Posted On 2013-07-30 In Francisco - iniciativos e gestos

Do santuário para os pobres: quando o nosso coração começar a chorar, estaremos mais perto de Deus

mda. “No final fez-nos uma pergunta a todos: “Porque é que há jovens a morrer nas ruas, com fome?”, para em seguida nos dizer que quando tivermos a resposta, quando o nosso coração começar a chorar, estaremos mais perto de Deus”, contou uma jovem colombiana que trabalha como voluntária no Rio e foi uma das convidadas para almoçar com Francisco na sexta-feira. Com o Papa Francisco no Rio, não há só eventos, testemunhos, atos, palavras gestos: há um sentimento, um sentimento de uma Igreja viva, jovem solidária e missionária, uma Igreja exposta ao sopro renovador e revitalizador do Espírito Santo. “Não posso deixar de vê-lo nas transmissões”, comenta um dos colaboradores da Argentina, e responde-lhe alguém de Espanha a ele e a todos os outros: “Como não vê-lo se estamos a ver a nossa esperança! Este Santo Padre é um Pentecostes vivo para a nossa Igreja e para o mundo! Nem mais nem menos!” Um Pai que vai “do santuário para os pobres” como lhe pediu este grande humilde schoenstattiano brasileiro, Joao Pozzobon. Um Papa Francisco, chamado Pai Francisco por um casal da favela, que veio para proclamar uma cultura de solidariedade.

“Deus quis que, depois do Santuário de Nossa Senhora de Aparecida, os meus passos se encaminhassem até um santuário particular do sofrimento humano, como é o Hospital São Francisco de Assis… Em cada irmão e irmã em dificuldade abraçamos a carne de Cristo que sofre. Hoje, neste lugar de luta contra a dependência, gostaria de abraçar cada um e cada uma de vocês que são a carne de Cristo, e pedir que Deus encha de sentido e firme esperança o vosso caminho, e também o meu…” Não pôde viajar ao Brasil sem visitar o Santuário de Nossa Senhora de Aparecida. E não pôde sair do Santuário sem dirigir-se aos pobres tal como fez na sua visita a Lampedusa. Assim foi ao hospital para toxicodependentes, assim foi à Favela da Varginha.

O papa dos pobres no epicentro da pobreza

“O papa dos pobres no epicentro da pobreza. Francisco em Rocinha, vendo miséria, pisando pobreza. Com o coração de pai e pastor destroçado. Nas periferias. Aqui onde se sente a indignidade fruto da injustiça. Em Rocinha para comungar com a carne de Cristo, como chama aos pobres”, escreveu um jornalista de Espanha.

Lembramos imagens do Padre Kentenich no campo de concentração de Dachau. Havia nesse lugar infernal situações extremas de doença, de ódio, de solidão, de perseguição, de injustiça, de roubo da dignidade, liberdade e direitos. O Padre Kentenich deu o passo do 31 de maio…  o passo de oferecer a Aliança de Amor ao mundo inteiro… só depois da Mãe e Rainha ter percorrido as ruas de Dachau, ele lhe pediu para sair do Santuário e ir ao encontro de todos…

“Já desde o princípio, ao programar a visita ao Brasil, o meu desejo era poder visitar todos os bairros desta nação”, disse Francisco na favela de Varginha. “Gostaria de bater a cada porta, dizer “bom-dia”, pedir um copo de água fresca, tomar um cafezinho – não um copo de cachaça – falar como um amigo, escutar o coração de cada um, dos pais, dos filhos dos avós… Mas o Brasil é tão grande! E não se pode bater a todas as portas. Assim escolhi vir aqui, visitar a vossa Comunidade; esta Comunidade que hoje representa todos os bairros do Brasil. Que bonito é ser recebido com amor, generosidade, com alegria! Basta ver como decoraram as ruas da Comunidade; também isto é um sinal de afeto, nasce do coração, do coração de todos os brasileiros…”

Sair dos nossos santuários, sair de nós mesmos, sair para a rua…

Gravamos na memória as imagens dos abraços fortes do Papa Francisco com os jovens toxicodependentes no Hospital de Francisco de Assis, sob a chuva inclemente… Lembramos um testemunho de Cecília Mata de Buenos Aires: “tenho um testemunho pessoal de quando o nosso Papa era Cardeal Bergoglio e vinha falar nos retiros da Cáritas. Recordo muito bem quando nos disse justamente isso: “quando dão esmola, olham nos olhos dessa pessoa, apertam-lhe a mão, têm contacto físico? Não importa se não têm moedas para lhe dar, agarrem-lhe a mão, e digam que rezam por ele”. Quando apanhava o metro, encontrava sempre um homem que não tinha as duas pernas. Estava sentado em metade do passeio largo e eu passava e saudava-o, apertava-lhe a mão, às vezes dava-lhe dinheiro, outras não, mas sempre tocava a sua mão, era tão suave, a sua pele tão fina, e os seus olhos doces. Passaram 10 anos, e ainda hoje me cruzo com ele no largo passeio…”

“Todos temos necessidade de olhar o outro com os olhos de amor de Cristo, aprender a abraçar aqueles que estão em necessidade, para expressar proximidade, afeto, amor”, disse-lhes Francisco “Mas abraçar não é suficiente. Estendamos a mão a quem se encontra em dificuldade, ao que caiu no abismo da dependência, talvez sem saber como, e dizer-lhe “Podes levantar-te: custar-te-á, mas podes consegui-lo se o quiseres verdadeiramente”. E gostaria de repetir a todos os que lutam contra as drogas, aos familiares que têm uma tarefa nem sempre fácil: a Igreja não é alheia aos seus fardos, mas acompanha-os com afeto. O Senhor estará próximo de vós e dá-lhes a mão. Voltem os olhos para Ele nos momentos mais duros e Ele lhes dará consolo e esperança. E confiem também no amor materno de Maria, sua Mãe. Esta manhã, no Santuário de Aparecida, entreguei cada um de vós ao seu coração. Onde há uma cruz para levar, ali está sempre Ela, nossa Mãe, ao nosso lado. Deixo-os nas suas mãos, enquanto os abençoou a todos com carinho. Muito obrigado.”

Que “forte” a definição que fez o Papa Francisco: a droga é a lepra do século XXI, comenta Claudia Echenique. “Enquanto corrigia um texto para a página, estava com um olho no computador e outro na televisão. Realmente é emocionante ver essa presença tão próxima do povo e da dor!” escreve Agda Grupe, da Argentina.

“Às vezes só falta boa vontade e renunciar um pouco a tantas coisas supérfluas para dar ao que nada tem, é um questão de ir e sair do nosso bom viver aburguesado”, comenta Ani S., schoenstattiana do Paraguai, que junto com um casal de Schoenstatt e laicos da sua paróquia saiu para construir casinhas simples para gente que vive em condições de pobreza extrema nas ruas de Assunção. “Pareceu-nos muito boa a iniciativa de Ani do “teto a abrigar”. São ações bem concretas que podemos realizar- Acreditamos que este Papa vai produzir grandes mudanças na Igreja e no mundo, esperemos que a sociedade e os cristãos o ajudem. Hoje na televisão víamos como os jovens cristãos de todo o mundo se uniam em redor do Papa Francisco e manifestavam a sua alegria de vê-lo e partilhar esta jornada da juventude. Desejamos que os governantes e todos os que têm poder, imitem a simplicidade e humildade deste Papa”, escrevem Carlos e Lilita Ricciardi, de La Plata, Argentina.

Isto é fazer o que Francisco sempre nos disse. Não esperar que as pessoas venham à Igreja, mas levar a Igreja às periferias

Centenas de vezes Jaider o viu descer do autocarro e caminhar até à Igreja do bairro, como qualquer vizinho. Por isso, ontem ele e outros 20 peregrinos decidiram imitar o seu exemplo. Apanharam um transporte público, viajaram uma hora e meia e desceram na favela de Varginha. Não iam sozinhos. Levavam com eles uma imagem da Virgem de Luján e outra da Virgem de Caacupé. Depois, acompanhados por três curas, Juan Isasmendi, Mario Micelli e Hernán Morelli, percorreram as ruas da favela distribuindo estampas e contando-lhes a história desse homem que eles tão bem conheceram em Buenos Aires. Os adolescentes argentinos caminharam, cantaram, rezaram, saudaram os que se aproximavam e convidaram-nos a participar de uma missa na capela de S. Jerónimo. “Isto é fazer o que Francisco sempre nos disse. Não esperar que as pessoas venham à Igreja, mas levar a Igreja às periferias”, disse Jaider.

Um grupo de voluntários da Jornada Mundial da Juventude que vivem ali acompanhou-os todo o caminho. Muitos deles inscreveram-se para oferecer as suas casas para hospedar os peregrinos da JMJ. Mas sentiram-se desiludidos ao ver que nenhum dos inscritos quis alojar-se na favela. Os amigos de Francisco, depois de celebrarem uma missa na capela de S. Jerónimo, decidiram passar ali a noite. Hospedaram-se nas casas desses voluntários para poderem participar cedo na missa. E talvez, quem sabe, ter a possibilidade de saudá-lo como a um vizinho, numa vila de casas pequenas, mas onde o coração dos vizinhos está tão aberto como o deles…

(Fonte: La Nación, Buenos Aires)

Pai

Passa pelas ruas desta Favela. Caminha entre o povo, sem distância, sem medo. Abraça, beija, saúda. Toca a pobreza com as suas mãos e deixa as pessoas com o cabelo molhado pela chuva e olhos molhados de lágrimas. Transmite-lhes com a sua presença tão próxima: És importante, és filho de Deus… Porque faz isto, perguntaram-lhe os jovens da prisão em Roma a quem lavou os pés na Quinta-Feira Santa. “Porque Jesus mo ensinou”, foi a resposta simples.

Tocam a sua batina como aquela mulher tocou o manto de Jesus… com olhos cheios de esperança, enquanto o coro desta favela cantava com todo o fervor: “Francisco de Deus, vieste até nós… encontrámos um Pai…” É a experiência do Evangelho, disse o comentador da Rádio do Vaticano, e continua: “Deus fez-se um de nós… construiu a sua tenda entre nós…

A sua tenda da cultura de aliança. “Não posso afastar os meus olhos (cheios de lágrimas, claro). Há que vê-lo ao vivo”, escreve Carmen R. do Chile, e Tita A., da Áustria responde: “Carmen querida, acontece-me o mesmo, estamos chorando juntas ao ver tanto amor…”

É o que dá “saltar um pouco do protocolo” – “queremos chamar-lhe Pai, Pai Francisco” – disse o jovem casal da favela da Varginha.

Uma cultura de solidariedade

Francisco quis incluir esta visita no âmbito da sua viagem ao Rio para a Jornada Mundial da Juventude porque a sua essência de pastor, mais, de pastor “com cheiro a ovelha”, como ele mesmo o sugeriu recentemente, referindo-se às características dos sacerdotes e bispos, que devem caminhar com e no meio do seu rebanho”, disse o comentador da Rádio do Vaticano. “já há algum tempo que o Papa nos vem falando desse “tocar as chagas de Cristo”, “tocar a carne de Cristo”, nos doentes ( como o fez ao visitar o hospital de S. Francisco de Assis que se ocupa principalmente na recuperação de toxicodependentes e alcoólicos) e marginalizados, vítimas das injustiças sociais, como é o caso da pobreza, e que compõe todos os quadros possíveis dessas periferias existenciais às quais se refere o Bispo de Roma.”

É justamente na favela de Varginha onde pede com paixão uma cultura de solidariedade:

“E o povo brasileiro, especialmente as pessoas mais simples podem dar ao mundo uma valiosa lição de solidariedade, uma palavra – esta palavra solidariedade – tantas vezes esquecida ou omitida, porque é incómoda. Quase dá a impressão de uma palavra rara… solidariedade. Gostaria de fazer um chamamento a quem tem mais recursos, aos poderes políticos e a todos os homens de boa vontade comprometidos com a justiça social: que não se cansem de trabalhar por um mundo mais justo e mais solidário. Ninguém pode permanecer indiferente perante as desigualdades que ainda existem no mundo. Que cada um, segundo as suas possibilidades e responsabilidades, ofereça a sua contribuição para pôr fim a tantas injustiças sociais. Não é, não é a cultura do egoísmo, do individualismo, que muitas vezes regula a nossa sociedade, que constrói e leva a um mundo mais habitável; não é essa, mas a cultura da solidariedade; a cultura da solidariedade não é ver no outro um número, mas um irmão. E todos nós somos irmãos.”

E todos os que ardem pela aliança solidária, escutam…

Escreve Guillermo Ortiz, jesuíta como Francisco: “De regresso dos 200 Km que separam Aparecida do Rio, num ato que tão pouco estava previsto no programa inicial o Papa visitou os jovens em recuperação das drogas e álcool no Hospital S. Francisco de Assis da Providência de Deus. Ali abraçou longamente e com afeto dois jovens que deram testemunho da sua gratidão pelo caminho de saída do inferno da dependência que essa comunidade lhes ofereceu.

Desta maneira o Sucessor de Pedro executou já, no seu primeiro dia de atividade no Brasil, a dinâmica de vida da qual dá testemunho em cada um dos seus passos e à qual nos convida constantemente: ir do coração às periferias existenciais; da oração à carne de Cristo no que sofre; da fé forte à ação concreta, que termina por ser uma coisa só que não se pode separar.”

A medida da grandeza de uma sociedade
é determinada pela forma como trata o mais necessitado,
quem não tem mais nada a não ser a sua pobreza

Francisco


Video da visita ao Hospital Francisco de Assis

Video da  visita à Favela

Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal


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