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Posted On 2020-10-22 In Coluna - Ignacio Serrano del Pozo, José Kentenich

Contexto da descoberta e contexto da justificação no carisma de Schoenstatt

Ignacio Serrano del Pozo •

Quando os motivos do exílio do Pe. Kentenich são explicados, costuma-se pensar que a razão final para as medidas aplicadas tem relação com a incompreensão da mensagem profética do fundador de Schoenstatt por parte da Igreja Católica.  —

Eu, ao contrário, estou cada vez mais convencido de que, embora esta tese tenha algo de verdade, a razão fundamental para o exílio tem menos a ver com sua proposta carismática e mais com as ideias provocativas ou revolucionárias nas quais nosso pai fundamentou seus acertos ou suas descobertas: a crítica ao pensar mecanicista no bispado alemão, o apoio ao princípio paternal e os atos filiais de suas comunidades e a importância do subconsciente para o catolicismo. Não digo que esta provocação tenha sido desnecessária ou imprudente, mas acredito que deve ser feita uma distinção entre os fatos gerados pela proposta kentenichiana e a essência desta proposta em si. Para explicar isto, uma distinção tirada do campo da filosofia da ciência pode ajudar, como é a diferenciação entre o “contexto da descoberta” e o “contexto da justificação”.


A descoberta como fruto da casualidade ou da inspiração genial

Conta-se que o médico inglês Alexander Fleming descobriu o efeito antibiótico da penicilina por casualidade: observou que o fungo penicillium, que tinha crescido de forma espontânea em seu laboratório desordenado, era capaz de destruir o cultivo bacteriano no qual estava trabalhando. Ainda mais fortuita foi a descoberta do químico alemão August Kekulé, incapaz de resolver o mistério da estrutura molecular do benzeno, dormiu enquanto viajava em sua carruagem. No meio deste cochilo inesperado, Kekulé sonhou com uma corrente estranha de macacos dançarinos de mãos dadas e com uma cobra que devorava seu próprio rabo. Foi essa imagem onírica que, incrivelmente, permitiu-lhe resolver o enigma que até então o atormentava: a natureza das ligações de carbono.

Estes acontecimentos curiosos na história da pesquisa não só desafiaram a suposta linearidade lógica do método científico, como também provocaram uma distinção entre o “contexto da descoberta” e o “contexto da justificação”. Por um lado, estão os sinuosos processos biográficos, psicológicos e sociais que geraram determinadas ideias, eventos que bem poderiam ser casualidades acidentais ou inspirações geniais; e de outro está a capacidade de uma teoria corroborar sua veracidade ou provar sua eficácia perante a comunidade científica.

O que isso tem a ver com Schoenstatt ou com o Pe. Ketenich?   

O que isso tem a ver com Schoenstatt ou com o padre Kentenich? Parece-me que esta diferenciação entre um “contexto da descoberta” e um “contexto da justificação” pode ser iluminadora para distinguir entre aquelas intuições kentenichianas forjadas na polêmica com seus interlocutores ou em sintonia com os seus filhos espirituais durante o tempo das visitações e aqueles elementos carismáticos que permanecerão em Schoenstatt como um tesouro para a Igreja.

Três exemplos concretos

Kentenich

Explico com exemplos concretos. José Kentenich descobriu no relatório do visitador da diocese alemã de Tréveris, o bispo Bernhard Stein, a doença que corroía a cultura ocidental: o denominado pensamento mecanicista.  E, ao contrário disso, acreditou ter encontrado na cultura latina uma mentalidade orgânica saudável e original. O que aconteceria se, na verdade, não se considerasse Stein tão mecanicista como Kentenich imaginou ou se reconhecer que os latinos não se revelam tão orgânicos quanto nosso pai os idealizou? Acho que não aconteceria muita coisa. Pois este é o “contexto da descoberta”. O importante é que Schoenstatt contém uma mensagem que se justifica por sua verdade: existe uma mentalidade racional, idealista, separatista ou desintegradora que se instalou na cultura secular, impedindo a compreensão do cristianismo como um encontro pessoal com o Deus da vida e existe uma mentalidade orgânica, natural que pode compreender que as criaturas são uma expressão simbólica dos atributos do Criador.

Um segundo exemplo na mesma linha: a experiência do Pe. Kentenich com a incorporação das Irmãs de Maria à corrente do Jardim de Maria, bem como os atos filiais e atos de seguimento dos sacerdotes fiéis foi indispensável para que ele descobrisse que as pessoas precisam de experiências de paternidade sensível para restabelecer os processos de religação com Deus e achou que as próprias comunidades precisam recriar dentro delas um princípio paternal/maternal de condução. Isso significa que os atos filiais ou mesmo o princípio paternal tão questionado pelo visitador vaticano Sebastian Tromp são partes indispensáveis do carisma de Schoenstatt? Creio que não. A questão relevante está no fato de que em nossa espiritualidade as experiências de autoridade paternal sacerdotal e familiar experimentadas a partir da força do amor desempenham um papel indispensável, pois são elas que nos proporcionam raízes e a possibilidade de contato com um Deus pessoal. Quando faltam bons pais e mães no plano natural, é o próprio Deus que se ausenta e o mundo esfria.

Um terceiro e último exemplo: As experiências devastadoras das guerras mundiais e os campos de concentração permitiram que José Kentenich descobrisse a insuficiência de uma religião intelectual ou ritualista e a necessidade de um catolicismo que penetrasse nas esferas pré-conscientes ou esferas subconscientes. Nesta linha, as correntes da psicologia profunda dos anos 30 confirmaram ao fundador de Schoenstatt que era no mundo do subconsciente e na biografia dos primeiros anos de idade onde se desenvolvia grande parte da personalidade. Isso significa que nosso carisma está orientado por essas ideias freudianas tão questionadas pela Igreja pré-conciliar e tão criticadas por muitas correntes psicológicas atuais? Não acredito nisso. A proposta de Schoenstatt é por um homem cristianizado até as raízes mais profundas de sua personalidade, as quais podem ser denominadas esfera subconsciente na terminologia psicoanalítica ou “fibras do coração” na linguagem bíblica.

A verdade do carisma

Ao chegarmos a este ponto, alguém poderia salientar que minha distinção entre o “contexto da descoberta” e o “contexto da justificação” aplicada a uma espiritualidade como a de Schoenstatt não corresponde, pois acaba por arrancá-la de seu solo nutritivo, silenciando as vozes do tempo e da alma dos seus protagonistas, ficando apenas com alguns frutos ideais, mais do que com a corrente de vida que lhe moldou. Pode ser que, efetivamente, eu tenha exagerado com o propósito de clarificar a diferença entre as circunstâncias que deram origem a uma realidade e a questão da validade ou legitimidade dessa realidade. Mas acredito que essas diferenciações são úteis para separar o aspecto histórico que desencadeou as visitações e que provocou o exílio e a proposta evangelizadora de Schoenstatt e a mensagem do próprio Pe. Kentenich. Talvez possamos descobrir que o Santo Ofício também teve boas razões para questionar os fundamentos com os quais Kentenich sustentou parte de sua mensagem: seu diagnóstico do mecanicismo intra-eclesial partindo do relatório de Stein, sua defesa das práticas de filialidade ou sua insistência em noções freudianas. Mas estes pontos de conflito estão mais relacionados a questões causais contingentes e não contaminam a verdade de seu carisma.

Estou convencido de que Schoenstatt sobreviverá mais mil anos, mas não porque pudemos defender o contexto da descoberta. Este foi somente o impulso que a Divina Providência utilizou com José Kentenich para que ele levantasse sua voz profética – missão pela qual teve que pagar um preço alto. Schoenstatt sobreviverá, melhor dito, porque irá se revelar como um caminho privilegiado para reconduzir o homem a Deus. A verdade desta oferta carismática pode ser comprovada naqueles filhos que começaram a canonizar seu pai espiritual: José Engling, Karl Leisner, Ir. Emilie, Mario Hiriart, Hernán Alessandri, João Pozzobon e muitos outros santos silenciosos. Essa é a proposta que justifica nossa existência dentro da Igreja.

Schoenstatt schoenstatt.org

Original: Espanhol (21/10/2020). Tradução: Luciana Rosas, Curitiba, Brasil

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