Posted On 2013-02-05 In Aliança solidária

Tentando levar um pouco de esperança

BRASIL, Pietro Marramarco Lovato. 27 de janeiro de 2013, 03 horas da manhã. Nessa hora, celulares começam a tocar em diversos locais da cidade., com notícias que pareciam irreais ou de mentira, ou pedidos desesperados por sinais de vida. Em 234 dos casos, a resposta “eu estou bem” não chegou aos pais, mães, irmãos, namorados ou amigos. Um incêndio que começou com o uso de um tipo de fogo de artifício e se propagou pela espuma altamente inflamável usada no isolamento acústico da boate Kiss, no centro de Santa Maria/RS, levou os mais de mil jovens universitários, militares, estudantes e trabalhadores ao desespero. A fumaça tóxica não deixou boa parte deles pegar fôlego na corrida até a única saída. A maioria se salvou e, entre eles, muitos ainda voltaram ao interior da boate para resgatar amigos e desconhecidos.

Essas vítimas vivenciaram a morte praticada nos campos de concentração, nas câmaras de gás. Cientistas já identificaram que o principal gás usado liberado pela combustão da espuma usada ilegalmente no isolamento acústico era o cianureto, o mesmo usado pelos nazistas. Outros jovens ainda foram alcançados pelo fogo. Já se espalham notícias de verdadeiros heróis, que deram a vida para salvar amigos e desconhecidos.

O domingo amanheceu com a cidade toda em prantos, estarrecida com uma tragédia que até agora parece ficção. As horas se arrastam desde então, e a cidade que era famosa pela alegria da juventude, pelos listões do vestibular, e pelas caras pintadas dos “bixos” passou o dia suplicando para que a lista dos mortos fosse menor do que realmente era, e cada família rezava para que os desaparecidos estivessem fora dessa lista: a salvo ou em algum hospital.

Proporcionalmente, o número de mortos na tragédia em Santa Maria é mais representativo que os mortos no 11 de setembro de 2001 em Nova York. Além dos 234 mortos ainda no domingo, na terça-feira faleceu ainda um jovem, de 21 anos, que estava internado em Porto Alegre. O seu irmão mais velho recém tinha sido enterrado.

Fazer uma missão como nunca havíamos feito antes

Fui acordado com meu irmão Giovanni abrindo a porta do quarto e falando que já haviam mais de 20 mortos num incêndio na boate Kiss, onde ocorria uma festa promovida por seis cursos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Foi na UFSM que meu pai, Thomé Lovato, se formou e hoje é professor e diretor do Centro de Ciências Rurais (o que mais perdeu alunos), e onde nós dois, eu e o Giovanni, estudamos. Por isso, a ansiedade era grande para saber de notícias dos nossos amigos e colegas. A cada contato feito, vibrávamos por saber que muitos deles não foram à boate por obra da Providência.

As notícias que vinham do rádio e da internet nos deixavam mais preocupados, pois os responsáveis pelo resgate falavam em pelo menos 200 mortos. A tensão tomou conta de todos nós, e às 11 da manha fomos ao Centro Desportivo Municipal (CDM) com o Fernando Henrique (Jumas SM) e meninas da Jufem para fazer uma missão como nunca havíamos feito antes: levar a Mãe Peregrina para confortar uma cidade inteira que chorava a perda de seus familiares, colegas e amigos. Algumas Irmãs de Maria também foram ao local e aos hospitais para rezar com as famílias.
Ao chegar, o clima era de guerra. Caminhões com os corpos das vítimas chegavam a todo momento, para serem identificados em um dos ginásios do CDM. Na rua, as famílias viviam um misto de esperança e desespero. Uns viam que seus entes não estavam entre os mortos, e outros se desesperavam ao reconhecê-los.

Iniciando as nossas orações, muitas pessoas começaram a se aproximar para compartilhar e reafirmar a esperança de que os mártires já estariam junto a Deus, e pedir força para os sobreviventes. A impressão era que a simples presença da Mãe de Deus no local estava ajudando a todos a entender e buscar forças para superar este momento de grande comoção. Na fila para o reconhecimento, os missionários abordavam as pessoas e se ofereciam para rezar junto. A emoção de todos era evidente, e algumas pessoas literalmente se agarravam à MTA. Às 14h30min, voltamos para nossas casas, pois neste dia iríamos comemorar os 25 anos de casados dos nossos pais. Meu outro irmão, Tobias, veio de Belo Horizonte especialmente para essa data, que ficará para sempre marcada em nós. Mas nem a presença de toda a nossa família, e a comoração ocorreram com a alegria característica de nossa cidade. Uma grande parte de nós se foi.

Desde então, o espírito santamariense adotou o silêncio como sua forma principal. Nas ruas, apenas o barulho dos carros. Na UFSM, apenas o barulho das ambulâncias com os feridos do Hospital Universitário é ouvido. Assim, a cidade vai lentamente cicatrizando as suas feridas, que marcou os corações de todos profundamente.

Cálices Vivos

Horas antes da tragédia na Boate Kiss, o Jumas Brasil encerrava a II Missão Cristo Tabor. Pela primeira vez, os quatro regionais puderam anunciar o Cristo transfigurado e glorioso, levando a Mãe Peregrina. O lema “O mundo todo é nosso Campo de Batalha” nos impulsionou a entregar tudo à Mãe de Deus, depositando nossos sacrifícios, alegrias e atos no Cálice que irá se transformar em Sangue de Cristo. Unidos pelo Sangue de Cristo a conquista do Cálice parece cada vez mais próxima. Ao mesmo tempo que nos aproximamos do nosso, um outro cálice, com o sacrifício de muitas vidas humanas e aparentemente maior que a capacidade de aguentá-lo, parece ter sido entregue a Santa Maria.

A tragédia nos leva a refletir sobre o que Deus poderia estar querendo dizer à cidade, cada um de nós e ao Jumas, com tantos jovens perdendo suas vidas em uma cidade universitária, que no próprio nome carrega a devoção a Maria como principal característica. Buscando entender à luz da Divina Providência os motivos disso tudo,  cito dois sinais que me ajudaram a compreender e achar um novo caminho, e que, de certa forma, podem ajudar-nos.

O primeiro é uma oração do Rumo ao Céu (589-599) e a letra da música “La Labor del Apóstol” do álbum Tiempo de Alianza, do Colégio Mayor Pe. Kentenich, que falam: Chegou a hora do teu amor!  O segundo, uma mensagem enviada terça-feira, pelo Sr. Ernest Brandstetter, Irmão de Maria, ao meu pai, que dizia: “Nós vamos em frente, apesar das dificuldades. Não, o Fundador diria, justamente por causa das dificuldades. Em outra linguagem: transformamos o negativo em positivo. Cristo usou a cruz de toda sua vida como instrumento da salvação”

Podemos levar a mensagem de Esperança e Ressurreição a todo o mundo

Através de grandes dificuldades, como as guerras, o exílio, a vida de nossos heróis, o Movimento provou ser uma obra de Deus. Nos seus pequenos instrumentos, que se consagraram inteiramente a Schoenstatt, a Mãe de Deus mostrou a força do seu Amor! O cálice desses jovens deve se transformar em impulso para que nós, Jumas Brasil, vivamos o nosso Ideal. Vinculados por Maria, podemos nos unir em oração pelas famílias e pelos que ainda lutam pela vida. Com o ardor pelo Cristo transfigurado, podemos levar a mensagem de Esperança e Ressurreição a todo o mundo. A preparação para o Ignis e para a Jornada Mundial da Juventude é uma grande forma de honrarmos essas pessoas que hoje intercedem junto a Deus por nós.

O espírito da Geração Missionária deve tomar conta de nosso ser e agir, e por meio desses acontecimentos, poderemos  fundar os próximos 100 anos de Schoenstatt. Que através de nossas vidas, possamos ser imagens do Cristo Tabor e conduzir Santa Maria e o mundo a uma Cultura da Aliança!

Fonte: www.jumasbrasil.com.br

0 Responses

  1. Ir. Neiva Fortaleza/CE says:

    Parabéns Pietro pelo emocionante relato e a bela missão realizada junto aos sofredores da tragédia! Deus continue abençoando vossa maravilhosa família. Felicidades ao casal pelo jubileu de prata matrimonial! E nossa oração pelo vovô Lovato que partiu para a eternidade. Seguimos confiantes no Ano da Fé!

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