Posted On 2013-06-14 In Vida em Aliança

“Expliquem o que têm a explicar, mas sigam em frente… Abram portas, façam qualquer coisa aí onde a vida chama”

ROMA, mda. Quem é este Bergoglio que fala de forma tão simples e clara que todos podem entendê-lo? Quem é este Francisco que conversa sentado no meio de um círculo de pessoas, que fala com franqueza e honestidade, que não tem medo da verdade, e que fala do Espírito Santo como o aliado mais natural da sua vida? “É necessário deixar-se conduzir por Ele, mesmo que nos leve por caminhos novos; é necessário deixarmo-nos transformar por Ele para que o nosso anúncio seja sempre o da palavra acompanhada pela simplicidade da vida, do espírito de oração, da caridade por todos, especialmente pelos pequenos pobres; da humildade e do desapego de se si mesmo, da santidade de vida. “Há poucos dias, num encontro com a direção da Confederação Latino-americana e a Caribeña de Religiosas e Religiosos (CLAR), falou com franqueza e clareza – em plena sintonia com as suas pregações e audiências. Fala de renovação, de profecia, de humildade. Fala ao povo de Deus. Fala para todos nós.

Publicamos a nota que saiu em Reflexão e Liberdade (Chile) e Religião Digital (Espanha).

Foi um encontro histórico, sem precedentes. Pelo que se disse, e como se disse. Durante uma hora, Francisco dialogou com franqueza com a direção da Confederação Latino-americana e Caribeña de Religiosas e Religiosos (CLAR). Conversaram sentados em círculo, entre iguais, como nas primeiras Comunidades fundadas por Jesus… E o Papa foi sincero: falou da corrupção na Cúria vaticana, onde “há gente santa, mas também uma corrente de corrupção, também existe, é verdade… Fala-se do “lobby gay”, e é verdade, está lá”.

Clamou pela liberdade da vida religiosa – “expliquem o que têm que explicar, mas sigam em frente” – mostrou assim a sua preocupação por “certos grupos restauracionistas”; e reenvidicou o espírito da Aparecida: “Aparecida não terminou. Aparecida não é só um documento. Foi um acontecimento”.

Audiência com o Papa Francisco

Abram portas… abram portas!

Vão cometer erros, isso passa! Talvez até venham a receber uma carta da Congregação para a Doutrina (da Fé) dizendo que disseram isto e aquilo… Mas não se preocupem. Expliquem o que têm a explicar, mas sigam em frente… Abram portas, façam alguma coisa aí onde a vida clama. Prefiro uma Igreja que se equivoca ao fazer algo do que uma que adoece por se fechar em si mesma…

. (sobre a sua eleição) Não perdi a paz em nenhum momento, sabem? E isso não faz parte de mim, eu sou mais de me preocupar, de ficar nervoso… Mas não perdi a paz em nenhum momento. Confirma-me que isto vem de Deus…

. (ao refletir-se na esperança que nos trouxeram os seus gestos neste tempo, faz referência a ter ficado a viver em Santa Marta) … estes gestos… não vieram de mim…  eu não pensei neles. Não é que tenha traçado um plano, ou que tivesse concebido um quando me elegeram. Fi-los porque senti que era o que o Senhor queria. Mas estes gestos não são meus, Há Outro aqui… isso dá-me confiança…

Eu vim com pouca roupa, lavava-a à noite, e de repente acontece isto… Se eu não tinha nenhuma possibilidade! Nas apostas de Londres estava no 44º lugar, vejam bem, o que apostou em mim ganhou muitíssimo, claro…! Estes gestos não veem de mim…

.É urgente mudar. Não é notícia que em Ottaviano morra um idoso de frio durante a noite, ou que existam tantas crianças sem irem à escola, ou com fome, penso na Argentina… Pelo contrário, as principais bolsas do mundo sobem ou baixam 3 pontos e isso é um acontecimento mundial. Há que mudar! Não pode ser. Os computadores não foram feitos à imagem e semelhança de Deus; são um instrumento, sim, mas não mais do que isso. O dinheiro não é imagem e semelhança de Deus. Só a pessoa é imagem e semelhança de Deus. Há que mudar. Este é o evangelho.

Há que ir às causas, às raízes. O aborto é mau, isso está claro. Mas o que existe por trás da aprovação dessa lei, que interesses estão por trás disso… são às vezes as condições que impõem os grandes grupos para apoiarem com dinheiro, sabem? Há que ir às causas, não podemos ficar só pelos sintomas. Não tenham medo de denunciar… vão ter problemas, vai ser complicado, mas não tenham medo de denunciar, essa é a profecia da vida religiosa…

Partilho convosco duas preocupações. Uma é uma corrente pelagiana que existe na Igreja neste momento. Há certos grupos restauracionistas. Eu conheço alguns, recebi-os em Buenos Aires. E uma pessoa sente-se a voltar 60 anos atrás! Antes do Concílio… é como se estivéssemos em 1940… Uma anedota, só para ilustrar, não é para rir, ouvia-a com respeito, mas preocupa-me; quando me elegeram, recebi uma carta de um destes grupos, e diziam-me; “Santidade, oferecemos-lhe um tesouro espiritual; 3.525 terços”. Porque não disseram rezamos por si, pedimos… E estes grupos voltam a práticas e a disciplinas que eu vivi – vocês não, porque ninguém é velho – a disciplinas, a coisas que nesses momentos se viviam, mas não agora, hoje já não são…

A segunda é por uma corrente gnóstica. Esses panteísmos… As duas são correntes de elite, mas esta é de uma elite mais formada… Soube de uma superiora geral que animava as irmãs da sua congregação a não rezar de manhã, mas a tomar um banho espiritual no cosmos, coisas assim… Preocupam-me porque estão longe da encarnação! E o Filho de Deus fez-se carne da nossa carne, o Verbo fez-se carne! O que se passa com os pobres, as dores, essa é a nossa carne…

O evangelho não é a regra antiga, nem tão pouco o panteísmo. Se olhas para as periferias; os indigentes…; os drogados! O tráfico de pessoas… Esse é o evangelho. Os pobres são o evangelho…

. (ao refletir no difícil que é encarregar-se da Curia romana, e da comissão de cardeais que o apoiará, etc.) E, sim… é difícil. Na cúria há gente santa, de verdade, há gente santa. Mas também há uma corrente de corrupção, também existe, é verdade… Fala-se do “lobby gay”, e é verdade, ali está… vamos ver o que podemos fazer…

A reforma da Cúria romana é algo que quase todos os cardeais pedem nas congregações anteriores ao Conclave. Eu também a pedi. A reforma não posso fazê-la eu, estes temas de gestão… Eu sou muito desorganizado, nunca fui bom nisso. Mas os cardeais da comissão vão seguir com isso para a frente. Lá está Rodriguez Mardiaga, que é latino-americano, que tem a batuta, está Errázuriz, são muito organizados. O de Munique também é muito organizado. Eles vão conseguir fazê-la.

. Rezem por mim…  para que me engane o menos possível…

. Aparecida não terminou. Aparecida não é só um documento. Foi um acontecimento. Aparecida foi algo diferente. Começando porque não teve documento de trabalho. Teve contribuições, mas não um documento. E ao terminar tão pouco havia um documento, sim no penúltimo dia do fim tínhamos 2.300 “modos”…  Aparecida foi enviada à missão continental. Aqui termina Aparecida, no impulso à missão.

O que teve Aparecida de especial é que não foi celebrada nem num hotel, nem numa casa de retiros… celebrou-se num Santuário mariano. Durante a semana celebrávamos a eucaristia e estavam umas 250 pessoas, porque era um dia normal de trabalho. Mas aos fins-de-semana estava cheio…! O povo de Deus acompanhava os bispos, pedindo o Espírito Santo…

Eu via – nomeio-o a ele por que o sinto mais rígido, mais assim, é bom, mas é assim – via a João que saía, e as pessoas iam ter com ele, as crianças rodeavam-no, e ele saudava-os, e abraçava-os assim… Esse mesmo bispo depois votava. Não pode ter votado da mesma maneira do que se tivesse estado num hotel!

Tínhamos as salas de reuniões por baixo do Santuário. Assim as músicas de fundo eram os cânticos, as celebrações no Santuário… Isso permitiu algo muito especial.

. Há algo que me preocupa, embora não saiba fazer a sua leitura. Há congregações religiosas, grupos muito, muito pequenos, poucas pessoas, gente muito mais velha… Não têm vocações, talvez o Espírito Santo não queira que continuem, talvez já tenham cumprido a sua missão na Igreja, não sei… Mas estão aí, agarradas aos seus edifícios, agarradas ao dinheiro… Não sei porque isto acontece, não sei como lê-lo. Mas peço-lhes que se preocupem com estes grupos…  a gestão do dinheiro… é algo que precisa ser refletido.

Aproveitem este momento que vivemos na Congregação para a Vida Consagrada… É um momento de sol… Aproveitem. O Perfeito é bom. E o Secretário, que foi “lobbyado” por vocês! Não, na realidade, sendo o presidente da USG, o lógico era que fosse ele! Nada melhor…

Ponham todo o vosso empenho no diálogo com os Bispos. Com o CELAM, com as conferências nacionais… Eu sei que existem alguns que têm outra ideia da comunhão, mas… Falem, conversem com eles, digam-lhes…

Fonte: Religión Digital, Espanha/ Reflexión y Libertad, Chile. Com autorização dos editores.

Trad.: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

 

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