Posted On 2015-10-13 In Schoenstatteanos

Deus fala sempre primeiro. Ama sempre primeiro

ESPANHA, por Manuel de la Barreda Mingot •

Quando eu andava na escola, com uns doze ou treze anos, tínhamos um Diretor Espiritual muito peculiar. Sacerdote Jesuíta, o Pe. Xavier Ilundain, “premiava” o nosso comportamento na escola “deixando-nos” ir aos domingos à tarde a um lugar chamado Club Avance. Este Club Avance, sob a sombra da organização Fé e Luz da qual o Pe. Ilundain era Capelão, proporcionava uma tarde de lazer saudável a “chavales”, assim se chamavam, na altura, a portadores de deficiência mental e a “normais”, como continuamos a gostar de nos chamar; partilhando um tempo de festa, de alegria e de amizade. Naquele tempo não fazia ideia do que era Fé e Luz nem quem o tinha fundado. Muitas vezes ia mais pelas meninas que lá apareciam, amigas com as quais, pela idade, aspirava sempre a que fossem algo mais. Não uma, mas todas. Frequentei esse Clube durante cerca de cinco anos. Nenhuma daquelas meninas, que foram crescendo e tornando-se adolescentes, passou a ser algo mais, mas durante todos aqueles anos, Maria, a Mater foi trabalhando o meu coração para o que me esperava no futuro.

Lourdes

Uns anos mais tarde, comecei a sair com a minha atual mulher. Paradoxos do destino, ela também frequentou o Club Avance, apesar de não coincidirmos no tempo. A Mãe trabalhou de novo o meu coração e o de Lourdes, minha mulher, para que “algo” surgisse entre nós. E algo que também tinha a ver com o Club Avance.

Começámos a ir juntos à peregrinação com doentes ao Santuário de Nossa Senhora de Lourdes, em França, com a Hospitalidade Diocesana Nª Sra. de Lourdes da Arquidiocese de Madrid. Faço isto há muito tempo, apesar de ter faltado um ou outro ano, dentro de dois dias volto a ir a Lourdes com a Hospitalidade e dar-me-ão o distintivo de “25 anos” de assistência a peregrinações.

Casualidades da vida, ou melhor, “Deusalidades”, a minha mulher, como já disse, chama-se Lourdes e em Lourdes (França) foi onde se criou Fé e Luz em 1971.

Javier

Nos primeiros anos das nossas peregrinações a Lourdes, a então minha noiva e eu estávamos numa equipa que dava assistência a mães e aos seus filhos doentes, muitos deles portadores de deficiência mental e com muitas outras doenças. Começámos a estar com estas pessoas, num ambiente distinto do que pode ser a tarde de um domingo de festa. Começámos a conviver com eles. A Mater continuava a trabalhar.

Casámo-nos, tivemos primeiro uma linda menina, Isabel. Posteriormente um forte rapaz, Manuel. Logo depois, a minha mulher perguntou-me porque não adotávamos um menino com Síndrome de Down. Fiquei chocado. Rebelava-me interiormente perante a ideia de “hipotecar” a minha vida dessa maneira, mas algo no meu interior impedia-me de lhe dizer que não. Não lhe disse que não, mas tão pouco lhe disse que sim. E com a paciência própria de uma mulher, foi passando o tempo e de vez em quando recordava-me o assunto. A minha atitude e resposta sempre foram as mesmas, até que um dia me disse que tinha feito diligências para adotar um menino com Síndrome de Down e que dentro de poucos dias tínhamos a primeira entrevista para nos informarmos. Fiquei sem saber o que dizer, mas o “não” continuava sem sair da minha boca.

No dia 28 de dezembro de 1995 dissemos às nossas famílias, dia dos Santos Inocentes, de novo a “Deusalidade” e nove meses depois Javier entrava em nossa casa. Desde então a Mater, pela mão de Javier, não deixou de nos educar e cuidar e, sobretudo, de nos ensinar a conviver de igual para igual com uma pessoa, que, como dizia o Pe. Xavier acima referido, o gene a mais, o gene 21, deve estar cheio de amor e carinho. Dez anos depois nasceu a nossa quarta filha, Blanca.

Arca

Mas nós, por muito que estivéssemos em descoberta, não éramos, nem por sombras, os primeiros a fazê-lo. Em 1964, ano em que nasci, nova “Deusalidade”, um tal Jean Vanier, professor de filosofia depois de ter visitado um “manicómio”, como na altura se chamava, e ver as condições em que viviam os que ali estavam internados toma uma decisão que lhe mudará a vida. Decide levar para viver com ele dois internados com deficiência mental: Philippe e Raphael. Esta decisão não só mudou a sua vida e a de Philippe e Raphael, mas também a de milhares de pessoas distribuídas por 147 comunidades em 35 países, que durante estes 51 anos se foram criando. São as comunidades do ARCA. Estes pequenos céus na terra onde as diferenças das pessoas só acrescentam, não sobram e onde se valoriza cada qual pelo que é, um ser humano. Lares onde viver com os teus irmãos. Faróis que iluminam o mundo atual onde está a verdade de cada pessoa, na sua dignidade de Filho de Deus. Em 1971, Jean Vanier funda as comunidades Fé e Luz

A Fundação O Arca de Madrid

Uma dessas comunidades, ainda em estado muito inicial, está aqui em Madrid. Há cerca de 6 anos, uma pessoa de Schoenstatt, Araceli Moreno, convidou-nos para ir jantar a sua casa para nos propor este projeto e, entre outros, estava o Pe. P. Xavier Ilundain (já não falo mais da Deusalidade, mas…). Trinta e cinco anos depois voltávamos a encontrar-nos e com o mesmo fim, os portadores de deficiência mental. Mas não é um fim qualquer. O projeto do Arca a “FUNDAÇÃO O ARCA DE MADRID”, procura um espaço de convívio, um lar, onde todos, seja qual for a nossa saúde mental, possamos conviver como pessoas que somos. Seja louro ou moreno, tenha um gene a mais ou a menos, seja alto ou baixo, bonito ou feio, a única coisa que acontece, que deve acontecer, é enriquecer mais a relação, a convivência. Ver isto de outra maneira é empobrecer a visão que temos dos outros, empobrecer Cristo nos outros.

E é nisto que ando metido. Graças à ação da Divina Providência na minha vida, graças à Mater que desde pequeno me cuida, graças às portas abertas, às frestas que Deus me foi pondo no caminho e às pessoas que, se eu não me atrevia a passar, me empurravam, procuramos uma casa para poder abrir um LAR, onde nos relacionarmos, onde viver como uma família, como comunidade (nas comunidades do ARCA vivem em conjunto portadores de deficiência e voluntários) num espaço de liberdade, “de Liberdade”, respeitando a originalidade de cada um, enriquecendo-nos mutuamente e dando a mão a Cristo, porque se alguma coisa me ensinou o meu filho Javier nestes 19 anos, é que no seu rosto Cristo reflete-se de uma maneira muito mais clara do que em qualquer outro e que anda sempre de mão dada com a Mater.

www.larche.org

Original: espanhol. Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

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