Posted On 2014-11-01 In Francisco - Mensagem

A Igreja não olha para a humanidade a partir de um castelo de vidro para julgar e classificar as pessoas

VATICANO, mda. Sinceridade, audácia, palavras claras também diante de opiniões diferentes: o discurso do Papa Francisco no final do Sínodo – justamente dia 18 de outubro, centenário daquele Movimento fundado pelo Padre Kentenich, grande profeta e protagonista da liberdade e da sinceridade dentro da Igreja – leva a respirar ares de esperança e de liberdade. Com o coração cheio de reconhecimento e de gratidão, finalizados os trabalhos do Sínodo, o Papa se dirigiu a todos os participantes: “Posso dizer serenamente que – com um espírito de colegialidade e de sinodalidade – realmente vivemos uma experiência de ‘sínodo’, um acontecimento solidário, um ‘caminhar juntos’”– expressou-se ele. “E sendo um “caminho”- como todos os caminhos – houve momentos de profunda consolação, escutando o testemunho de verdadeiros pastores e os testemunhos das famílias que participaram do Sínodo. E houve também momentos de desolação, de tensão e de tentação”. Muitas vezes, Francisco desenhou um mapa de possíveis tentações: a tentação do endurecimento hostil; da ‘bondade destrutiva’. A tentação de transformar a pedra em pão e o pão em pedra; a tentação de descer da cruz; de descuidar do ‘depositum fidei’ (depósito da fé), considerando-se não cuidadores, mas proprietários e patrões, ou, por outro lado, a tentação de descuidar da realidade, utilizando “uma linguagem minuciosa e uma linguagem inflada para dizer tantas coisas e não dizer nada!”.

 

Texto completo das palavras do Papa no final do Sínodo:

Caríssimos: Eminências, Beatitudes, Excelências, irmãos e irmãs:

Com o coração cheio de reconhecimento e de gratidão, quero agradecer junto com vocês ao Senhor que, com a luz do Espírito Santo, nos acompanhou e nos guiou nestes dias!

Agradeço de coração a S. Exa. Cardeal Lorenzo Baldisseri, Secretário Geral do Sínodo, S. Exa. D. Fabio Fabene, Subsecretário, e com eles agradeço ao Relator, S. Exa. Cardeal Peter Erdö e o Secretário Especial, S. Exa. D. Bruno Forte, aos três Presidentes delegados, aos escritores, consultores, tradutores, e todos aqueles que trabalharam com verdadeira fidelidade e dedicação total à Igreja – e sem descanso: obrigado de coração!

Agradeço também a todos vocês, caros Sacerdotes Sinodais, Delegados fraternos, Auditores, Auditoras e Assessores, por sua participação ativa e frutífera. Eu me lembrarei de todos em minhas orações, pedindo ao Senhor que os recompense com a abundância dos dons de sua graça!

Tranquilamente, posso dizer que – com espírito de colegialidade e sinodalidade – realmente vivemos uma experiência de ‘sínodo’, um acontecimento solidário, um ‘caminhar juntos’.

E sendo um “caminho”- como todos os caminhos – houve momentos de corrida veloz, quase querendo vencer o tempo e alcançar rapidamente a meta; outros momentos de cansaço, a ponto de quase se dizer ‘basta’; outros momentos de entusiasmo e de ardor. Momentos de profunda consolação, escutando o testemunho de verdadeiros pastores (cf. Jo 10 e Can. 375, 386, 387) que sabiamente levam, no coração, as alegrias e as lágrimas de seus fiéis. Momentos de graça e de consolo, escutando os testemunhos das famílias que participaram do Sínodo e que compartilharam conosco a beleza e a alegria de sua vida matrimonial. Um caminho no qual o mais forte se sentiu no dever de ajudar o menos forte, onde o mais esperto se prontificou a servir os outros, inclusive pelo debate. E porque é um caminho de homens, também houve momentos de desolação, de tensão e de tentação, das quais se poderia mencionar algumas:

A tentação do endurecimento hostil, que significa querer fechar-se dentro do escrito (da letra) e não se deixar surpreender por Deus, pelo Deus das surpresas (o espírito); dentro da lei, dentro da certeza do que conhecemos e não do que, entretanto, devemos aprender e alcançar. É a tentação dos zelosos, dos escrupulosos, dos apressados, dos assim chamados “tradicionalistas” e também dos intelectuais.

A tentação da “bondade” destrutiva que, em nome de uma misericórdia enganosa, fecha as feridas sem antes tratar delas e medicá-las; que trata os sintomas e não a causa e as raízes. É a tentação dos “bondosos”, dos temorosos e também dos assim chamados “progressistas e liberais”.

A tentação de transformar a pedra em pão, para romper o longo jejum, pesado e doloroso (cf. Lc 4, 1-4) e também de transformar o pão em pedra, e atirá-la contra os pecadores, os fracos e os enfermos (cf. Jo 8,7), de transformá-la em “fardos insuportáveis” (Lc 10,27).

A tentação de descer da cruz para contentar as pessoas, e não permanecer ali, cumprindo a vontade do Pai; de ceder ao espírito mundano em vez de purificá-lo e incliná-lo ao Espírito de Deus.

A tentação de descuidar do “depositum fidei”, considerando-se não cuidadores, mas proprietários e patrões; ou, por outro lado, tentação de descuidar da realidade, utilizando uma linguagem minuciosa e uma linguagem pomposa para dizer tantas coisas e não dizer nada!

Queridos irmãos e irmãs, as tentações não devem nos assustar nem desconcertar, nem muito menos desanimar, porque nenhum discípulo é maior que seu mestre; portanto, se Jesus foi tentado – além de ser chamado Belzebu (cf. Mt 12,24) – seus discípulos não devem esperar um tratamento melhor.

Pessoalmente, teria me preocupado e entristecido muito, se não tivessem ocorrido essas tentações e as discussões animadas; esse movimento dos espíritos, como o chamava Santo Inácio (EE 6,), se todos estivessem sempre de acordo ou taciturnos em uma falsa e silenciosa paz.

Ao contrário, vi e escutei – com alegria e reconhecimento – discursos e intervenções plenos de fé, de zelo pastoral e doutrinal, de sabedoria, de sinceridade, de coragem e parrésia (ousadia de falar em público). Senti que lhes foi posto diante de seus olhos o bem da Igreja, das famílias e a “suprema lex” (suprema lei): a “salus animarum” (cf. Can. 1752). E isso sempre sem jamais colocar em discussão a verdade fundamental do Sacramento do Matrimônio: a indissolubilidade, a unidade, a fidelidade e a procriatividade, ou seja, ou seja, a abertura para a vida (cf. Can., 1055, 1056 e Gaudium et Spes, 48).

Esta é a Igreja, a vinha do Senhor, a Mãe fértil e a Mãe pressurosa, que não tem medo de erguer as mãos para derramar o óleo e o vinho sobre as feridas dos homens (cf. Lc 10, 25-37); que não olha a humanidade a partir de um castelo de vidro para julgar e classificar as pessoas.

Esta é a Igreja Una, Santa, Católica e composta de pecadores, necessitados de Sua misericórdia. Esta é a Igreja, a verdadeira esposa de Cristo, que busca ser fiel a seu Esposo e à sua doutrina. É a Igreja que não tem medo de comer e beber com as prostitutas e os publicanos (cf. Lc 15). A Igreja que tem as portas abertas para receber os necessitados, os arrependidos e não apenas os justos ou aqueles que creem ser perfeitos! A Igreja que não se envergonha do irmão caído e que não finge não vê-lo; ao contrário, se sente comprometida e obrigada a levantá-lo e a animá-lo a retomar o caminho e o acompanha até o encontro definitivo com seu Esposo, na Jerusalém celeste.

Esta é a Igreja, nossa Mãe! E quando a Igreja, na variedade de seus carismas, se expressa em comunhão, não pode equivocar-se: é a beleza e a força do sensus fidei, daquele sentido natural da fé que nos é dado pelo Espírito Santo para que, juntos, possamos todos entrar no coração do Evangelho e aprender a seguir Jesus em nossa vida; e isso não pode ser visto como motivo de confusão e mal-estar.

Tantos comentaristas imaginaram ver uma Igreja em litígio, onde uma parte está contra a outra, duvidando até do Espírito Santo, o verdadeiro promotor que garante a unidade e a harmonia dentro da Igreja. O Espírito Santo que, ao longo da história, tem conduzido sempre a barca, por meio de seus Ministros, também quando o mar era contrário e agitado, e os Ministros, infiéis e pecadores.

E, como ousei dizer-lhes no início, era necessário viver tudo isso com tranquilidade e paz interior também, porque o sínodo se desenvolve cum Petro e sub Petro (com Pedro e sob Pedro), e a presença do Papa é garantia para todos.

Portanto, a tarefa do Papa é garantir a unidade da Igreja; é recordar os seus fiéis do seu dever de seguir fielmente ao Evangelho de Cristo; é lembrar os pastores que seu primeiro dever é nutrir a grei que o Senhor lhes confiou e de sair a buscar – com paternidade e misericórdia e sem falsos medos – a ovelha perdida.

Sua tarefa é a de lembrar a todos que a autoridade na Igreja é serviço (cf. Mc 9,33-35) como explicou com clareza o Papa Bento XVI com palavras que cito textualmente: “A Igreja é chamada e se empenha a exercitar este tipo de autoridade que é serviço, e a exercita não a título próprio, mas sim em nome de Jesus Cristo… por meio dos Pastores da Igreja, de fato, Cristo apascenta a sua grei: é Ele que a guia, a protege, a corrige, porque a ama profundamente. Porém, o Senhor Jesus, Pastor supremo da alma de cada um de nós, quis que o Colégio Apostólico, hoje os Bispos, em comunhão com o Sucessor de Pedro… participem nessa sua missão de cuidar do povo de Deus, de ser educadores da fé, orientando, animando e sustentando a comunidade cristã, ou como o disse o Concílio, “cuidando sobretudo para que cada um dos fiéis seja guiado no Espírito Santo a viver segundo o Evangelho sua própria vocação, a praticar a caridade sincera e operante e a exercitar aquela liberdade com a qual Cristo nos libertou(Presbyterorum Ordinis, 6)… E por meio de todos nós – continua o Papa Bento – o Senhor chega às almas, as orienta, cuida delas, guia-as. Santo Agostinho, em seu Comentário ao Evangelho de São João, disse: “Seja, portanto, um empenho de amor apascentar a grei do Senhor” (123,5); esta é a suprema norma de conduta dos ministros de Deus, um amor incondicional, como aquele do bom Pastor, cheio de alegria, aberto a todos, atento aos que estão próximos e solícito com os distantes (cf. S. Agostinho, Discurso 340,1; Discurso 46,15), delicado com os mais fracos, com os pequenos, os simples, os pecadores, para manifestar a infinita misericórdia de Deus com as consolações da esperança (cf. Id. Carta 95,1)” (Bento XVI, na Audiência Geral, quarta-feira, 26 de maio de 2010).

Portanto, a Igreja é de Cristo – é sua esposa – e todos os Bispos do Sucessor de Pedro têm a tarefa e o dever de zelar por ela e servi-la, não como patrões, mas como servidores. Nesse contexto, o Papa não é o senhor supremo; pelo contrário, é o supremo servidor“Il Servus servorum Dei”; é quem garante a obediência, a conformidade da Igreja à vontade de Deus, ao Evangelho de Cristo e à Tradição da Igreja, deixando de lado todo arbítrio pessoal, sendo também – por vontade do próprio Cristo – “o Pastor e Doutor supremo de todos os fiéis” (Can. 749) e gozando “da potestade ordinária que é suprema, plena, imediata e universal da Igreja” (cf. Can. 331-334).

Queridos irmãos e irmãs, agora, por enquanto, temos um ano para, com verdadeiro discernimento espiritual, amadurecer as ideias propostas e encontrar soluções concretas para tantas dificuldades e tantos desânimos que circundam e sufocam as famílias, um ano para trabalhar sobre a “Relatio Synodi”, (Relatório do Sínodo) que é o resumo fiel e claro de tudo o que foi dito e discutido neste grupo e em círculos menores.

O Senhor nos acompanhe e nos guie neste encontro para a glória de Seu nome, com a intercessão da Virgem Maria e de São José! E, por favor, não se esqueçam de rezar por mim.

Original em espanhol. Tradução: Maria Rita Fanelli Vianna – São Paulo / Brasil

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