Posted On 2013-07-10 In Aliança solidária

Quem de nós chorou por esta tragédia e por outras como esta?

org. O Papa Francisco visitou no dia 8 de julho a ilha italiana de Lampedusa, ponto de chegada, há anos, de multidões de imigrantes e em cujas águas encontraram a morte dezenas deles. “Imigrantes mortos no mar, nesses barcos que, em lugar de terem sido uma via de esperança, foram uma via de morte. Desde que, há algumas semanas, soube desta notícia, infelizmente tantas vezes repetida, o meu pensamento focava-se nela continuamente, como um espinho que causa dor no coração. E então senti que tinha que vir aqui rezar hoje, e realizar um gesto de solidariedade, mas também para despertar as nossas consciências para que o que sucedeu não se repita. Que não se repita, por favor”, expressou comovido o Santo Padre na homilia da missa que celebrou no campo de desporto “Arena”.

Oferecemos em seguida uma ampla síntese da homília do Papa:

“Imigrantes mortos no mar, nesses barcos que, em lugar de terem sido uma via de esperança, foram uma via de morte. Desde que, há algumas semanas, soube desta notícia, infelizmente tantas vezes repetida, o meu pensamento focava-se nela continuamente, como um espinho que causa dor no coração. E então senti que tinha que vir aqui rezar hoje, e realizar um gesto de solidariedade, mas também para despertar as nossas consciências para que o que sucedeu não se repita. Que não se repita, por favor”.

O Papa agradeceu aos habitantes e às autoridades de Lampedusa a sua solidariedade com os imigrantes e, entre eles, saudou os muçulmanos que hoje começam o jejum do Ramadão, dizendo” A Igreja está ao vosso lado na busca de uma vida mais digna para vós e para as vossas famílias”.

“Esta manhã, à luz da Palavra de Deus que escutámos, gostaria de propor algumas palavras que chamem à consciência de todos, que levem a refletir e a mudar concretamente certas atitudes”.

“Adão, onde estás?” é a primeira pergunta que Deus dirige ao homem depois do pecado. “Onde estás, Adão?”. E Adão é o homem desorientado que perdeu o seu lugar na criação porque pensa que será poderoso, que poderá dominar tudo, que será Deus. E a harmonia quebra-se, o homem equivoca-se, e isto também se repete na relação com o outro, que não é já um irmão a quem amar, mas simplesmente alguém que incomoda na minha vida, no meu bem-estar. E Deus faz a sua pergunta: “Caim, onde está o teu irmão?”. O sonho de ser poderoso, de ser grande como Deus, em definitivo de ser Deus, leva a uma cadeia de erros que é uma cadeia de morte, leva a derramar o sangue do irmão! Estas duas perguntas de Deus ressoam também hoje, com toda a sua força. Tantos de nós, incluo-me também eu, estamos desorientados, já não estamos atentos ao mundo em que vivemos, não nos preocupamos, não protegemos o que Deus criou para todos e não somos capazes sequer de cuidarmos uns dos outros. E quando esta desorientação alcança dimensões mundiais, chega a tragédias como esta a que assistimos.”

“Onde está o teu irmão?”, a voz do seu sangue grita para mim, disse Deus. Esta não é uma pergunta dirigida a outros, é uma pergunta dirigida a mim, a ti, a cada um de nós. Esses nossos irmãos e irmãs tentavam sair de situações difíceis para encontrar um pouco de serenidade e paz; procuravam um lugar melhor para eles e para as suas famílias, mas encontraram a morte. Quantas vezes quem procura estas coisas não encontra compreensão, não encontra acolhimento, não encontra solidariedade! E as suas vozes chegam até Deus!… Ouvi, recentemente, um destes irmãos. Antes de chegarem aqui passaram pelas mãos dos traficantes, aqueles que se aproveitam da pobreza dos outros, essas pessoas para as quais a pobreza dos outros é uma fonte de lucro. Quanto sofreram! E alguns não conseguiram chegar”.

“Onde está o teu irmão?”. Quem é responsável por este sangue? Na literatura espanhola há uma comédia de Lope de Veja que narra como os habitantes da cidade de Fuente Ovejuna matam o Governador porque é um tirano, e fazem-no de tal maneira que não se saiba quem realizou e execução. E quando o juíz do rei pergunta: “Quem matou o Governador?” todos respondem: “Fuenta Ovejuna, Senhor”. Todos e ninguém! Também hoje esta pergunta se impõe com força: Quem é o responsável do sangue destes irmãos e irmãs? Ninguém! Todos respondemos da mesma maneira: não fui eu, eu não tenho nada a ver, serão outros, certamente eu não. Mas Deus pergunta-nos a cada um de nós: Onde está o sangue do teu irmão cujo grito chega até mim!”.

Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs?

“Hoje ninguém no mundo se sente responsável por isto; perdemos o sentido da responsabilidade fraterna; caímos na atitude hipócrita do sacerdote e do servidor do altar, dos quais falava Jesus na parábola do Bom Samaritano: vemos o irmão meio morto no caminho, talvez pensemos “pobrezinho”, e seguimos com a nossa vida, não nos compete; e com isso ficamos tranquilos, sentimo-nos em paz. A cultura do bem-estar, que nos leva a pensar em nós próprios, faz-nos insensíveis ao grito dos outros, faz-nos viver em bolhas de sabão, que são bonitas, mas não são nada, são a ilusão do fútil, do provisório, que leva à indiferença pelos outros, ou melhor, leva à globalização da indiferença. Temo-nos habituado ao sofrimento do outro, não tem a ver connosco, não nos importa, não nos preocupa!… A globalização da indiferença torna-nos “anónimos”, responsáveis anónimos e sem rosto”.

“Adão, onde estás?”, “Onde está o teu irmão?”, são as perguntas que Deus faz no princípio da humanidade e que dirige também a todos os homens do nosso tempo, também a nós. Mas gostaria que nos fizéssemos uma terceira pergunta: “Quem de nós chorou por esta tragédia e por outras como esta?”. Quem chorou pela morte destes irmãos e irmãs? Quem chorou por estas pessoas que iam no barco? Pelas mães jovens que levavam os seus filhos? Por estes homens que desejavam algo para manter as suas próprias famílias? Somos uma sociedade que esqueceu a experiência de chorar, de “sofrer com”: e a globalização de indiferença tirou-nos a capacidade de chorar! No Evangelho escutámos o grito, o pranto, o grande lamento: “É Raquel que chora pelos seus filhos… porque já não vivem”. Herodes semeou morte para defender o seu próprio bem-estar, a sua própria bolha de sabão. E isto continua a repetir-se… Peçamos ao Senhor que tire o que ficou de Herodes no nosso coração; peçamos ao Senhor a graça de chorar pela nossa indiferença, de chorar pela crueldade que há no mundo, em nós, também naqueles que no anonimato tomam decisões sócio económicas que permitem dramas como este”.

“Senhor, nesta liturgia, que é uma liturgia de penitência, pedimos perdão pela indiferença por tantos irmãos e irmãs, pedimos-te, Pai, perdão por quem se acomodou e se fechou no seu próprio bem-estar que anestesia o coração, pedimos-te perdão por aqueles que com as suas decisões a nível mundial criaram situações que levam a estes dramas”.

Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

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