Pe. Enrique Grez, Madrid, Espanha •
O artigo da Wikipédia sobre Daniel Faria contém pouca informação. Além de uma fotografia, o seu nome completo e as datas de nascimento e morte, diz de forma concisa “ele era um poeta português”. Nada mais. Isto é tudo. —
Isto é tudo e não é. Nunca haverá um elogio melhor e uma definição mais apolínea para este poeta do que a do portal enciclopédico. E no entanto, por trás destas belas palavras, muitas outras permanecem na sombra. Daniel Faria viveu uma vida curta. Morreu de um acidente doméstico quando ainda era um jovem noviço beneditino. Tendo manifestado a sua vocação cedo, a sua formação estendeu-se para além das disciplinas clássicas do seminário.
O seu interesse pelo teatro, música, literatura e natureza complementou a sua inclinação para o sobrenatural de uma forma maravilhosa. Ele era também um grande amigo, dizem aqueles que o conheciam. E não admira, porque quando bebo os seus textos sinto que há alguém que me compreende. Recitar Faria é como ser escutado por ele. Tenho saudades dele.
Onde foram cozinhados todos estes condimentos? Nos seus versos delicados e sintéticos que alternam objectos arquetípicos muito simples: janelas, pedras e estrelas. Mas que também contêm caracteres bíblicos, partes do corpo e silêncios carregados. A sua poesia é simples mas não esquemática, vital mas não voluptuosa.
Daniel Faria foi um poeta português
Os seus textos são exóticos, conjugando palavras improváveis que não deveriam fazer sentido, e no entanto geram uma atmosfera com a qual é impossível não se identificar.
Homens que são como projetos de casas
Em suas varandas inclinadas para o mundo
Homens nas varandas voltados para a velhice
Muito danificados pelas intempéries
Homens cheios de vasilhas esperando a chuva
Parados à espera
De um companheiro possível para o diálogo interior
…
Homens tão impreparados tão desprevenidos
Para se receber.
Quem são estes homens e mulheres de quem Faria fala? Não somos todos nós? Não é a nossa caminhada por este mundo um pouco assim, um pouco desajeitada e à procura?
Mas os versos de Faria não se limitam às questões existenciais habituais. De vez em quando, ele abre uma janela de esperança, e a luz chega com generosidade e calma:
As mulheres aspiram para dentro
E geram continuamente. Transformam-se em pomares.
Elas arrumam a casa
Elas põem a mesa
Ao redor do coração.
Quem são estas mulheres e estes homens de quem Faria fala? Não somos todos nós? Não é a nossa aspiração um fole invertido que fertiliza e produz jardins interiores? A sua compreensão do coração, como um lugar habitado e pronto a servir, é a mais bela descrição do íntimo.
Enquanto continuo a ler Faria, penso na sua rica formação clássica, nas conotações cultas das suas metáforas, mas também na sua sabedoria de vida. Por vezes parece-me que ele era um homem velho, não por causa da sua amargura, que ele não a tem, mas por causa da sua apreciação sapiente dos processos interiores. Lembro-me, então, que ele morreu quando tinha apenas 28 anos de idade, e que tinha acabado de fazer a sua estreia como monge no mosteiro de Singeverga.
Daniel Faria foi um poeta português.
Ficha Técnica
TÍTULO: Poesía
EDITORIAL: Assírio & Alvim
EDIÇÃO: Vera Vouga
Original: espanhol (20/3/2022). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal