Posted On 2013-03-24 In Vida em Aliança

É como um de nós…

ROMA, Pe. Mauricio Cox. A Providência quis que estivesse aqui em Roma devido a uns estudos de teologia, e assim viver de perto estes dias de intensa emoção e importância para a nossa Igreja. Na quarta-feira passada, depois das sete horas da tarde, assim que, na minha paróquia, vi pela televisão que saia fumo branco da chaminé do teto da Capela Sistina, peguei no meu guarda-chuva (já que tinha estado a chover todo o dia) e sai a correr para estação de comboios.

 

Como nunca tinha acontecido, cheguei em meia-hora a uma Praça de São Pedro, já repleta de gente. Ali, junto a mais de cem mil peregrinos vindos de toda a Roma bem como de tantos outros países, esperei com tensão e com profunda emoção que o novo Papa aparecesse na varanda para nos dar a sua bênção .

Sentia-se no ar, também no coração de muitos, que se esperava algo novo, diferente, desta eleição papal… e realmente assim aconteceu. O Espírito Santo voltou a agitar a Igreja; já o tinha feiro no dia 11 de fevereiro passado e voltou a fazê-lo em 13 de março, oferecendo-nos este Papa “procurado quase no fim do mundo” como o mesmo disse nas suas palavras de saudação ao povo de Roma e a todo o mundo.

Fiquei gelado quando escutei em latim o nome Georgium Marium Bergoglio, não acreditava… uns italianos que estavam ao meu lado ao ouvir o seu apelido, começaram a gritar: Bergoglio, Bergoglio, é um Papa italiano! Reagi espontaneamente e disse em voz alta com o meu fraco italiano: Não! É argentino, é o arcebispo de Buenos Aires… é latino-americano! Seguiu-se um silêncio um pouco incómodo para mim por estar em clara minoria, um jovem que ouvia com os seus fones a transmissão pela rádio, disse: É verdade, o Papa é argentino!

Com este gesto uniu a preocupação pela continuidade com uma promessa de novidade

A partir dali começaram os gritos, a emoção, a alegria por este novo Papa não europeu e que além disso, escolheu chamar-se Francisco, cujo nome expressa já todo um programa e que tantos sentimentos desperta não só nos italianos.

Mas a surpresa maior veio em poucos minutos, quando depois de aparecer na Loggia della Benedizione (a varanda da bênção) da Basílica de São Pedro, o novo Papa Francisco dirigiu-se a nós com toda a simplicidade e cordialidade: Irmãos e irmãs, boa tarde”. Estava profundamente emocionado, e ele próprio surpreendido com esta eleição que expressava por si só a universalidade da Igreja Católica.

Depois de agradecer pelo acolhimento, convidou-nos a rezar pelo bispo emérito de Roma, Bento XVI: “para que o Senhor abençoe e a Virgem o proteja.” Com este gesto uniu a preocupação pela continuidade com uma promessa de novidade.

O grande gesto de humildade

A seguir veio a sua mensagem de fraternidade, tão próprio do santo de Assis: “começamos juntos este caminho: bispo e povo; um caminho de fraternidade, de amor, de confiança entre nós. Rezemos sempre por nós: um pelo outro. Rezemos por todo o mundo, para que haja uma grande fraternidade.”

Estas palavras expressam a sua visão acerca da relação que deve existir entre o povo de Deus e o seu bispo, como também a sua preocupação em ampliar o nosso olhar e o nosso coração, convidando-nos a rezar por todo o mundo para que exista realmente uma grande fraternidade universal.

Mas o que mais me tocou e emocionou nesta noite, foi o facto de nos pedir, antes de nos dar a bênção, que rezássemos por ele para que o Senhor o abençoe: “a oração do povo, pedindo a bênção para o seu bispo.” Nesse instante fez-se um silêncio impressionante numa praça de São Pedro com mais de cem mil pessoas; foi um momento de fé profunda e intensa emoção, enquanto o Papa Francisco, num novo gesto de humildade se inclinava com grande respeito e devoção.

Ventos de mudança

Que maneira de começar o seu ministério petrino! Falando com palavras e com gestos muito eloquentes. Penso que não passou despercebido o facto de não colocar a cruz de ouro, como tantos outros gestos com os quais nos surpreendeu nestes primeiros dias do seu pontificado, que assinalam ventos de mudança e o anseio de renovação com a simples radicalidade do Evangelho.

Justamente, nestes dias depois da eleição, tenho estado a visitar as casas do setor pastoral onde vivo, dando a bênção da Páscoa às famílias nas suas casas, tradição de muitos anos na diocese de Roma. Em todas as casas que visitei, sem exceção, a reação foi a mesma: profunda alegria do povo cristão por este novo Papa e de muita esperança para a Igreja. Já se experimenta com alguém próximo, simples, de origem modesta: “É como um de nós”, diziam alguns.

A pobreza e a austeridade da Igreja

Como reflexão pessoal, resumo em três os grandes desafios que na minha opinião a Igreja deve saber enfrentar e responder ao mundo de hoje, e que o Papa Francisco encarna de maneira profética.

O primeiro é o da pobreza e austeridade da Igreja com vista à evangelização dos pobres e marginalizados da globalização. O nome que o novo Papa escolheu recorda-nos a alegria e o amor pelos mais pobres que animava Francisco de Assis e que foi até agora o centro da sua vida e preocupação como pastor da Arquidiocese de Buenos Aires.

Neste ponto, as suas palavras no dia de hoje no seu encontro com os representantes dos meios de comunicação, explicando a razão porque quis chamar-se Francisco, são muito eloquentes: “Francisco de Assis é para mim o homem da pobreza, o homem da paz, o homem que ama e cuida da criação; o homem que nos oferece este espírito de paz, o homem pobre… Ah, como desejaria uma Igreja pobre e para os pobres!”.

Ao escutar estas palavras esta manhã, foi inevitável a relação com aquelas proféticas palavras do nosso Pai Fundador, que há cinquenta anos, no final do Concílio Vaticano II, sonhava, como o Papa Francisco, com uma Igreja fraterna e ao mesmo tempo hierárquica, uma Igreja família, uma Igreja mais simples e próxima dos pobres: “Uma Igreja pobre capaz de renunciar à pompa, às formas exteriores que adotou na era constantiniana e as que adquiriu na época do renascimento, e uma Igreja amiga dos pobres. Uma Igreja que não procura privilégios sociais para os seus membros.”

Colegialidade

O segundo desafio é o da colegialidade; não se trata que a democracia chegue à Igreja, mas sim a convicção de fé segundo a qual o bispo é parte daquela comunhão de bispos que junto e sob a orientação do Sumo Pontífice, garantam a unidade da Igreja. Um papado sem colegialidade empobrece-se, e se bem que o Concílio Vaticano II fala de colegialidade, na prática todavia falta-nos percorrer caminho e crescer nesta colegialidade e participação.

Já a origem deste Papa fala-nos de um contrapeso, de uma “contracorrente” que vem da periferia para o centro da Igreja, um Papa “que vem do sul”, que traz uma experiência eclesial distinta e uma nova sensibilidade que se refletiu também nos gestos e palavras do Papa Francisco, no mesmo dia da sua eleição: “Este caminho da igreja de Roma, que é o que preside na caridade a todas as Igrejas.” Ocupa aqui, nesta frase, uma das definições mais antigas para se referir ao Papado, de S. Ignacio de Antioquia, que entende o primado do bispo de Roma não tanto como uma Primado de honra ou de jurisdição, mas sim como um serviço na caridade e garante de comunhão entre as Igrejas.

Unidade entre os cristãos e diálogo inter-religioso

Por último, unido a este segundo desafio, está o tema da unidade visível entre as outras igrejas cristãs e o diálogo inter-religioso, num mundo cada vez mais globalizado e interrelacionado. Aqui também, pela sua maneira de entender o primado e o seu chamamento à fraternidade mundial, parecem abrir-se espaços para novas aproximações e despertar novas esperanças de uma maior proximidade entre os cristãos e as outras religiões.

Apenas bastaram um nome e umas simples palavras para mostrar a Roma e ao mundo quem é o novo sucessor do apóstolo Pedro. Ao mesmo tempo, a Igreja Católica, através de um colégio eleitoral exemplarmente responsável, demonstrou ser capaz de uma eleição que entrará na história pela sua corajosa novidade.


Original: Espanhol – Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

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