Posted On 2015-09-09 In Comunicação

Do Concílio Vaticano II ao Papa Francisco: 50 anos de comunicação

VATICANO, Mons. Celli •

Há poucos anos atrás, não podíamos imaginar, com exactidão, a enorme evolução tecnológica que se produziu no âmbito da comunicação e, as mudanças que introduziu na nossa vida; hoje, é pertinente perguntarmo-nos se as novas tecnologias da comunicação estão, de verdade, ao serviço do Homem ou, se esta relação está a ser invertida.

Desejo partilhar uma reflexão geral que nos conduza à compreensão do processo que temos vindo a viver nas últimas décadas e, como reagiu a Igreja face às transformações da comunicação.

Um olhar retrospectivo

No final do ano 2013, celebrámos o 50º aniversário do Decreto Conciliar “Inter mirífica”, no qual era outorgada uma espécie de “cidadania” aos meios de comunicação que, eram reconhecidos como instrumentos importantes para a vida da Igreja; e, se instava os Pastores a utilizá-los com eficácia.

Contudo, na fase preparatória do Concílio Vaticano II, a comunicação não foi considerada como um horizonte estratégico para a Igreja ou para o futuro da Humanidade: das 9.348 propostas de temas para o trabalho do futuro Concílio, só 18 aludiam à comunicação. Foi o Papa João XXIII quem teve a ideia de introduzir o tema dos meios de comunicação na agenda conciliar.

Finalmente, o dito documento foi aprovado com 1.969 votos a favor e 164 contra (foi o documento que obteve o maior número de votos contra). No entanto, podemos afirmar que o nascimento desse documento foi providencial, já que, provocou um processo de assunção dos meios de comunicação social na vida da Igreja.

Este documento conciliar, entre outros, deu dois inequívocos mandatos: instaurou a Jornada Mundial das Comunicações e, ordenou que fosse posta em andamento a redacção de uma instrução Pastoral que, foi publicada em 1971 sob o nome de Communio et Progressio. É certo que, a relação entre a Igreja e a comunicação não passa pela publicação de documentos, mas este alinhamento de trabalho nasce da reflexão e do discernimento dos sinais dos tempos que, Teólogos, agentes da pastoral e comunicadores realizam para propôr um caminho e, não, outro.

Deste modo foi iniciado um processo de consolidação do interesse da Igreja pelos meios de comunicação, no qual a instituição eclesial já não se limitava a ser um censor, mas que, tentava motivar os Pastores a interessarem-se pela comunicação, conservando uma mentalidade aberta às oportunidades que os meios ofereciam no campo da evangelização.

Por um lado, manteve-se claro o princípio de que o primeiro meio de evangelização é o testemunho de vida, autenticamente, cristã; assim, afirmava Paulo VI em 1975: “Será pois, pelo seu comportamento, pela sua vida, que a Igreja há de, antes de mais nada, evangelizar este mundo; ou seja, pelo seu testemunho vivido com fidelidade ao Senhor Jesus, testemunho de pobreza, de desapego e de liberdade frente aos poderes deste mundo; numa palavra, testemunho de santidade”. (Evangelii Nuntiandi, 41)

Por outro lado, foi crescendo o interesse pelos aspectos técnicos da comunicação; os sacerdotes e agentes da Pastoral, em geral, começaram a assumir os mass media próprios da época dos anos setenta e oitenta, estimulados, também, pela célebre frase de Paulo VI:”A Igreja viria a sentir-se culpável diante do seu Senhor, se ela não lançasse mão destes meios potentes que a inteligência humana torna cada dia mais aperfeiçoados. É servindo-se deles que ela “proclama sobre os telhados”,(72) a mensagem de que é depositária. Neles encontra uma versão moderna e eficaz do púlpito. Graças a eles consegue falar às multidões”. (Evangelii Nuntiandi, 45).

Deste modo, toda a Igreja começou a usar os instrumentos de mass media, mas, concebendo-os como altifalantes através dos quais anunciava o Evangelho, com a convicção que, quanto mais meios de comunicação, mais ampla e mais eficaz seria a comunicação da Igreja; nasceu, também, o debate que, dura atá aos nossos dias, sobre se, é preferível ter meios próprios ou, estar presente nos meios católicos.

Expansão da web

Com a expansão e a globalização da Internet na década dos 90, o panorama mudou, radicalmente, e, já não haverá volta atrás. O fenómeno da globalização em todas as esferas da vida das pessoas ofereceu-nos desafios e oportunidades novos, face a uma nova realidade que, até então, não conhecíamos. O paradigma da comunicação na vida do ser humano transformou-se e, deixámos de falar de mass media ou de instrumentos, para entrarmos num ambiente de comunicação em que as novas tecnologias – em constante evolução – impregnaram e condicionaram a vida das pessoas dentro e fora da Igreja.

João Paulo II, ao início da década dos 90, indicou-nos que a Igreja assistia à “transformação da questão dos instrumentos de comunicação social”, que começavam a ser “concebidos como um ambiente que a Igreja está chamada a habitar e a evangelizar”. (Redemptoris Missio)

Lamentavelmente, em muitos âmbitos da Igreja ainda não se produziu essa mudança e, deu-se preferência ao entrincheiramento no velho sistema de usar os meios de comunicação como “altifalantes”. Mas, por mais que, se tenha projectado uma Pastoral da Comunicação, montando gabinetes de imprensa ou sites web, se a ideia da Igreja e a ideia da comunicação ainda pertencem ao passado, então, continuaremos a realizar uma Pastoral de conservação que usa uma linguagem muitas vezes incompreensível para a sociedade actual.

Só uma verdadeira atitude de abertura à conversão pastoral nos fará valorizar a comunicação como testemunho dialogante e respeitoso que, precisa, também, de espaços de formação. Um lindo itinerário deste processo eclesial – no âmbito das comunicações – está espelhado nas mensagens que os Papas nos ofereceram nas últimas décadas.

Em suma, o problema da comunicação na Igreja não está relacionado, em primeiro lugar, com a dotação de equipas técnicas ou instrumentos, mas, com a receptividade do novo contexto comunicacional e com as suas características de proximidade, rapidez, horizontalidade e interacção, entre outros.

Uma nova era de comunhão eclesial

Parece-me que, estamos todos de acordo no facto de o Papa Francisco ser um grande comunicador, mas, como é isto possível se, o Papa Francisco não dedica mais que 10 minutos aos jornais ou não vê televisão desde 1990?

Parafraseando o Pe. Rupnik teólogo e grande artista contemporâneo, podemos afirmar que estamos numa nova mudança de época e perante um tempo novo. Isto é, que o ciclo da modernidade como até agora a conhecíamos – impulsionado pelo intelecto e pela razão – mostra os seus limites; e, abre-se a um novo ciclo onde a cultura, a vida, o símbolo e a poética voltam a ter importância. Pensemos no crescente peso dos problemas da ecologia e da alimentação face à macroeconomia.

O Papa Francisco encarna esta tendência da época pós-moderna em relação à vida, a redescoberta irresistível do Homem liberto de abstrações e intelectualismos. As suas palavras que, nascem da interpretação dos sinais dos tempos, são tão importantes como os seus gestos.

O Papa Francisco encarna a resposta eficiente ao verdadeiro desafio da comunicação: não estamos perante um problema de meios ou de instrumentos, mas, de comunhão, proximidade, e, sobretudo, testemunho de Deus Misericordioso. E, isto não tem nada a ver com o adoçar a mensagem do Evangelho para o tornar mais próximo à sociedade; mas antes, o oposto, porque exige radicalidade na vivência cristã.

Hoje, a Igreja, perante a Comunicação, tem que ser capaz de recuperar o universo simbólico (Juan Día Bernardo: 2002), na capacidade criativa da palavra e no poder evocador da imagem que, oferecem possibilidades novas na regeneração de uma linguagem capaz de projectar nas culturas umas molas adequadas para a transformação do seu modo de percepção, pessoal e comunitária, da existência e da presença do Sagrado.

Arcebispo Claudio Celli

Presidente do Conselho Pontifício para as Comunicações Sociais

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Inter mirifica, testo completo

Original: spagnolo. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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