e o resto veio por acréscimo. Assim é a vida em Deus, quando damos tudo sem guardar nada, Deus dá-nos o inesperado.

Primeira reflexão: um olhar sobre o nosso Pai Fundador

Não se pode entender Schoenstatt sem o Pe. Kentenich. É que Schoenstatt nasce do seu coração de Pai e profeta. Brota da sua história pessoal, surge na sua alma. Ele viveu na sua carne como Maria era capaz de sarar e modelar um homem novo a partir do barro. Não a partir de receitas ou de uma ascética programada, mas a partir da vida de cada um, da história pessoal, assim atua Deus. Foi assim que fez com o Pe. Kentenich e com ele tudo começou. Deus irrompe na história e serve-se de um instrumento predileto, de um homem com capacidades e defeitos. Um homem todo de Deus, apaixonado por Cristo, apaixonado por Maria. Um homem ferido desde o berço. A força curadora do amor acabou por sará-lo. Mas a sua ferida foi sempre fonte de vida e caminho de santidade. Causa da sua dor e motivo para a esperança. Que importantes são as nossas feridas! Foi filho de mãe solteira. Nunca foi aceite pelo seu pai. Matías José Koep nunca o reconheceu como filho nem tão pouco casou com a sua mãe. José sentiu-se rejeitado desde pequeno. É a experiência de tantas pessoas na sua vida. Filhos muitas vezes com pais vivos, mas que não se sentem queridos por eles. O Pai experimentou a rejeição, o abandono e a solidão. Os anos de solidão num orfanato marcaram-no para sempre. A honra, a fama, o seu nome, tudo posto em causa. A solidão de um homem muito racional, sem vínculos, fechado, com o coração aprisionado por um muro. O coração muitas vezes vai por outro lado e a cabeça quer entender as razões. Nele se deu de forma preclara a separação entre fé e vida, entre as ideias e o coração, entre os sonhos e a realidade encarnada. Um Deus longínquo, um Deus desencarnado, um Deus alheio ao homem. Uma ideia de Deus que não era capaz de penetrar todas as fibras do coração. O Pai pôde caminhar até à beira do abismo, até à beira da loucura. Chegou a um extremo e aí Deus deteve-o. Onde começa a mudança? A rutura e a união. A ferida e a vida que brota da mesma ferida. Essa ferida da qual surge a esperança. A ferida que causou tanta dor e que às vezes se sente a tentação de tapá-la, escondê-la, negá-la. O Pe. Kentenich chega a afirmar que ninguém, nenhuma pessoa humana, influenciou a sua educação durante a sua infância e juventude. É dura essa afirmação. O coração compreende quão profunda é a ferida na sua alma. Ninguém, só Maria, só a Virgem a partir daquela consagração, o influenciou. Esta afirmação é terrível, dura, comovente. Que solidão interior! E não caiu no desespero, apesar de, como ele mesmo confessa, ter estado a ponto de perder a razão. Tão próximo do homem de hoje! Que atual a sua ferida! Um homem sem raízes, que não vê a sua fé encarnada, que não vê a Deus na sua própria vida. Um homem só, com a sua dor, desvinculado, aprisionado no seu abandono. Um homem ferido e dividido no seu interior.

Como e quando começou a curar a sua ferida? A consagração a Maria de uma criança de nove anos é o ponto-chave. A primeira fresta aberta é esse momento de entrega de Catarina. Devemo-lo a ela que Maria levasse a sério a educação de José. É um ato que podia ter passado quase despercebido, escondido com a passagem dos anos nas suas recordações. Assim começa Schoenstatt no seu próprio coração. A primeira aliança pronunciou-a timidamente, cheia de medo, quase sem o saber, a sua própria mãe, Catarina Kentenich. Fê-lo com muita tristeza em silêncio, destroçada pela dor, impotente, à porta de um orfanato. Esta humilde e esforçada mulher deu o primeiro passo sem o saber. Ela recuou, colocou-se de lado, e deixou que Maria ficasse em primeiro plano. Ela, que tanto amava o seu filho e que foi capaz de renunciar a tantas coisas por ele, converteu-se no primeiro elo de uma grande corrente. Catarina amava Maria e confiava. Seguramente mostrou o rosto de Maria ao pequeno José e disse-lhe que era sua Mãe desde muito pequeno. Nesse momento sentia-se desamparada, totalmente incapaz de continuar a cuidar no dia-a-dia o pequeno José. Schoenstatt começa assim, com a renúncia de uma mãe a quem poucas vezes recordamos e agradecemos. Tantas mães hoje renunciam a estar com os seus filhos para poder viver em Espanha e ganhar o dinheiro suficiente para a sua educação futura. Penso em tantas mães emigrantes que deixam os seus filhos nos seus países porque aí não podem mantê-los e cuidá-los. A renúncia é geradora de vida, apesar de trazer consigo muita dor para ambas as partes. Há ocasiões em que cremos que não, que a renúncia é só uma dor, uma ausência, uma perda, uma falta de plenitude que não tem sentido. No plano de Deus tudo se encaixa, apesar que na terra nos custe a compreender os seus desejos. A renúncia é fonte de vida no coração de Deus, a renúncia de Maria para cuidar de Jesus, a renúncia de Jesus na cruz para salvar os homens. A renúncia de tantos santos ao longo da história da Igreja. É a renúncia feita no coração de Deus, com humildade, docilmente, a que dá vida, a que é fecunda. O Pai recebe a vida de uma mãe que é capaz de renunciar por amor. Recebe vida dessa mesma renúncia. Catarina renuncia a si mesma, aos seus planos, ao seu próprio caminho de felicidade, de autorrealização como pessoa. Essa autorrealização que agora parece sagrada para todo o mundo. Hoje tantas pessoas se procuram a si mesmas com o objetivo de se realizarem, de encontrar o melhor lugar para implementar os seus talentos e capacidades. Queixam-se quando não encontram o trabalho da sua vida, ou a casa, ou o país, quando os seus sonhos não se realizam e não entendem que a renúncia possa ter um valor. Contudo, Catarina, uma mulher ferida e rejeitada pelo pai do seu filho, é capaz de renunciar por amor, de se colocar a si mesma em segundo plano. É uma mulher forte, que aprende a viver em solidão para que o seu filho tenha uma educação e possa fazer o seu caminho. Entrega o que mais quer e aprende assim a amar em silêncio, em solidão, muitas vezes à distância. Aprende a educar de joelhos, como tantas outras mães quando se sentem impotentes na hora de educar os seus filhos. Estamos a debruçar-nos na ferida de amor do Pe. Kentenich. Essa ferida profunda é cuidada, a partir desse momento, por Maria. Também cuida de Catarina através da sua renúncia.

Schoenstatt nasce da humildade de uma renúncia, do silêncio de uma renúncia, do esquecimento daquela mulher que deu a vida a um menino pobre chamado José Kentenich. Schoenstatt começa na solidão de saber renunciar, por amor, ao que mais desejamos, com um sentido. Schoenstatt começa com uma renúncia em ato de entrega fiel a Maria. Catarina confia a Maria o seu filho José. Sela a primeira aliança e Maria aceita esse intercâmbio de corações. Coloca nas suas mãos poderosas de Mãe o destino de um filho abandonado. Catarina não sabia o que fazer e confiou em Maria. Abandona-se. Põe a sua vida nas suas mãos e confia cegamente que tudo irá correr bem. E assim foi. Quando José olha para trás vê nesse ato de consagração a primeira aliança. Vê nessa entrega fiel o começo de tudo. Ali se fez filho de Maria para sempre. De forma pouco consciente. De forma singela e humilde. Mas essa primeira aliança mudou-lhe a vida para sempre.

Creio que Schoenstatt nos convida, no momento em que celebramos e agradecemos, a sermos capazes de viver descentrados. A renúncia de Catarina faz-nos questionar se nós somos capazes de renunciar, de nos pormos em segundo plano, de nos alegrarmos para que outros possam fazer o seu caminho e encontrar o seu caminho de felicidade, enquanto nós permanecemos ocultos num segundo plano. Maria aparece como modelo, não só como caminho. Ela pôs-se em segundo lugar e aceitou a condição de serva fazendo vida das suas palavras: “Faça-se em mim, segundo a Tua palavra”. Retirou-se, deixou que Jesus se fizesse carne na sua vida e que mudasse para sempre o seu caminho, o seu destino, o rumo dos seus passos, os seus próprios planos de vida. Trata-se de sermos capazes de nos negarmos a nós mesmos para poder afirmar outros. Quando penso em Schoenstatt penso que assim deve surgir sempre de novo. A partir da humildade da renúncia. Esta máxima é fundamental para que Schoenstatt se renove no nosso coração. Quando não damos vida a outros? Quando gostamos dos primeiros lugares e buscamos o poder, não estamos a ser fiéis a este começo. Quando queremos ser levados em conta e valorizados pela nossa entrega, não compreendemos como se semeou a primeira semente de Schoenstatt. Podemos cair facilmente na tentação dos cargos e dos postos, do êxito e da eficácia. Schoenstatt presta-se a que cada schoenstatiano se sinta fundador e acredite que com ele começa tudo de novo. Corremos todos o perigo de esquecer Catarina Kentenich. “sem lagar não há vinho”, rezava o Pe. Kentenich “Se o grão de trigo que cai na terra não morrer, fica só” diz-nos Jesus. Negarmo-nos a nós mesmos só tem sentido se for para que outros tenham vida em abundância. É o sentido de toda a renúncia. Uma morte para dar vida. Que outros tenham mais vida, uma vida verdadeira e plena. O nosso caminho de plenitude passa pelo caminho de plenitude daqueles a quem amamos. Nós valorizamos a renúncia? Entendemos que possa ser fonte de vida e fecundidade? A que renunciamos por amor?

A verdade é que ao pensar no nosso fundador penso na sorte que temos. Temos um fundador ferido. Não é perfeito. Não vem de uma família ideal, como talvez alguns santos e como talvez desejássemos. Não teve uma família com pai e mãe que se amavam e filhos modelo que se amavam muito. Foi um homem sem raízes, sem vínculos humanos fortes, sem experiências familiares dignas de serem recordadas, sem irmãos. Não teve recordações bonitas de infância, nem fotografias, nem lugares cheios de fantasia. Houve, isso sim, muita solidão, dureza, austeridade, pobreza. O Pe. Kentenich tinha uma ferida muito forte de desamor e solidão, como são sempre as nossas. Até ao ponto que a ele próprio lhe custava falar disto até ao final da sua vida. Até ao ponto de que em Schoenstatt era um tema tabu. Até esse ponto foi uma ferida profunda, uma ferida enorme, uma debilidade limitadora. Na verdade incapacitou-o para o mais evidente de um homem que é relacionar-se e criar vínculos. Para além disso ficou marcado por uma época onde os vínculos pessoais eram mal vistos. Uma ferida que o levou a uma falta de união interior tão forte que esteve a ponto de chegar à loucura, essa divisão entre fé e vida, entre o Deus Todo Poderoso e o Deus do seu coração, encarnado, que tinha a ver com ele, entre o humano e o divino, entre as ideias e a vida. Pensando nesse momento, antes de 1912, se fôssemos procurar a pessoa adequada para fundar um Movimento com as características de Schoenstatt, nunca teríamos escolhido o Pe. Kentenich. De facto, a primeira votação para o aceitar para o diaconado foi negativa porque não conheciam o Pe. Kentenich no seu interior. Deus permitiu que na segunda votação fosse aceite. Deus elegeu o Pe. Kentenich para que dele surgisse um Movimento que pudesse ajudar e dar resposta a muitas das feridas que ele mesmo tinha, um Movimento de vínculos, um lar onde criar raízes. Tantas coisas de que ele tinha falta e justamente Deus utilizou-o para isso. Tal como a renúncia de Catarina foi fonte de vida, e a nossa renúncia é fonte de vida, também a nossa ferida pode ser fonte de vida, como foi com o Pe. Kentenich. A ferida do lado aberto de Cristo é fonte de vida. Quando aceitamos e beijamos a nossa própria ferida, Deus utiliza-a e é fonte de vida. Por aqui passa uma primeira chave para compreender Schoenstatt. Schoenstatt está chamado a fundar-se de novo a partir desta realidade que me parece tão importante. Deus não nega a nossa ferida quando quer dar vida a partir do nosso sim. Não constrói sobre uma alma sem pecado, salvo no caso de Maria. Não, Deus aceita-nos como somos e não se envergonha da nossa ferida. Pelo contrário, serve-se dela. Pensamos com frequência que Deus ama apenas as nossas virtudes e aproveita só o que fazemos bem, esses talentos que colocou na alma. Se cantarmos bem usar-nos-á para conseguir que outros se apaixonem por Ele graças à nossa voz. Se somos génios na informática usará esse talento tão prático para evangelizar dessa maneira. Mas custa-nos compreender que Deus queira utilizar a nossa limitação, a nossa debilidade, aquela ferida que queremos esquecer, para dar vida em abundância a outros.

A solidão do Pe. Kentenich, que é em si mesma algo de terrível, converte-se na chave para entender como surge Schoenstatt . Deus usou a sua solidão para o tornar pai de uma família. Utilizou esse silêncio, essa profundidade da sua vida interior, esse jardim rico, para que aí fecundasse um novo carisma. Utilizou esse barro da sua história, para criar uma obra de arte. A falta de um pai foi fundamental para despertar nele o desejo de dar o que tinha recebido, uma paternidade profunda e autêntica. A ferida, a rutura, convertem-se em ponte, em caminho de santidade. Penso que Schoenstatt se funda de novo em nós quando assumimos esta verdade em nós, que sem a nossa ferida Deus não pode dar vida a outros. Porque a ferida converte-se em porta de entrada, para que Deus entre e para que outros se aproximem. Porque a nossa ferida nos faz humildes e mais misericordiosos e faz com que julguemos a realidade a partir da nossa pequenez, e não do orgulho. Chega de formular ideais pessoais que não são nossos, mas tomados das vidas dos santos, ou criados segundo um ideal que está tão longe de nós, que talvez nunca nos pertença. Ideais que nos rompem por dentro porque nos recordam continuamente a desproporção entre o que ansiamos e o que somos. Partamos da nossa própria ferida, da nossa vida tal como é, da nossa pequenez que sonha com as alturas. Assim fez o Pe. Kentenich. Entendamos que a partir dessa ferida, desde o mais fundo da nossa dor, dessa história da qual nos envergonhamos muitas vezes, é a partir dela que Deus começa a talhar a verdadeira obra-prima que quer fazer connosco. Essa ferida, da qual nunca nos atrevemos a falar em público, como acontecia com o Pe. Kentenich, é a nossa fonte de vida e o nosso caminho de salvação. Aceitemos a nossa história, sim podemos chegar a gostar da nossa própria carne, com que Deus fará maravilhas. Pensemos que sim, é possível para Deus fazer coisas impossíveis. Ele pode fazê-lo muito bem a partir da nossa pobreza. Assim fez Deus com Maria, a partir da sua pequenez. Assim voltou sempre a fazer com os santos. Assim fez com o Pe. Kentenich. Viver assim nos fará mais misericordiosos, mais humanos, mais humildes, mais alegres porque não temos que defender-nos de nada. Em Schoenstatt às vezes valorizamos muito os talentos e centramo-nos nas capacidades. O que fala bem, o que tem uma vida maravilhosa, o que escreve de forma incrível, o que dá testemunhos maravilhosos, o que canta como os anjos, o que dirige bem os grupos, o que leu muitos livros de Schoenstatt e sabe expô-los, etc. Atrai-nos a perfeição, não podemos negá-lo. A originalidade atrativa parece que será mais fecunda e desprezamos o que não sabe tanto, o que não se destaca, o que parece não ter tantos talentos, o que é desajeitado, o que está muito ferido. O Pe. Kntenich na sua vida rodeou-se de pessoas feridas. Creio que fundar de novo passa por sermos abertos, por construirmos sobre a vida dos que Deus nos confia, com os remadores livres que temos, sem procurar a perfeição inexistente. Consiste em alegrarmo-nos com o barro, mesmo sem ser perfeito, puro e brilhante. Se não o fizermos não estaremos a ser fiéis à origem da nossa história sagrada. Não procuramos a eficiência, não pretendemos que tudo corra bem, sermos uns perfeitos executores de eventos. Não queremos ser seletivos, procurando apenas essas elites que conduzem às massas. Porque esse não foi o caminho que Jesus seguiu na sua vida. Jesus rodeou-se de pecadores e pessoas rejeitadas, feridas, doentes.

Nós sonhamos em ter um coração aberto e misericordioso como o de Cristo. Um coração que olha o homem como Jesus, como Maria, como o Pe. Kentenich.

O Pe. Kentenich chega a esta Aliança de Amor de 1914 com uma grande profundidade. Há algo de muito bonito, e é parte da nossa herança, que na imperfeição da sua história, Deus ofereceu ao Pe. Kentenich um tesouro, que foi a profundidade da sua alma. O Pe. Kentenich “cavou” a sua alma na solidão. Às vezes isso faz-nos falta. Ao aprofundar a sua alma, na solidão, no seu hermetismo, na sua muralha, permitiu, na sua relação com Maria, que surgisse Schoenstatt. Schoenstatt surgiu na profundidade do coração do Pai antes de ver a luz para os homens, não nasceu a partir de grandes eventos e atividades. Nasce, pelo contrário, no silêncio das profundezas de uma alma, na profundidade de um coração. Se o Pai tivesse permanecido à superfície, não teria havido profundidade suficiente para que surgisse o mundo de Schoenstatt. Há gente que acredita que só é de Schoenstatt porque vai a eventos e participa de atividades. Mas esse Schoenstatt que vivem é superficial e rapidamente pode desaparecer quando surgem contratempos e deceções. Não há profundidade. Schoenstatt não se enraizou no mais profundo do coração. Somos herdeiros do Pai na medida em que haja profundidade na nossa alma, na medida em que a aliança de amor capte todas as fibras do nosso coração. O mundo de Schoenstatt gerou-se nesse oceano interior do Pe. Kentenich, nesse jardim interior. Assim foi criado. Por isso ele pôde logo ir buscá-lo. Porque já o tinha. Porque já tinha ocorrido nele. A primeira aliança de amor já tinha ocorrido para ele e tinha sido amadurecida com o passar dos anos. Nesses anos difíceis e duros da sua juventude foi criando Schoenstatt no seu coração, e a única coisa que fez depois foi encontrar canais para essa fonte que brotava dele, que estava já nele. Maria curou esse desamor do Pe. Kentenich e o amor que surgiu da cura deu vida a muitos.

A sua paternidade e a sua maternidade. Schoenstatt nasce de uma paternidade. Deus atuou através da sua paternidade. O Pe. Kentenich começou a “tirar de dentro” o que nunca pensou que tinha. Maria converteu a vida do Pe. Kentenich em fonte de vida para outros. Sem ter tido um pai aprendeu a ser pai, e mãe ao mesmo tempo, quando Deus lhe deu filhos. Assim curou a sua ferida, dando-se entregando-se, morrendo pelos outros. Foi uma paternidade muito humana e muito próxima. Se necessitamos de alguma coisa em Schoenstatt é de pais e mães, humanos e próximos. Pais e mães que nos projetem e nos mergulhem no coração de Deus. Os rapazes encontravam no pai essa segurança. Acreditavam no Pe. Kentenich, procuravam-no, admiravam-no, amavam-no. Nele encontraram um lugar onde criar raízes. Enraizaram-se nele com o risco que sempre têm os vínculos. O risco da dependência, o risco da deceção, o risco da exclusividade, o risco de que chegasse a ser um apego desordenado. Não importava. Schoenstatt surge de uma confiança lavrada dia a dia na entrega. Assim curou a sua orfandade, sendo pai. Assim, ao oferecer lar a outros, encontrou ele próprio um lar. De repente, encaixou tudo. A sua ferida fê-lo experimentar o desespero do homem, desses jovens solitários e necessitados. Foi capaz de se pôr no lugar do outro, de compreender, de criar empatias e saber quanta necessidade de segurança há no homem. Foi capaz de oferecer a cada um o que a ele o tinha salvo: o rosto de Maria. Mas foi o vínculo com a sua pessoa o que os levou a Maria. O laço humano do qual Deus se serviu para os conduzir ao coração de Deus: “Deus quer atrair-nos com laços humanos. Por isso procura que nos deixemos vincular pelo amor filial, conjugal, paternal. Permite que nos vinculemos a filhos, pais e cônjuges. Mas Deus desfaz esse laço e não descansa enquanto todos não estejam ligados a Ele”. Os vínculos curam-nos e enraízam-nos em Deus. Apesar de às vezes nos assustarem. Porque temos medo que se desordenem. Quem poderá dizer que todos os seus apegos e vínculos estejam perfeitamente ordenados! Só Maria. De resto levamos a ferida da solidão na alma. E vinculamo-nos para aprender a amar e para subir sempre mais alto, até Deus. A paternidade do Pai foi também uma maternidade. Ele foi pai e mãe. Esses rapazes necessitavam de uma mãe. Não lhe bastava um pai que os escutasse e lhes mostrasse amplos horizontes, não, necessitavam de uma mãe que estivesse pendente das suas necessidades quotidianas, do essencial. É por isso que também nós estamos chamados a mostrar a misericórdia dessa paternidade e maternidade no meio dos homens. Somos filhos e pais e mães. Isso torna-nos irmãos. Torna-nos família. Hoje há muitos órfãos com pais e mães vivos. Fundar Schoenstatt de novo passa por aprender a sermos melhores filhos e melhores pais e mães. Passa por sermos lar onde outros possam criar raízes, com o risco que isso pressupõe para ambas as partes. Schoenstatt é esse lar no qual muitos criarão raízes e poderão respirar uma atmosfera sobrenatural. Não é lar um espaço onde não há uma preocupação pelas necessidades pessoais de cada um, em que apenas nos aceitam se formos úteis e logos nos esquecem, onde nos dão mais atenção quando servimos, quando contribuímos com algo. Schoenstatt é lar se pudermos ser nós mesmos, se nos pudermos mostrar tal e como somos fora do Santuário, se não tememos a rejeição e não vivemos a competir com os outros, comparando-nos continuamente. Schoenstatt é lar quando qualquer um pode encontrar o seu lar, e pode sentir-se querido, em casa, sem medos. Schoenstatt é lar quando existem mães que acolhem e se preocupem pessoalmente com cada um. Schoenstatt é fiel à sua missão se educamos para que hajam pais que mostrem caminhos e deem segurança. Assim, e só assim, seremos melhores irmãos. Quando nos sentimos apenas como irmãos, vemo-nos iguais e procuramos ser os primeiros, competir, destacar-nos, ter poder, ser os prediletos, os eleitos, os mais queridos, os únicos que fazem as coisas bem feitas. Competimos por um lugar quase sem nos darmos conta. E assim não se pode construir. Se os irmãos não aprenderem a ser filhos e pais e mães não poderão amadurecer como irmãos. Não se sentirão livres. Não encontrarão o seu lugar. Não terão a paz do que sabe que dá o que pode dar e não o que não tem.

Continuação: Segunda reflexão: um olhar sobre o caminho feito pela mão de Deus

Continuação: Terceira reflexão: um olhar sobre o nosso caminho de santidade

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