A ALEGRIA NO TRABALHO, Carlos E. Barrio y Lipperheide •
Vivemos num mundo desenraízado, onde a cada dia nos sentimos mais sós e isolados dos outros. A crescente incorporação tecnológica no trabalho coloca-nos face a dispositivos electrónicos com os quais não podemos interagir humanamente, mas dos quais não podemos prescindir para levar a cabo as nossas tarefas. Além dessa relação Homem-tecnologia, há a crescente aceleração das actividades laborais que nos pressionam todos os dias, condicionando o nosso sucesso ou fracasso. —
Thomas L. Friedman diz-nos que “… não estar disponível para os amigos e a família, não encontrar tempo para o pôr-do-sol… cumprir as nossas obrigações zumbindo sem tomar fôlego conscientemente, tornou-se o modelo de uma vida de sucesso”.[1]
Esta corrida tecnológico-laboral pede-nos para estarmos sempre actualizados e, portanto, para vivermos permanentemente a aprender sobre as mudanças diárias que nos invadem e pressionam.
Parece que o nosso mundo económico e utilitário invadiu todas as nossas esferas humanas. Parar parece-nos improdutivo e por isso desvalorizamo-lo, perdendo assim o contacto com a nossa interioridade, as pessoas à nossa volta e a sensibilidade para captar o subtil e valioso que acontece a toda a hora à nossa volta.
Mas a verdade é que “… o homem está estruturado de tal modo que só encontra a sua plenitude no dom de si mesmo a uma pessoa, no dom de si mesmo a um eu pessoal”. [2]
Solidão na Hiperconectividade
Li no jornal La Nación (Argentina) um artigo que me impressionou. Segundo a jornalista Silvia Pisani, “6% da população europeia – cerca de 30 milhões de pessoas – não pode pedir ajuda a ninguém ou não tem ninguém com quem falar sobre os seus problemas pessoais, segundo dados oficiais do Eurostat”.
“A solidão será uma das novas epidemias para a Europa, dizem os demógrafos. Os casos de pessoas idosas com problemas de solidão tornaram-se tão graves nalguns países que os seus governos foram forçados a tomar medidas específicas. Na Grã-Bretanha – ainda dentro da UE – a Primeira-Ministra Theresa May foi recentemente forçada a criar um Secretariado para a Solidão”.
Fiquei muito impressionado ao tomar conhecimento da criação deste Secretariado. Além disso, diria que nunca me passou pela cabeça suspeitar que isto pudesse acontecer.
“Na Grã-Bretanha, o problema afecta nove milhões de pessoas. Desse total, 200.000 vieram a reconhecer que não tinham falado com ninguém “no decorrer de um ano”, de acordo com o estudo detalhado que levou à criação desta Secretaria … A pesquisa mostrou que os casos são mais frequentes nas grandes cidades.[3]
Esta informação contrasta com a “hiperconectividade” em que vivemos imersos, através das redes sociais, que paradoxalmente nos isolam numa relação individual com uma suposta comunidade virtual a que acedemos através das redes sociais. A conexão está na “matrix”[4] virtual mas não na vida real de relação.
Não podemos parar e ouvir
Na minha opinião, é um erro acreditar que esta pandemia começa quando uma pessoa termina a sua actividade laboral ao atingir uma certa idade, que é quando deixa de ser valiosa para o mundo produtivo, é descartada e retirada para o domínio da sua vida privada. Pelo contrário, o mundo do trabalho contemporâneo tende a ser solitário e individualista, desprovido de vínculos, levando-nos a uma progressiva fragmentação e atomização social, e deixando-nos à porta da depressão, por causa da perda do sentido da vida.
Segundo Byung-Chul Han somos trabalhadores “multitasking”, vivendo num mundo com “…excesso de estímulos, informações e impulsos”. (…) A cultura requer um ambiente no qual a atenção profunda seja possível. Isto, progressivamente, é substituído por uma forma completamente diferente de atenção, a hiperatenção. Esta atenção dispersa é caracterizada por uma mudança acelerada de foco entre diferentes tarefas, fontes de informação e processos.[5]
Neste mundo de actividade excessiva, é-nos muito difícil parar e escutar. “O dom da escuta fundamenta-se precisamente na capacidade de atenção profunda e contemplativa, à qual o ego hiperactivo já não tem acesso”.[6]
Tudo isto, está a levar-nos a uma solidão humana e produtiva, na qual não paramos para olhar e contemplar. Estamos a perder a nossa capacidade de nos relacionarmos com o humano. Nós, só nos conectamos com base na utilidade económica. A consequência necessária é o aumento do vazio, da depressão e da solidão em que vivemos. “O homem depressivo é aquele animal laborans que se explora a si próprio, a saber: voluntariamente, sem coerção externa. Ele é, ao mesmo tempo, carrasco e vítima (…) O excesso de trabalho e rendimento é aguçado e torna-se auto-exploração”.[7] Assim, de acordo com Byung-Chul Han, “O aumento excessivo do desempenho causa o ataque cardíaco da alma”.[8]
Lar para os outros
O que podemos fazer com esse vazio existencial, que nos levou a um mundo solitário, egocêntrico e narcisista?
A resposta mais certa que encontro é desenvolver a nossa capacidade de fortalecer os laços humanos de tal maneira que “… estarmos afectiva e espiritualmente um com o outro“.[9]
Poder estar “um com o outro” exige abrir o coração e estarmos dispostos a viver o mundo daqueles que nos rodeiam, com todos os seus anseios, dores e necessidades, o que nos chama a uma escuta empática, em que ao escutarmos, vivemos o que os outros sentem e necessitam, e nos tornamos um pouco “os outros”. Kentenich chama a isto “lar”.[10]
Ser “lar” para os outros. É um modo afectivo e espiritual de nos relacionarmos com os outros, no qual encurtamos a distância e nos deixamos afectar pelas suas vidas, acolhendo-as com todo o nosso ser no nosso coração.
Estou entusiasmado com esta definição mais ampla e abrangente de lar do que estamos habituados a pensar, que inclui todos os Homens nas suas relações e em todas as circunstâncias! Kentenich sustenta que “o lar é aquela porção do nosso ambiente vital, físico, psíquico e espiritual em que recebemos e damos abrigo e que é, por sua vez, um símbolo do abrigo em Deus”.[11] Este abrigo só é possível se formos capazes de fortalecer os laços e de nos aproximarmos daqueles que nos rodeiam.
A empresa, lar de relações humanas
Alguém poderá pensar que a minha proposta só pode aplicar-se à esfera pessoal e privada, mas não ao mundo do trabalho e dos empresários.
Penso que, pelo contrário, é decisivo e determinante incluir no âmbito laboral-empresarial. Caso contrário, a nossa resposta será direccionada exclusivamente para o mundo das nossas vidas privadas e seria parcial, mecanicista e não teríamos curado a forma isolacionista e utilitarista que temos de nos relacionarmos uns com os outros no trabalho.
Em linha com o recomendado, Enrique Shaw considera que a empresa deve ser como a “casa das relações humanas”.[12]
Ou seja, a empresa deve tender a gerar um clima em que possamos sentir-nos afectiva e espiritualmente um com o outro e não isolados e desconectados, sem que essa atitude nos leve a perder o objectivo próprio de uma empresa que é produzir bens e serviços.
Kentenich aponta esta doença contemporânea quando nos diz que “o desenraizamento do Homem de hoje é o resultado da falta de uma experiência de lar“. Mesmo que possua terra, casas, muitas vezes não tem lar, faltam-lhe estas vivências.[13]
Por isso “… a grande tarefa é gerar enraízamento, lutar pelo enraízamento em todas as frentes… Devemos preparar ao Homem uma casa no Homem e em lugares concretos”.[14] e estes lugares devem necessariamente incluir o ambiente de trabalho, para que a vida seja orgânica e integral.
Uma cultura de trabalho que una a eficiência e a rentabilidade à alegria, ao encontro e à criatividade.
Desenvolvemos uma visão tão marcadamente utilitarista da empresa que muitos pensam que a aplicação deste abrigo espiritual, levará à perda da sua rentabilidade e da devida exigência para atingir as metas propostas. Mas a realidade é muito diferente: é essa busca exclusiva por metas utilitárias a que deixa de fora do espírito dos seus membros o sentido comunitário de realizar uma tarefa comum e acaba afectando a empresa.
A empresa Google está atualmente a projectar uma nova sede. “A ideia é simples: em vez de construirmos edifícios de betão inamovível, vamos criar estruturas com blocos leves que se podem mover facilmente à medida que investimos em novas áreas de produtos”, escreveu David Radcliffe, vice-presidente do departamento de imobiliário da Google, no blog da empresa. “Grandes coberturas translúcidas cobrirão cada local, controlando o clima interior, mas permitindo a entrada de luz e ar. Com árvores, jardins, cafés e ciclovias a percorrer estas estruturas, o nosso objectivo é apagar a distinção entre edifícios e natureza“.[15]
Neste futuro ambiente de integração da natureza e do trabalho, as pessoas sentir-se-ão certamente mais à vontade, mas sentir-se-ão mais próximas, haverá mais encontros e menos solidão?
Antoine de Saint Exupéry assinala que ” Não se pode amar uma habitação sem rosto e onde os passos não têm sentido”. [16] Este é o grande desafio dos líderes contemporâneos: transformar a cultura do trabalho mecanicista, “multitasking”, sobrecarregada, que nos esgota e conduz à solidão e ao vazio existencial, para um trabalho que combina eficiência e rentabilidade com alegria, encontro e criatividade.
Acompanhemos as solidões da vida de hoje, trazendo a alegria que vem da aproximação, com o coração, de quem nos rodeia dentro e fora do nosso ambiente de trabalho, para aí gerarmos uma comunidade de corações.
Carlos E. Barrio y Lipperheide
6 de Julho de 2019
[1] Thomas L. Friedman. “Obrigado por chegar tarde” Editora Paidós (2018), pág. 16.
[2] José Kentenich. “O mundo dos vínculos pessoais”. Editora Nueva Patris-Herbert King (2015), pág. 255
[3] Silvia Pisani. La Nación 6 de Abril de 2019.
[4] Uso este termo para me referir ao filme de ficção científica “Matrix”, escrito e dirigido pelas irmãs Wachowski e protagonizado por Keanu Reeves, no qual a realidade da vida é confundida com o que supostamente se vive na rede criada através de uma conexão mental.
[5] Byung-Chul Han. “A sociedade do cansaço”. Editora Herder (2015), págs. 33-35
[6] Byung-Chul Han. “A sociedade do cansaço”. Editora Herder (2015), pág. 36
[7] Byung-Chul Han. “A sociedade do cansaço”. Editora Herder (2015), págs. 30 – 32
[8] Byung-Chul Han. “A sociedade do cansaço”. Editora Herder (2015), pág. 72
[9] José Kentenich. “Que surja o Homem Novo”. Editora Schoenstatt (1971), pág. 173
[10] José Kentenich. “Que surja o Homem Novo”. Editora Schoenstatt (1971), pág. 173
[11] José Kentenich. “Que surja o Homem Novo”. Editora Schoenstatt (1971), pág. 180
[12] Enrique Shaw. “Notas e apontamentos pessoais.” Editora Claretiana (2013), pág. 53
[13] José Kentenich. “O mundo dos vínculos pessoais. Editora Nueva Patris-Herbert King (2015), pág. 286.
[14] José Kentenich. “O mundo dos vínculos pessoais. Editora Nueva Patris-Herbert King (2015), pág. 286.
[15] Forbes México, 25 de Maio de 2019.
[16] Antoine de Saint Exupéry. “Cidadela”. Editora e Livraria Goncourt (1983), pág. 22.
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Original: espanhol (7/7/2019). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal