Posted On 2019-09-18 In obras de misericórdia, Projetos

A infância vulnerada: uma realidade em mudança

CHILE, Pe. Francisco Pereira •

Maria Ayuda, a obra fundada há 36 anos pelo Padre Hernán Alessandri, Padre de Schoenstatt, pôde experimentar nos seus centros e residências em todo o Chile, com o passar do tempo, a transformação da complexidade dos perfis das crianças e adolescentes que neles são acolhidos. Uma transformação não só porque as crianças já não chegam, apenas, por “pedido espontâneo”, isto é, pela vontade dos pais, mas também pela decisão de um Tribunal de Família, que é obrigado a retirá-las do seu ambiente familiar abusivo.—

Um nó crítico sem resposta

Estas crianças são vítimas de crimes graves que deixam marcas profundas na saúde psicológica e mental e requerem longos tratamentos com especialistas em psiquiatria infantil e adolescente, especialistas que hoje no Chile não estão disponíveis para elas através da saúde pública (o nosso SNS NT). Ou seja, os mais fracos da sociedade: as crianças abusadas e vulneráveis, com traços profundos na alma – geralmente ligados a uma falta ou dor emocional, que muitos especialistas hoje classificam como “transtorno de vinculações”, stress pós-traumático ou depressão grave, para citar alguns – não têm lugar na política pública de nosso país. E isto, como cidadãos e como cristãos magoa-nos e envergonha-nos. As dificuldades com que nos confrontamos  são, por vezes, geradoras de situações graves dentro de uma residência devido à tensão – por vezes insustentável – de uma crise comportamental, que põe em risco a própria criança com auto-agressões ou pôem também outras em risco. Quando vamos com essa criança às unidades públicas de saúde, enfrentamos uma realidade dolorosa vivida por todos os utentes do sistema de saúde. Por um lado, não há camas disponíveis naquele hospital, de modo que, após o horário laboral, a criança regressa à residência, com a atenção de um calmante do momento ou, após alguns dias é dada de alta à residência sem qualquer tratamento especializado, com uma próxima consulta daí a um a três meses a mais.

Quem se faz responsável?

Não é responsabilidade de uma instituição social que acolhe vítimas de graves violações de direitos, como Maria Ayuda, responder às necessidades que correspondem ao campo da psiquiatria e especificamente à área da saúde, uma resposta mínima se requer para que crianças e jovens possam recuperar das suas experiências e começarem a desenvolver as suas potencialidades.

Mesmo assim, em Maria Ayuda fazemos tudo, o humanamente possível, para dar respostas eficazes a estas complexidades (porque é a nossa vocação humana e cristã), criando espaços de bom trato, de familiaridade, de amor e também de espiritualidade, para o saudável desenvolvimento daqueles que acolhemos. Por esta razão, na maioria dos lugares damos prioridade às pequenas residências, o mais próximas possível de uma família, a fim de favorecer os ambientes íntimos e pessoais que qualquer criança sonharia ter.

Mas quando a realidade descrita acima nos ultrapassa, porque não podemos aceder ou garantir alguns cuidados de saúde mental eficazes, que na maioria dos casos não têm resposta ou são muito deficientes, é nossa obrigação elevar a voz, tanto ao Estado como à sociedade civil, especialmente às pessoas mais próximas de nós, e dar a conhecer este drama da infância vulnerada.

A experiência positiva de alguns casos encoraja-nos

Como este é o caminho que as nossas equipas percorrem com essas crianças, com um elevado grau de frustração, conseguimos, em muitos casos, face à resposta quase nula da saúde pública, financiar avaliações privadas de psiquiatras, com mudanças importantes, respondendo às necessidades da criança ou adolescente. Sabemos que esta forma de resolver não é extensível, para já, a todos, mas vemos que, com cuidados de qualidade e tempo, que dura mais de 15 a 20 minutos, é possível chegar a um bom diagnóstico.

Achamos que esta realidade não é apenas de crianças e jovens em situação de protecção, mas que ela faz parte da má resposta que a saúde mental tem no nosso país, onde é necessário não só rever as respostas que estão a ser dadas pelo Estado, mas também desenvolver uma política pública de prevenção, que não espera lamentar o aumento das taxas de suicídio, mas que promove espaços saudáveis de bem-estar físico e sobretudo emocional.

A tua contribuição profissional é uma resposta concreta

Enquanto a saúde pública não responder, apelamos à solidariedade concreta e eficaz das pessoas de boa vontade, especialmente dentro dos membros do Movimento, em cada cidade onde Maria Ayuda está localizada, de norte a sul do país, que podem oferecer, por exemplo, horas médicas, não só no campo da psiquiatria, mas em qualquer área da saúde, inclusive odontológica, e em tantas outras áreas quanto possível. Ou também um donativo em dinheiro, como uma contribuição para serem atendidos por um profissional. Desta forma, todos nos tornamos responsáveis por uma vida.

Maria Ayuda desenvolveu-se em 15 cidades à sombra do Santuário de Schoenstatt, vive de sua espiritualidade e carisma, e é uma oportunidade maravilhosa para todos os que se congregam ali para exercer a justiça e o amor feito trabalho concreto.

 

 

 

Fonte: Revista Vínculo, Chile

Original: espanhol (3/9/2019). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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