Posted On 2015-02-18 In Francisco - Mensagem

“Possa o Povo de Deus encontrar sempre em nós a denúncia firme da injustiça e o serviço jubiloso da verdade”

FRANCISCO EM ROMA, org. O Papa Francisco criou no sábado, 14 de fevereiro, quinze novos cardeais eleitores e outros cinco não eleitores, a quem exortou a denunciar toda a injustiça e a praticar a caridade com magnanimidade e benevolência. O ritual realizou-se na basílica de São Pedro e participou o papa emérito Joseph Ratzinger, a quem Francisco abraçou ao iniciar a cerimónia. Depois da profissão de fé e do juramento da prática, o Papa entregou a cada um o barrete vermelho e o anel. Vários dos novos cardeais vêm da Igreja “pobre e para os pobres”. Um vem de Tonga, um arquipélago cuja existência está ameaçada pela mudanças climáticas. Vários vivem em lugares atormentados pela violência das drogas e do crime organizado. Outro representa uma diminuta e remota igreja que viu, em primeira mão, o drama mortal dos migrantes no Mediterrâneo. Muitos dos novos cardeais trabalham em ambientes que Francisco, que acolheu os pobres da Argentina como Arcebispo de Buenos Aires, conhece demasiado bem. O Arcebispo de David, Panamá, José Luis Lacunza Maestrojuan, trabalha com povos indígenas para os proteger de interesses mineiros. Alberto Suárez Inda, de Morelia, México vive num lugar atormentado pela violência dos cartéis da droga.

Texto completo do discurso do Papa:

 

Amados Irmãos Cardeais!
A dignidade cardinalícia é certamente uma dignidade, mas não é honorífica. Assim no-lo indica o próprio nome – «cardeal» –, que evoca a «charneira», a junção cardinal, principal; não se trata, portanto, de algo acessório, decorativo que faça pensar a uma honorificência, mas de um eixo, um ponto de apoio e movimento essencial para a vida da comunidade. Vós sois «junções cardinais» e estais incardinados na Igreja de Roma, que «preside à universal assembleia da caridade» (CONC. ECUM. VAT. II, Const. dogm. Lumen gentium, 13; cf. SANTO INÁCIO DE ANTIOQUIA, Carta aos Romanos, Prólogo).

Na Igreja, toda a presidência provém da caridade, deve ser exercida na caridade e tem como fim a caridade. Também nisto a Igreja que está em Roma desempenha uma função exemplar: assim como ela preside na caridade, assim também cada Igreja particular é chamada, no seu âmbito, a presidir à caridade e na caridade.

Por isso, penso que o «hino à caridade» da Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios (cap. 13) possa constituir a palavra-orientadora para esta celebração e para o vosso ministério, de modo particular para aqueles de vós que hoje passam a fazer parte do Colégio Cardinalício. E far-nos-á bem – a começar por mim e vós comigo – deixarmo-nos orientar pelas palavras inspiradas do apóstolo Paulo, nomeadamente quando refere as características da caridade. Venha em nossa ajuda, nesta escuta, a Virgem Maria, nossa Mãe. Deu ao mundo Aquele que é o «caminho que ultrapassa todos os outros» (cf. 1 Cor 12, 31): Jesus, Caridade encarnada. Que Ela nos ajude a acolher esta Palavra e a seguir sempre por este Caminho; nos ajude com a sua conduta humilde e terna de mãe, porque a caridade, dom de Deus, cresce onde há humildade e ternura.

São Paulo começa por nos dizer que a caridade é «magnânima» e «benévola». Quanto mais se amplia a responsabilidade no serviço à Igreja, tanto mais se deve ampliar o coração, dilatando-se de acordo com a medida do coração de Cristo. Amagnanimidade é, em certo sentido, sinónimo de catolicidade: é saber amar sem limites, mas ao mesmo tempo fiéis às situações particulares e com gestos concretos. Amar o que é grande, sem negligenciar o que é pequeno; amar as coisas pequenas no horizonte das grandes, porque «non coerceri a maximo, contineri tamen a minimo divinum est». Saber amar com gestos benévolos. A benevolência é a intenção firme e constante de querer o bem sempre e para todos, incluindo aqueles que não nos amam.

Depois, o Apóstolo diz que a caridade «não é invejosa, não é arrogante nem orgulhosa». Isto é verdadeiramente um milagre da caridade, porque nós, seres humanos (todos, e em todas as idades da vida), sentimo-nos inclinados à inveja e ao orgulho por causa da nossa natureza ferida pelo pecado. E as próprias dignidades eclesiásticas não estão imunes desta tentação. Mas por isso mesmo, amados Irmãos, pode sobressair ainda mais em nós a força divina da caridade, que transforma de tal modo o coração que já não és tu que vives, mas Cristo que vive em ti. E Jesus é todo amor.

Além disso, a caridade «não falta ao respeito, não procura o seu próprio interesse». Estes dois traços revelam que, quem vive na caridade, se descentralizou de si mesmo. A pessoa que vive auto-centralizada, inevitavelmente falta ao respeito e, muitas vezes, nem se dá conta disso, porque o «respeito» é precisamente a capacidade de ter em conta o outro, a sua dignidade, a sua condição, as suas necessidades. Quem está auto-centralizado, procura inevitavelmente o seu próprio interesse, parecendo-lhe isso normal, quase um dever. Tal «interesse» pode inclusivamente apresentar-se amantado com nobres revestimentos, mas por debaixo está sempre o «próprio interesse». Ao contrário, a caridade descentraliza-te, situando-te no único verdadeiro centro que é Cristo. Então, sim, podes ser uma pessoa respeitadora e atenta ao bem dos outros.

A caridade, diz Paulo, «não se irrita, não leva em conta o mal recebido». Ao pastor que vive em contacto com as pessoas, não faltam ocasiões para se irritar. E o risco de se irritar é talvez ainda maior nas relações entre nós, irmãos, embora tenhamos efectivamente menos desculpa. Também disto é a caridade, e só a caridade, que nos liberta. Liberta-nos do perigo de reagir impulsivamente, dizer e fazer coisas erradas; e sobretudo liberta-nos do risco mortal da ira retida, «aninhada» no interior, que te leva a ter em conta os malefícios recebidos. Não. Isto não é aceitável no homem de Igreja. Entretanto se é possível desculpar uma indignação momentânea e imediatamente moderada, não se pode dizer o mesmo do rancor. Que Deus nos preserve e livre dele!

A caridade – acrescenta o Apóstolo – «não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade». Quem é chamado na Igreja ao serviço da governação deve ter um sentido tão forte da justiça que veja toda e qualquer injustiça como inaceitável, incluindo aquela que possa ser vantajosa para si mesmo ou para a Igreja. E, ao mesmo tempo, «rejubila com a verdade»: é uma bela expressão! O homem de Deus é alguém que vive fascinado pela verdade e que a encontra plenamente na Palavra e na Carne de Jesus Cristo. Ele é a fonte inesgotável da nossa alegria. Possa o povo de Deus encontrar sempre em nós a denúncia firme da injustiça e o serviço jubiloso da verdade.

Por fim, a caridade «tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta». Temos aqui, em quatro palavras, um programa de vida espiritual e pastoral. O amor de Cristo, derramado em nossos corações pelo Espírito Santo, permite-nos viver assim, ser assim: pessoas capazes de perdoar sempre; de dar sempre confiança, porque cheias de fé em Deus; capazes de infundir sempre esperança, porque cheias de esperança em Deus; pessoas que sabem suportar com paciência todas as situações e cada irmão e irmã, em união com Jesus, que suportou com amor o peso de todos os nossos pecados.

Amados irmãos, nada disto provém de nós, mas de Deus. Deus é amor e realiza tudo isto, se formos dóceis à acção do seu Santo Espírito. Eis então como devemos ser: incardinados e dóceis. Quanto mais estivermos incardinados na Igreja que está em Roma, tanto mais nos devemos tornar dóceis ao Espírito, para que a caridade possa dar forma e sentido a tudo o que somos e fazemos. Incardinados na Igreja que preside na caridade, dóceis ao Espírito Santo, que derrama nos nossos corações o amor de Deus (cf.Rom 5, 5). Assim seja.

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