Posted On 2015-10-29 In Artigos de Opinião

A família está em crise

Sarah –Leah Pimentel – texto de uma palestra proferida numa paróquia na Cidade do Cabo •

A família está em crise. Estas palavras não são minhas. São palavras que o Papa Francisco disse várias vezes.

E podemos ver que é verdade. Nós apenas precisamos de olhar à nossa volta. Nenhum de nós fica insensível perante uma família em crise.

Para alguns, é a dor de um relacionamento rompido – um casamento que falhou, crianças que abandonaram e não querem nada a ver com os seus pais, irmãos que não se falam.

Para outros, é a confiança que acabou – através da infidelidade, abuso ou negligência, ou mesmo a incapacidade de amar.

Ferir

Há famílias que estão a sofrer por causa da separação. Talvez a guerra e as dificuldades económicas conduziram alguns de nós até aqui, e outros membros das nossas famílias a estarem espalhados por todo o mundo. Não importa quanto tempo passa, se é um ano ou quarenta anos, nunca deixamos de sentir a falta dos que estão longe. E nada pode substituir a presença física daqueles que amamos.

As dificuldades económicas colocam uma enorme pressão sobre as famílias. Desavenças sobre como gerir o dinheiro ou o sofrimento psicológico dos membros da família que não conseguem encontrar trabalho, o que é acompanhado pela raiva e perca de auto-estima, de não ser capaz de contribuir para o agregado familiar. E, muitas vezes, a família é a primeira a sofrer a vivência dessas frustrações.

Um apelo para a oração e ação

Sim, a família está em crise. Mas isso não deve ser um motivo de desespero. Em vez disso, é um apelo para a oração e ação. É por isso que estamos aqui reunidos esta tarde. Quando nós trazemos as nossas orações diante do Sagrado Coração de Jesus, rezemos pelas famílias. Rezemos pela vida familiar. Rezemos também pelo Sínodo sobre a Família que está a decorrer em Roma como nós já falámos. Bispos de todo o mundo estão reunidos no Vaticano para em oração olhar para a vida familiar e encontrar as melhores formas em como a Igreja pode apoiar todas as famílias. As decisões que tomarem irão focar as ações de cada paróquia, para que as paróquias sejam lugares de misericórdia e cura para as famílias que estão sofrendo. Eles também serão um suporte para as muitas famílias que, apesar de muitos desafios, são capazes de se amarem fiéis aos ideais de amor e vida familiar.

A mensagem do Papa Francisco às famílias

Talvez por isso, esta tarde, é bom refletir um pouco sobre algumas das mensagens do Papa Francisco às famílias. Todas as quarta-feiras, o Santo Padre encontra-se com os milhares de peregrinos que vêm à Praça de São Pedro, em Roma, e ele oferece uma breve catequese. Durante o ano passado, ele centrou-se na família.

Convido cada um de vós a ir ao site do Vaticano e ler estas audiências de quarta-feira[1]. Elas fornecem um mundo de discernimento e sabedoria para promover a boa vida familiar, bem como algumas das dificuldades que a família enfrenta hoje.

Esta tarde eu vou focar apenas algumas dessas mensagens,.

Na primeira catequese do ano, o Papa Francisco começou por olhar para o papel das mães. Ele elogia as mães, dizendo que elas são o “antídoto mais forte para a disseminação do individualismo egocêntrico”, porque, optando por dar a vida, as mães estão se concentrando em algo para além de si mesmas. As mulheres que se tornam mães têm que desistir de muitas coisas, mas fazem-no por amor incondicional para com o seu filho. Na verdade, diz o Papa Francisco, “sem mães a sociedade está desumanizada.” Rezemos para que toda a mãe possa realmente ser o centro da sua casa.

O Papa Francisco também expressou a sua preocupação de que nós nos tornemos uma “sociedade sem pais.” Ele observou que muitos males sociais estão diretamente ligados à ausência dos pais, que não estão presentes para transmitir exemplos e valores aos seus filhos. Apenas há alguns fins de semana atrás, eu ouvi jovens em Schoenstatt falar sobre os seus pais e como eles estavam gratos por terem pais que estavam presentes, que tiveram tempo para estar com eles e compartilhar as suas experiências de vida com eles. Hoje, vamos rezar pelos pais, para que eles tenham a coragem de estar presentes nas suas famílias e serem um exemplo de Deus, o Pai amoroso.

O Papa Francisco dedicou uma quantidade significativa de tempo com as crianças, dizendo que elas são sempre um presente. Elas carregam dentro de si as nossas memórias do passado e a nossa esperança para o futuro. Não é uma imagem bonita? Na sociedade estéril em que vivemos, muitas vezes ouvimos falar das crianças como sendo um fardo, mas o Papa Francisco descreve-as como um presente. Em muitas das nossas culturas africanas, ainda temos aquela sensação de que toda a vida é uma benção. Vamos trabalhar para preservar isso. A benção real é que as crianças revelam-nos um amor que é dado livremente. As crianças não fazem nada para “merecer” o amor, mas simplesmente a sua presença convida-nos a amar e cuidar delas.

As crianças são as primeiras a receber e a dar amor, mas elas também são as “primeiras vítimas” quando um casamento fracassa. O Papa Francisco incentiva os pais que se encontram nessa situação a não usar os seus filhos como peões na batalha de vontades entre os dois, mas que cada pai fale bem do outro na frente dos seus filhos. Isso é uma coisa difícil de fazer, mas é um bom conselho prático para tentar seguir, para que os nossos filhos não se sintam ressentidos.

É difícil crescer no ambiente de hoje, por isso rezemos para que cada criança que nasce possa crescer com uma boa estrutura de apoio em casa, que lhe permitirá navegar pelo mundo confuso da escola e na adolescência.

Quando falamos sobre a vida familiar, muitas vezes esquecemos os idosos. Eles são muitas vezes vistos como um fardo para a sociedade porque eles já não são produtivos. Mais uma vez, o Papa Francisco pede-nos para olharmos para a velhice de uma forma diferente, dizendo que “os idosos são uma riqueza que não deve ser ignorada.” Os idosos são o nosso banco de memória comum porque eles transmitem as nossas histórias de família e ajudam-nos a formar a nossa identidade. Eles também têm uma capacidade especial para orar. Eles têm tempo para orar muito pessoalmente por cada pessoa que lhes pede as suas orações.

Muitas das nossas comunidades eclesiais são em grande parte compostas por pessoas mais idosas. Demos graças porque eles estão tão dispostos a interceder por nós. E rezemos para que Deus vá respondendo às suas orações e sonhos secretos.

E no topo de tudo isto, o que sustenta a vida familiar? O que dá vida ao amor recíproco entre os esposos, entre pais e filhos, entre as diferentes gerações? O sacramento do matrimónio. O Papa Francisco diz que é preciso “repor o matrimónio e a família no lugar de honra.” Isto significa que numa cultura onde o casamento é visto como irrelevante e não permanente, os casamentos cristãos devem cada vez mais tornar-se um testemunho de “vocação radical” entre os dois esposos, porque no sacramento do sagrado matrimónio, o casal torna-se um “meio da benção de Deus e da graça do Senhor para todos.”

Como é que nós, como Igreja apoiamos famílias fortes?

Isto coloca-me uma questão que tem, cada vez mais ocupado os meus pensamentos recentemente, e é o foco do Sínodo a decorrer em Roma. Como é que nós, como Igreja apoiamos casamentos fortes? Como podemos apoiar a vida familiar? Os desafios que os casais e as famílias experimentam hoje são imensos. Encontram eles na Igreja um oásis, um lugar para reafirmar o valor de permanecerem casados e de continuarem a esforçar-se para serem famílias santas? Temos programas para as famílias? Como são acompanhados os casais recém-casados nesta decisão de mudança de vida que eles tomaram? Eu não estou a falar apenas dos cursos de preparação para o matrimónio. Os casais mais velhos que experimentaram as alegrias e os sofrimentos do casamento são os companheiros perfeitos para os casais jovens, porque eles viveram essa experiência na sua caminhada. A sabedoria dos que estão casados há 30 e 40 anos são uma grande riqueza que as paróquias podem aproveitar.

Temos programas para crianças e adolescentes fora do catecismo semanal que permita aos jovens conhecer outros jovens de valores semelhantes? Existe uma plataforma onde possam discutir os assuntos que estão a perturbá-los e receber conselhos de inspiração divina? Será que temos sessões práticas de formação para ajudar os pais a criar os seus filhos num ambiente cristão? Tomamos como certo que os pais sabem o que fazer, mas anos de catequese têm demostrado que os pais não estão nada confiantes quanto ao desempenho do seu papel na formação religiosa dos seus filhos.

Por isso, ao sairmos daqui hoje, continuemos a orar diariamente pelas famílias e pelas nossas próprias famílias. Elas precisam das nossas orações. Mas isto é tão importante como criar estruturas nas nossas próprias famílias e nas nossas comunidades paroquiais que nos permitam apoiar as famílias e como acolher as famílias que estão sofrendo e as que estão desfeitas, para que elas também possam receber a redenção de Cristo.

A Sagrada Família

Convido-vos a juntarem-se a mim numa breve reflexão sobre a Sagrada Família, que também experimentou as dificuldades da vida familiar.

Serei eu como Maria, que disse sim ao plano de Deus e abriu-se à vida, mesmo que isso significasse a morte da sua reputação e, possivelmente, do seu futuro casamento com José? Estou aberta à perspectiva de uma nova vida? Estou pronta para dizer sim à chegada de um novo filho, mesmo que as circunstâncias não sejam sempre ideais?

Serei eu como José, que em todas as coisas caminhava ao lado de Maria? Ele poderia tê-la deixado quando descobriu a sua gravidez, mas ainda assim ele teve a coragem de continuar com ela por toda a vida, incluindo o exílio no Egito e na pobreza de uma poeirenta cidade na Galileia? Terei a coragem de assumir a responsabilidade por aqueles que foram colocados sob os meus cuidados? Caminho ao lado de minha esposa e apoio-a em todas as coisas?

Somos nós pais como José e Maria? Muitas vezes nós não entendemos as escolhas que os nossos filhos fazem e às vezes perdemos-los no caminho para casa, ao regressar do templo. Confiamos que lhes temos dado a melhor educação que podemos e deixamos o resto nas mãos de Deus? Seremos capazes de sofrer como Maria quando ela estava ao pé da Cruz e viu o seu único filho morrer. Alguns de nós perdemos os nossos filhos. Seremos capazes de permanecer fiéis como Maria?

Será que a nossa família vive num ambiente de incerteza e de medo? Lembramo-nos que a Sagrada Família ouviu a voz do anjo num sonho e fugiu para o Egito para salvar o seu filho. Nós não podemos controlar o mundo ao nosso redor, mas é a nossa casa um refúgio seguro e um lugar de carinho? Escutamos a voz de Deus nos acontecimentos das nossas próprias famílias e, como a Sagrada Família, respondemos com fé de que Deus vai cuidar, mesmo nas circunstâncias mais terríveis?

Sou eu como o menino Jesus? A Bíblia diz-nos que Jesus, mesmo sendo o Filho de Deus, era submisso aos seus pais em todas as coisas. Escuto os conselhos dos meus pais? Tento o meu melhor para não lhes dar motivos de angústia? À medida que eles envelhecem, passo tempo com eles e preocupo-me com eles na sua velhice?

Sagrada Família, vivestes em tempos muito diferentes, mas reconhecemos que a vossa vida familiar não era perfeita. Mas mesmo assim confiastes que Deus iria guiar-vos em cada passo do caminho. Mostrai-nos como confiar no plano de Deus para as nossas famílias e ensinai-nos a sermos mais como vós. Ensinai-nos a amar incondicionalmente. Ensinai-nos como cuidar dos nossos filhos. Ajudai-nos a discernir como podemos tornar as nossas famílias em famílias santas que se destacam como um farol e são uma luz para um mundo que esqueceu o valor da família. Nós vos pedimos em nome de Jesus. Amém.

[1] A maioria também estão disponíveis no schoenstatt.org e num livro recentemente publicado pelo Vaticano
Foto: Quadro da Sagrada Familia na Igreja de Santa Maria da Trindade em Tuparenda, Paraguay – Santuario de Tuparenda – Equipa Comunicações
Original: inglês. Tradução: José Carlos A. Cravo, Lisboa, Portugal

 

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