Posted On 2015-01-09 In Francisco - iniciativos e gestos

Sete imagens de evangelização no Papa Francisco

Victor Codina SJ. O impacto eclesial e mundial do Papa Francisco não se deve, fundamentalmente, aos seus discursos e aos seus escritos que muitos não leram na íntegra, mas aos seus gestos simbólicos (abraçar crianças, beijar deficientes, comer com os funcionários do Vaticano na cantina, alojar-se fora do Palácio Apostólico, viajar num carro pequeno utilitário…) e a algumas das suas imagens e expressões gráficas, captadas e compreendidas por todos com grande facilidade. Estas frases retiradas do meio de uma homília ou de um escrito, têm um grande poder evocativo e mediático; são como a versão moderna das parábolas e imagens que empregava Jesus no seu tempo.

Por isso, em lugar de oferecer uma exposição sistemática e académica do pensamento de Francisco sobre a evangelização, limitar-me-ei a apresentar sete imagens expressivas que de algum modo resumem de forma simbólica o mais essencial e a novidade da sua proposta de pastoral evangelizadora.

1. Portas abertas

A Igreja não é uma prisão, nem um museu, nem uma fortaleza medieval com muralhas, fossos e ponte levadiça. Não é como aquele castelo misterioso que nos descreve Franz Kafka, onde residia um misterioso senhor.

A Igreja é uma casa com portas abertas e flores nas janelas, que acolhe todos, venham de onde vierem, e a todos oferece uma mesa com pão e vinho. É um lugar de misericórdia, não um lugar de torturas nem uma alfândega que controla tudo. É uma casa paterna, materna, cujo ícone eclesial é Maria, que nos apresenta a Jesus e este leva-nos ao Pai. A Igreja reproduz na história as entranhas da misericórdia do Pai que Jesus com a sua vida e ensinamento nos revelou. Uma misericórdia que se comove perante o sofrimento e o pecado dos seus filhos.

Se João XXIII disse que com o Concílio Vaticano II a Igreja abria a sua janela para que entrasse um pouco de ar fresco na Igreja, agora Francisco abriu totalmente as portas da Igreja a todos, a cristãos e não cristãos, a casamentos desfeitos, a homossexuais, a agnósticos e não crentes. Todos são bem-vindos.

2. Sair à rua

As portas abertas indicam acolhimento aos que chegam de fora. Mas a Igreja não deve esperar que cheguem de fora às suas portas, tem de sair à rua, ir às periferias, às fronteiras geográficas e existenciais, mesmo com o risco de ter um acidente.

Não é uma Igreja fechada em si mesma, autorreferencial, preocupada apenas com os seus escândalos ou com os seus problemas clericais… mas uma Igreja que busca o perdido, que sai ao encontro do necessitado, que atravessa os caminhos poeirentos do mundo e escuta o clamor do povo, as suas dificuldades e anseios, como fazia Jesus de Nazaré ao percorrer os caminhos da Galileia ou da Judeia.

É uma Igreja em estado de missão – missionária – que “leva à rua” a fé e quer acudir nas encruzilhadas da história e dialogar com a ciência, com as culturas, com as religiões, sem medo, porque sabe que o Espírito do Senhor enche o universo e é causa de toda a novidade.

Isto faz com que a Igreja não se agarre ao passado mas que se abra ao futuro e aos sinais dos tempos. É uma Igreja em saída.

3. Hospital de campanha

Em momentos críticos, de guerras, acidentes, epidemiais… os hospitais não se dedicam a fazer análises complicadas ou tratamentos de longa duração, mas a socorrer situações de emergência, onde a vida está em perigo.

Também a Igreja tem que socorrer as emergências pessoais e sociais, salvar, curar, suturar, ligar feridas do sofrimento humano, salvar vidas ameaçadas de crianças, mulheres, indígenas, idosos, deficientes, curar cicatrizes de pessoas que sofrem no seu corpo ou no seu espírito. Não é isto o que fazia Jesus pelos caminhos da Palestina? Não curava doentes, inclusive, nos dias de sábado, dado que a pessoa está primeiro do que a Lei? Não foi o que fez o bom samaritano?

4. Igreja dos pobres

O sonho de João XXIII ao começar o Concílio Vaticano II, a opção pelos pobres da Igreja latino-americana em Medellin e Puebla, a afirmação de Bento XVI de que “a opção pelos pobres” está implícita na nossa fé em Cristo, as afirmações de Aparecida de que não se pode falar de Deus sem falar dos pobres (nº 393)… prolongam-se no desejo de Francisco de uma Igreja pobre e para os pobres.

A opção pelos pobres de que temos vindo a falar não é cultural, nem sociológica, nem política, mas evangélica, bíblica, teológica. Os pobres, a sua piedade religiosa, são um verdadeiro lugar teológico, um lugar onde somos evangelizados.

A Igreja não pode ficar à margem da luta pela justiça; por isso denuncia o atual sistema económico injusto que descrimina e mata o povo pobre. A Igreja não pode permanecer impassível perante tanta injustiça e sofrimento humano.

O constante sorriso do Papa, os seus gestos de ternura, os seus escritos sobre a alegria do Evangelho… poderiam parecer-nos uma falsa imagem do bispo de Roma. Mas Francisco denuncia, profeticamente, os aspetos da nossa sociedade, que são contrários ao Evangelho do Reino. Proclamou um contundente “Não” à economia da exclusão e desigualdade que gera violência; um “Não” à economia que cristaliza em estruturas injustas e que mata; um “Não” à globalização da indiferença; um “Não” à idolatria do dinheiro; um “Não” de em nome de Deus justificar a violência; um “Não” à insensibilidade social que nos anestesia perante o sofrimento; um “Não” ao armamento. Francisco atualiza o mandamento de não matar e de defender o valor da vida humana, desde o começo até ao final.

Por detrás destes “Não” de Francisco desenha-se uma imagem realmente evangélica da Igreja e do mundo; um mundo mais próximo do Reino de Deus. A alegria de Francisco não é uma alegria mundana nem fruto de um temperamento otimista, mas a alegria que brota do Evangelho de Jesus e da força do seu Espírito, a alegria da Igreja dos pobres.

5. Difundir o “cheiro” do Evangelho

Frente a posturas tradicionais, obcecadas pela ortodoxia doutrinal e pelo moralismo da casuística – sobretudo em temas sexuais -, a Igreja deve difundir, em primeiro lugar, o perfume do evangelho de Jesus, a alegria da salvação em Cristo, o Kerigma, quer dizer, o anúncio da Boa Nova de Jesus, passando pela experiência espiritual do encontro com o Senhor.

É preciso concentrar-se no essencial do Evangelho, o mais belo e atrativo. Falar mais da graça do que da Lei, falar mais de Cristo do que da Igreja, mais da Palavra de Deus que do Papa. Manter a hierarquia de verdades, a novidade do Evangelho, a alegria da Páscoa.

6. Cheirar a ovelha

Frente a posturas clericais de pastores encerrados nos seus gabinetes, afastados das pessoas do povo, funcionários que buscam carreirismo e que estão sempre nos aeroportos… devem aproximar-se do povo, “tocar a carne de Cristo” nos pobres, superar todo o clericalismo, mundanismo e patriarcalismo, reformar o mesmo papado, recuperar as atitudes de Jesus bom pastor, que busca a ovelha perdida e a carrega aos seus ombros. Trata-se de “cheirar a ovelha”, a povo, a suor, a pó, a dor e angústia.

7. Evangelizar com Espírito

Evangelizar não é uma pesada obrigação, nem algo que devamos realizar de maneira triste ou com ansiedade; tão pouco é uma atividade que se deve efetuar com desânimo ou impaciência, mas que é fruto da alegria do Evangelho que nos impulsiona a uma missão alegre e consoladora. Mas isto supõe uma evangelização com Espírito, o mesmo Espírito que impulsionou os apóstolos de Pentecostes e que anima e move a Igreja de hoje a continuar a missão de Jesus.

A evangelização supõe o encontro com o Senhor ressuscitado, Ele que dá o seu Espírito aos discípulos e converte uma comunidade de apóstolos cobardes e tímidos em testemunhas do Evangelho, capazes de dar a vida pelo Senhor Jesus e o Reino.

Trata-se de anunciar a Boa Nova não só com palavras mas com a vida, de confiar na força do Espírito que sempre semeia sementes do Reino por toda a parte e é fonte de novidade e de vida dentro e fora da Igreja.

O Espírito faz-nos conhecer Jesus, constitui-nos como Povo de Deus; o Espirito torna presente o Reino, converte-se para os cristãos em alegria sem medo do cansaço e do desânimo; é raiz da nossa esperança pascal. “Não tenhamos caras tristes nem de enterro”, mas transmitamos a alegria do Evangelho. Não deixemos que nos roubem a esperança.

Conclusão: Lampedusa

Lampedusa é uma pequena ilha italiana de 20 Km2 e com apenas 5.000 habitantes, situada no Mediterrâneo. Faz fronteira a 205 km com a Sicília e a 11 km com Túnez. Esta ilha árida, só com água proveniente da chuva, vive da pesca, da agricultura e do turismo. Tornou-se famosa por ser o porto de entrada para a Europa de milhares de imigrantes clandestinos provenientes da África e também do Médio Oriente e Ásia. Nas últimas duas décadas cerca de 20 mil pessoas que, em busca de melhores condições de vida se dirigiam para Lampedusa em embarcações, perderam a sua vida na travessia.

A esta ilha foi o Papa Francisco no dia 8 de julho de 2013. A sua primeira viagem fora de Roma não quis que fosse a Nova Iorque, nem a Bruxelas, nem tão pouco a Buenos Aires, mas a Lampedusa para lançar um grito de alerta mundial perante a tragédia dos imigrantes.

Em Lampedusa, o Papa não chorou apenas pelos mortos, não lançou só a coroa de flores amarelas e brancas em memória das vítimas, não abraçou apenas os migrantes africanos recém-chegados, mas quis despertar a consciência de uma humanidade que permanece envolta – numa bola de sabão – na cultura do bem-estar, de uma humanidade que perdeu o sentido de responsabilidade fraterna e se tornou incapaz de proteger as pessoas mais desprotegidas ou, inclusive, a própria natureza.

Na sua mensagem, Francisco afirma que estamos imersos na globalização da indiferença, que temos o coração anestesiado e somos incapazes de chorar pelas mortes dos nossos irmãos. Ninguém se sente responsável por estas mortes. Francisco repete as palavras bíblicas: “Caim onde está o teu irmão?”

Esta viagem de Francisco a Lampedusa, os seus gestos e palavras não podem resumir e simbolizar o estilo de evangelização de uma Igreja que, movida pelo Espírito, sai para fora, dirige-se preferencialmente aos pobres e aos que sofrem, abre-lhes as suas portas de mãe, enquanto chama todos a deixar o egoísmo e a viver como irmãos?

O episódio de Lampedusa não resume um forte cheiro a Evangelho? Não atualiza esta viagem de Francisco a imagem do Bom Pastor que vai em busca da ovelha perdida? A viagem a Lampedusa é como uma parábola viva da evangelização segundo o Papa Francisco. Se evangelizar é fazer o que fez Jesus, evangelizar hoje é fazer o que fez Francisco em Lampedusa. Esta é a nossa rota.

Acerca do autor

Victor Codina é sacerdote jesuíta e teólogo latino-americano. Nasceu em Espanha, mas desde 1982 que vive na Bolívia. Estudou Filosofia e Teologia em Sant Cugat, em Innsbruck e em Roma. Atualmente é professor emérito da Faculdade de Teologia da Universidade Católica Boliviana de Cochabamba, alternando o seu trabalho pastoral com comunidades de base e setores populares.

Os seus últimos livros são: No extingais el Espíritu (Sal Terrae, Santander 2008), Una Iglesia Nazarena (Sal Terrae, Santander 2010) Diario de un teólogo del posconcilio (San Pablo, Bogotá 2013) y Diosito nos acompaña siempre (Kipus, Cochabamba 2013).

Fonte: Vida Pastoral. Publicado por Religión Digital

Original: espanhol Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

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