Posted On 2013-07-09 In Vida em Aliança

À luz da fé

ROMA, VIS. Lumem Fidei, a primeira encíclica do Papa Francisco, foi publicada hoje, dia 5 de julho, bem na metade do Ano da Fé;  está datada de 29 de junho, festividade dos apóstolos Pedro e Paulo, primeiras testemunhas da fé da Igreja de Roma, à qual o Papa é chamado a confirmar os irmãos na unidade da fé de sempre.  “Aquele que crê, vê” – nesta expressão, “pode-se resumir o ensinamento do Papa Francisco nessa sua primeira encíclica.  Um texto que se situa dentro da perspectiva do binômio luz e amor.  A mensagem dessa encíclica é um caminho que o Papa propõe à Igreja para recuperar sua missão no mundo de hoje”, disse Mons., Fisichella, na apresentação.  “Sim, é verdade que a fé autêntica enche o coração de alegria e amplia a vida” – afirmação que une o Papa Francisco a Bento XVI – “a luz da fé nos leva a não nos esquecermos dos sofrimentos do mundo”; mais do que isso, nos abre “para uma presença que a acompanha, com uma história do bem que se une a toda história de sofrimento, para abrir nela um resquício de luz”.

Publicamos abaixo um simples resumo da primeira Encíclica do Papa Francisco – “Lumen Fidei” – publicada hoje, 5 de julho de 2013 e datada em 29 de junho do mesmo ano.

Lumen Fidei – À luz da fé (LF) é a primeira encíclica assinada pelo Papa Francisco.  Dividida em quatro capítulos, uma introdução e uma conclusão, a Carta – explica o Papa – se baseia nas encíclicas do Papa Bento XVI sobre a caridade e a esperança e realça o “valioso trabalho” realizado pelo Papa emérito, que já havia “praticamente completado” a encíclica sobre a fé.  A essa “primeira redação”, o Santo Padre Francisco acrescenta agora “algumas contribuições”.

A introdução (No 1-7) da LF esclarece as razões do documento: em primeiro lugar, recuperar o caráter de luz próprio da fé, capaz de iluminar toda a existência do homem, de ajudá-lo a distinguir entre o bem e o mal, especialmente em uma época como a atual, na qual o crer se contrapõe ao buscar e a fé é vista como uma ilusão, um salto ao vazio que impede a liberdade do homem.  Em segundo lugar, a LF – exatamente no Ano da Fé, 50 anos depois do Concílio Vaticano II, um “Concílio sobre a fé” – quer reavivar a percepção da amplitude dos horizontes que a fé abre, provando-a na unidade e na integridade.  A fé, de fato, não é um pressuposto que deve estar desconectado, mas, sim, um dom de Deus que deve ser alimentado e fortalecido.  “Aquele que crê, vê”, escreve o Papa, porque a luz da fé vem de Deus e é capaz de iluminar toda a existência do homem: procede do passado, da memória da vida de Jesus, mas também vem do futuro, porque nos abre novos horizontes.

O primeiro capítulo (8-22): E nós, que cremos, reconhecemos o amor que Deus tem para conosco (1Jo 4,16).  Referindo-se à figura bíblica de Abraão, a fé neste capítulo é explicada como “escuta” da Palavra de Deus, “chamado” para sair do isolamento de seu próprio eu – para abrir-se a uma nova vida e “promessa” do futuro, que torna possível a continuação de nosso caminhar no tempo, unindo-se assim fortemente à esperança.  A fé também se caracteriza pela “paternidade’, porque o Deus que nos chama não é um Deus estranho, mas um Deus que é Pai,  fonte de bondade, que é a origem de tudo e tudo sustém.  Na história de Israel, o contrário da fé é a idolatria, que dispersa o homem na multiplicidade de seus desejos e o “desintegra nos múltiplos instantes de sua história”, negando-lhe a espera do tempo da promessa.  Pelo contrário, a fé significa confiar-se ao amor misericordioso de Deus, que sempre acolhe e perdoa; que dirige “as voltas de nossa história”; significa disponibilidade para, uma vez ou outra, deixar-se transformar pelo chamado de Deus; esclarece que “a fé é um dom gratuito de Deus, que exige humildade e coragem para fiar-se e entregar-se para ver o caminho luminoso do encontro entre Deus e os homens, a história da salvação” (no 14).  E aqui está o “paradoxo” da fé: o voltar-se constantemente ao Senhor torna o homem estável e não o afasta dos ídolos.

A LF se detém, depois, na figura de Jesus, o mediador, que nos abre a uma verdade maior: a nós mesmos, manifestação do amor de Deus, que é o fundamento da fé:  “a fé se fortalece precisamente na contemplação da morte de Jesus”, porque Ele revela seu inquebrantável amor pelo homem.  Também como ressuscitado, Cristo é “testemunha fidedigna”, “digno de fé”, por meio de quem Deus realmente age na história e determina o destino final.  Porém, há “outro aspecto decisivo” da fé em Jesus: “A participação em seu modo de ver”.  A fé, de fato, não apenas olha para Jesus, mas também vê a partir do ponto de vista de Jesus, com seus olhos.  Usando uma analogia, o Papa explica que, como na vida diária, confiamos “na pessoa que sabe mais que nós – o arquiteto, o farmacêutico, o advogado – também na fé precisamos de alguém que seja fidedigno e perito nas ‘coisas de Deus’ e Jesus é ‘aquele que nos explica Deus’”.  Por isso, cremos em Jesus quando aceitamos sua Palavra, e cremos em Jesus quando o acolhemos em nossa vida e nos confiamos a ele.  Sua encarnação, de fato, faz com que a fé não nos separe da realidade, mas nos permita captar seu significado mais profundo.  Graças à fé o homem se salva, porque se abre a um Amor que o precede e o transforma a partir de seu íntimo.  “É aqui que se situa a ação própria do Espírito Santo: o cristão pode ter os olhos de Jesus, seus sentimentos, os seus sentimentos, a sua predisposição filial, porque é feito participante do seu Amor, que é o Espírito” (no 21).  Fora da presença do Espírito, é impossível confessar Jesus como o Senhor.  Portanto, “a existência de fé se converte em uma existência eclesial”, porque a fé é confessada dentro do corpo da Igreja, como “comunhão real dos crentes”.  Os cristãos são “um”, sem perder sua individualidade e, no serviço aos demais, cada um ganha seu próprio ser.  Por isso, “a fé não é algo privativo, uma concepção individualista, uma opinião subjetiva”;  a fé nasce da escuta e está destinada a ser anunciada e converter-se em anúncio.

O segundo capítulo (23-36): Se não acreditardes, não compreendereis (Is 7,9).  O Papa demonstra a estreita relação entre fé e verdade, a verdade fidedigna de Deus, sua presença fiel na história.  “A fé, sem verdade, não salva” – escreve o Papa.  “Seria uma linda fábula, a projeção dos nossos desejos de felicidade”.  E hoje, por causa da “crise da verdade em que nos encontramos”, é mais necessário do que nunca acentuar essa conexão, porque a cultura contemporânea tende a aceitar apenas a verdade tecnológica, tudo o que o homem pode construir e medir pela ciência e o que é “verdade porque funciona”, ou as verdades do indivíduo, válidas apenas para si mesmo e não a serviço do bem comum.  Hoje se olha com receio para a “verdade maior, a verdade que explica a vida pessoal e social em seu conjunto”, porque se associa erroneamente essa verdade às verdades exigidas pelos regimes totalitários do século XX.  Isto, com certeza, implica no “grande esquecimento vigente em nosso mundo contemporâneo” que – em benefício do relativismo e temendo o fanatismo – se esquece de perguntar sobre a verdade, sobre a origem de tudo, sobre a pergunta a respeito de Deus.  A LF enfatiza o vínculo entre fé e amor, entendido não como “um sentimento que vai e vem”, mas como o grande amor de Deus que nos transforma interiormente e nos dá novos olhos para enxergar a realidade.  Sim, pois a fé está ligada à verdade e ao amor; então, “amor e verdade não podem ser separados”, porque apenas o verdadeiro amor resiste à prova do tempo e se converte em fonte de conhecimento.  E uma vez que o conhecimento da fé nasce do amor fiel a Deus, “verdade e fidelidade caminham juntos”.  A verdade que nos abre à fé é uma verdade centralizada no encontro com o Cristo encarnado que, vivendo entre nós, nos tocou e nos deu sua graça, transformando o coração de cada um de nós.

Aqui o Papa abre uma ampla reflexão a respeito do “diálogo entre fé e razão”, sobre a verdade no mundo de hoje, que, muitas vezes, vê reduzida a sua “autenticidade subjetiva”, porque a verdade comum dá medo, se identifica com a imposição intransigente do totalitarismo.  Pelo contrário, se a verdade se encontra no amor de Deus, então não é imposta com a violência, não esmaga o indivíduo.  Por isso, a fé não é intransigente, aquele que crê não é arrogante.  Pelo contrário, a verdade torna-o humilde e conduz sua convivência e o respeito pelo próximo.  Disso se compreende que a fé leva ao diálogo em todos os âmbitos: no campo da ciência, já que desperta o sentido crítico e amplia os horizontes da razão, convidando-nos a olhar com assombro a Criação; no encontro entre religiões, no qual o cristianismo oferece sua contribuição;  no diálogo com os não crentes que não deixam de buscar, que “querem viver como se Deus existisse”, porque “Deus é iluminado, e se deixa encontrar por aqueles que o buscam com coração sincero”.  “Quem se põe a caminho para praticar o bem” – afirma o Papa – “se aproxima de Deus”.  Por último, a LF fala da teologia e afirma que é possível sem a fé, porque Deus não é um mero “objeto”, mas que é Sujeito que se deixa conhecer.  A teologia é a participação do conhecimento que Deus tem de si mesmo;  conclui-se que deve colocar-se à serviço da fé dos cristãos e que o Magistério da Igreja não é um limite à liberdade teológica, mas um elemento constitutivo, porque garante o contato com a fonte original, com a Palavra de Cristo.

O terceiro capítulo (37-49): Eu vos transmiti o que recebi (1Cor 15,3).  Todo o capítulo centraliza-se na importância da evangelização: quem se abre para o amor de Deus não pode reter esse presente para si mesmo, escreve o Papa;  a luz de Jesus resplandece no rosto dos cristãos e assim se difunde, se transmite, sob a forma do contato, como uma chama que se acende uma após outra, e passa de geração a geração, por meio de uma cadeia ininterrupta de testemunhos da fé.  Isso implica o vínculo entre fé e memória, porque o amor de Deus mantém unidos todos os homens através dos tempos e nos faz contemporâneos de Jesus.  Por outro lado, se faz “impossível cada um crer por conta própria”, porque a luz não é “uma opção individual”, mas que abre o eu para ‘todos’ e acontece sempre “dentro da comunhão da Igreja”.  Por isso, “quem crê nunca está sozinho: porque descobre que os espaços entre seu próprio ‘eu’ se ampliam e geram novas relações que enriquecem a vida”.

Existe, com certeza, um “meio particular” pelo qual se pode transmitir a fé: são os Sacramentos, que nos comunicam “uma memória encarnada”.  O Papa cita, em primeiro lugar, o Batismo – tanto das crianças como dos adultos, na forma do catecumenato – que nos lembra que a fé não é obra do indivíduo isolado, um ato que se pode cumprir sozinho, mas que deve ser recebida em comunhão eclesial.  “Ninguém se batiza a si mesmo”, diz a LF.  Além disso, como a criança que tem que ser batizada não pode professar a fé por si só, mas deve ser apoiada pelos pais e pelos padrinhos, segue-se a “importância da sinergia entre a Igreja e a família, na transmissão da fé”.  Em segundo lugar, a Encíclica cita a Eucaristia, “precioso alimento para a fé”, “ato de memória, atualização do mistério” e que “conduz do mundo visível ao invisível”, ensinando-nos a ver a profundidade do que é real.  O Papa recorda depois a confissão da fé, o Credo, pelo qual o crente não apenas confessa a fé, mas também se vê envolvido na verdade que confessa; a oração, o Pai Nosso, com o qual o cristão começa a enxergar com os olhos de Cristo; o Decálogo, entendido não como “um conjunto de preceitos negativos”, mas como “um conjunto de indicações concretas” para entrar em diálogo com Deus, “deixando-se abraçar por sua misericórdia”, “caminho da gratidão”, até a plenitude da comunhão com Deus.  Por último, o Papa destaca que a fé é uma porque um é “o Deus conhecido e professado”, porque se dirige ao único Senhor, que nos dá “a unidade da visão” e “é compartilhada por toda a Igreja, que forma um só corpo e um só Espírito”.  Uma vez que a fé é uma apenas, então tem que ser professada com toda sua pureza e integridade, “a unidade da fé é a unidade da Igreja”;  tirar algo da fé significa tirar algo da verdade da comunhão.  Além disso, já que a unidade da fé é a de um organismo vivo, pode assimilar em si tudo o que encontra, demonstrando ser universal, católica, capaz de iluminar e levar a sua melhor expressão a todo cosmos e a toda história.  Essa unidade está garantida pela sucessão apostólica.

O capítulo quatro (no 50-60): Deus prepara uma cidade para eles (Hb 11,16).  Esse capitulo explica a relação entre a fé o bem comum, o que conduz à formação de um lugar onde o homem possa viver junto com os outros.  A fé, que nasce do amor de Deus, fortalece os laços entre os homens e coloca-os ao serviço concreto da justiça, do direito e da paz.  É por isso que não nos afasta do mundo e não nos aliena do compromisso concreto do homem contemporâneo.  Pelo contrário, sem o amor fidedigno de Deus, a unidade entre todos os homens estaria baseada unicamente na utilidade, no interesse ou no medo.  A fé, em troca, capta o fundamento último das relações humanas, seu destino definitivo em Deus, e as coloca a serviço do bem comum.  A fé “é um bem para todos, um bem comum”;  não serve unicamente para construir o mais além, mas ajuda a edificar nossas sociedades, para que avancem rumo ao futuro com esperança.

A encíclica se centraliza, depois, nos âmbitos iluminados pela fé: em primeiro lugar, a família, fundamentada no matrimonio, entendido como união estável entre um homem e uma mulher.  Nasce do reconhecimento e da aceitação da bondade da diferenciação sexual e, fundamentada no amor de Cristo, promete “um amor para sempre” e reconhece o amor criador que leva a gerar filhos.  Depois, os jovens: aqui o Papa cita as Jornadas Mundiais da Juventude, nas quais os jovens mostram “a alegria da fé” e o compromisso de vivê-la de modo firme e generoso.  “Os jovens têm o desejo de uma vida grande” – escreve o Papa.  “O encontro com Cristo dá uma esperança sólida que não desilude.  A fé não é um refúgio para gente sem coragem, mas a dilatação da vida”.  E em todas as relações sociais: tornando-nos filhos de Deus, de fato, a fé dá um novo significado à fraternidade universal entre os homens, não tida apenas como mera igualdade, mas da experiência da paternidade de Deus, compreensão da dignidade única da pessoa em si.  Outra área é a da natureza: a fé nos ajuda a respeitá-la, a buscar  “modelos de progresso que não se baseiem unicamente na utilidade e no lucro, mas considerem a criação como um dom”; nos ensina a encontrar as formas justas de governo, nas quais a autoridade venha de Deus e esteja à serviço do bem comum; nos oferece a possibilidade do perdão que leva a superar os conflitos.  “Quando a fé esmorece, há o risco de esmorecerem também os fundamentos do viver”, escreve o Papa; se fizéssemos desaparecer a fé em Deus em nossas cidades, se enfraqueceria a confiança entre nós mesmos e ficaríamos unidos apenas pelo medo.  Por isso, não devemos deixar de confessar publicamente a Deus, porque a fé ilumina a vida social.  Outro âmbito iluminado pela fé é o sofrimento e a morte: o cristão sabe que o sofrimento não pode ser eliminado, porém que pode dar sentido, pode converter-se em ato de amor, de entrega confiante nas mãos de Deus que não nos abandona, e tornar-se, assim, “etapa de crescimento na fé e no amor”.  Ao homem que sofre, Deus não dá um raciocínio que explique tudo, mas lhe responde com uma presença que acompanha, que abre um resquício de luz na escuridão.  Nesse sentido, a fé está unida à esperança.  E aqui o Papa faz uma convocação: “Não deixemos que nos roubem a esperança, nem permitamos que esta seja anulada por soluções e propostas imediatas que nos bloqueiam no caminho,  que ‘fragmentam’ o tempo transformando-o em espaço”.

Conclusão (no 58-60).  Bem-aventurada és tu porque acreditaste (Lc 1,45).  Ao final da LF, o Papa nos convida a olharmos para Maria, “ícone perfeito” da fé porque, como Mãe de Jesus, concebeu “na fé e na alegria”.  A Ela se eleva a oração do Papa para que ajude a fé do homem, nos faça lembrar que aqueles que creem nunca estão sozinhos, e que nos ensine a olhar, enxergar, com os olhos de Jesus.

Tradução para o Português: Maria Rita Fanelli Vianna – São Paulo / Brasil

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