Posted On 2020-07-31 In Coluna - Ignacio Serrano del Pozo, José Kentenich

Neste momento de balanço: unidos na verdade e no amor

Ignacio Serrano del Pozo, Chile •

Ainda não completou nem um mês desde que apareceu a polêmica reportagem na qual a historiadora e teóloga Alexandra von Teuffenbach denunciava ter encontrado documentos nos arquivos do Vaticano, os quais comprometiam a integridade moral do Pe. José Kentenich. Mas, para muitos de nós, pareceu-nos ter sido um ano completo, e ainda mais, caracterizado por desgaste emocional e discussão intensa. Também poderíamos admitir que nunca havíamos lido tão rapidamente tantos estudos, documentos ou cartas do Pe. Kentenich ou contra o Pe. Kentenich, nem refletido com tanto interesse sobre o conteúdo de certos episódios históricos, que até pouco tempo atrás, pareciam artigos de museu: a visitação apostólica de Stein e Tromp, o exílio em Milwaukee e a reabilitação que teria sido recebida por nosso Fundador pelas autoridades romanas. —

Mas temos que reconhecer que, junto com a sensação de redemoinho, o episódio von Teuffenbach expôs também nossos aspectos mais frágeis como família de Schoenstatt. Parece que é o que costuma acontecer nos momentos de crise que, frente à instabilidade, aparece o nosso pior. Gostaria de concentrar-me em três destes aspectos que nos convém corrigir, tendo em vista precisamente o fato de assumi-los como carga a transformar e instância de crescimento.

A falta de preparo para um escrutínio externo

Em primeiro lugar, acredito que esta crise de acusações nos mostrou que não estávamos preparados para um escrutínio externo ou para uma exigência por informação transparente. Se bem ao princípio sinalizamos que todos os documentos estavam arquivados como parte do processo de beatificação do Pe. Kentenich e que, por isso, haviam recebido seu nihil obstat, o assunto agora parece mais complexo, não só porque existe muita documentação arquivada no Vaticano que até agora não é conhecida, como também – e isso é o mais importante – nos demos conta de que no Movimento só contávamos com estudos fragmentados da história de Schoenstatt e que não tínhamos uma espécie de catálogo completo das obras do Pe. Kentenich, nem em papel, nem em formato digital. Os imensos esforços de estudiosos como a Ir. Herta Schlosser, o Pe. Paul Vautier e recentemente o Pe. Heinrich Hug para editar os textos do Pe. Kentenich, estavam voltados a produzir manuscritos para uso interno, inacessíveis para a maioria dos schoenstattianos, que só contávamos com alguns livros publicados e algumas poucas coleções de textos com estudos introdutórios para uso geral, como os Kentenich Reader ou Durchblick in Texten de Herbert King. Se a isso se soma o fato de que boa parte da informação a que temos acesso muitos de nós não procuramos ler, – escutamos a última palestra da Irmã de Maria que conheceu ao pai fundador ou à palestra do assessor que se deu ao trabalho de estudar um pouco mais, isso sem dizer que líamos uma cópia sublinhada de um antigo manual de formação -, o assunto da desinformação tem grande importância. Em termos escolares, poderíamos dizer que nesta prova em que nos colocou von Teuffenbach nos faltou material e estudo. Assim não é possível defender ao pai fundador, nem podemos dar testemunho de sua mensagem. Até os primeiros cristãos decidiram escrever o acontecimento da vinda de Jesus Cristo depois de “haver-se já informado minuciosamente de tudo desde o princípio” no dizer de Lucas (Lc 1,3).

A acentuação de um relato épico de Schoenstatt

Em segundo lugar, o que foi vivido nos mostrou que Schoenstatt ainda padece do peso do “exílio” ou um tipo de síndrome do exilado. Por razões que não vêm ao caso, vivi minha infância longe do Chile. Neste ambiente se podia observar dois fenômenos interessantes nos expatriados: a idealização do país abandonado em um relato mais mítico do que verdadeiro e um andar com cuidado para que não se descobrisse suas raízes e nem seu passado… Em Schoenstatt acontece algo análogo que tem marcado nosso discurso, especialmente o das gerações que nos precederam. Os 14 anos do exílio que viveu o pai fundador nos levou a olhar mais para trás do que para frente e nos empurrou a fazê-lo com o tom épico de uma vitima cujo desenvolvimento se viu truncado em uma terra estranha. É parecido com o lamento do povo hebreu cativo na Babilônia. Isto é importante ser considerado porque creio que as acusações de Alexandra von Teuffenbach não trouxeram à luz uma espécie de ocultamento ou engano de parte dos padres de Schoenstatt ou das Irmãs de Maria, como alguns pensam. Para isso teria que se supor uma intencionalidade de encobrir que, pelo menos eu, não posso acreditar que tenha existido. Mas, o que suas denúncias demonstraram, é que em Schoenstatt durante muito tempo se privilegiou o relato épico no que se refere às injustiças vividas por José Kentenich, e não o conhecer verdades incômodas e opacas. Assim, na recriação do passado, impôs-se mais a luta de um homem profeta que teve de enfrentar a incompreensão da Igreja pré-conciliar, do que a acusação que foi feita por um grupo de mulheres frente ao estilo de condução do fundador ou o conteúdo de um decreto administrativo assinado pelo Santo Ofício. Por isso nos dói tanto quando alguém começa a indicar aspectos menos glamorosos e mais humanos de nossa história.

A desconfiança entre as comunidades     

Em terceiro lugar, além da falta de preparo e de um excesso de épica, parece-me que os últimos fatos começaram a revelar outra de nossas debilidades como família, e talvez, a mais grave: a suspeita. E aqui não me refiro às tensões e ressentimentos que surgiram recentemente entre o grupo dos radicais que faz um chamado a uma cruzada por reconquistar o bom nome de Kentenich e o dos indignados que exigem transparência total “caia quem caia”. Refiro-me a essa falta de comunicação e de confiança que pulsa de forma subjacente e que se percebe entre a comunidade das Irmãs de Maria e o Instituto dos Padres de Schoenstatt, entre os que pertencem à União e os que compõem os Institutos, entre um Schoenstatt de elite e um que anda a pé ou entre o Schoenstatt alemão e o latino-americano, citando quatro tensões que nem sempre soubemos resolver de forma apropriada. Talvez seja só uma sensação pessoal, mas sinto que todos estes grupos se olham mutuamente agora como possíveis responsáveis por tudo o que está acontecendo, tentando elucidar por que von Teuffenbach causou tanto impacto.

 

Olhando para o futuro, cabe-nos perguntar agora que caminho seguir para que a crise vivida não nos destrua, mas sim que nos permita sair fortalecidos como Obra de Schoenstatt. Nesta mesma linha, e recolhendo as vozes de schoenstattianos de diversos contextos e muito mais lúcidos que eu mesmo, atrevo-me a propor três caminhos pelos quais se poderia transitar.

 

Coordenar um centro de documentação e estudo sobre Kentenich

Em primeiro lugar, algo prático: seria conveniente que a Presidência Geral pudesse coordenar um processo de abertura de toda a obra kentenichiana. Parece-me que uma espécie de centro de documentação e de estudo sobre José Kentenich, com uma biblioteca virtual na qual colaborem todas as comunidades, seria uma contribuição muito apreciada. Aí se poderia ter a obra completa na linha do pai fundador em alemão, seu idioma original (mais adiante com traduções a outros idiomas) e com prefácios e notas de esclarecimento realizadas por uma equipe multidisciplinar de estudiosos. Deste modo toda a Família saberia que a obra está disponível para quem a queira consultar. Neste sentido, não há como não celebrar a abertura dos arquivos das Irmãs de Maria, segundo decisão de sua Superiora Geral, assim como o esforço do Pe. Juan Pablo Catoggio, representando a Presidência Geral de Schoenstatt, por trazer à luz textos chaves com suas respectivas introduções.

Assumir a debilidade de nossa história

Em segundo lugar, algo mais espiritual: parece ser fundamental assumir – assim como muitos já repetiram – todas as luzes e sombras da biografia do Pe. Kentenich. Mas não só as dele, mas também de toda a Família. Nada mais saudável do que assumir nossas vergonhas e nossos limites. Toda história familiar tem aspectos que não nos deixam orgulhosos e há nomes que nos gostaria que fossem apagados, mas isso não pode ser feito e nem é conveniente fazer. Essa é a nossa história, sobre a qual Deus construiu grandes coisas, valendo-se de ombros frágeis de homens e mulheres concretas, na qual a existência de cada um tem sentido. Recordemos que inclusive a genealogia de Jesus que é referida pelos sinóticos inclui o nome de uma prostituta de Jericó (Raabe) ou de um politeísta como Taré, o pai de Abraão.

Unir-se na verdade e no amor

Em terceiro lugar e talvez o mais relevante, mas também o mais difícil, é que como família devemos nos manter unidos, sem dar espaço a querelas e intrigas que produzem tantas divisões. Entendo que há muitas desconfianças justificadas e, creio mais ainda, que muitas delas são de responsabilidade do próprio pai fundador, que disse a cada uma das comunidades que a mesma tinha o direito de primogenitura, que era sua predileta ou que ele teria pertencido a ela… No momento presente, devemos superar esta etapa, com oração e capital de graças; passaram-se os anos, crescemos e agora nosso “pai comum” precisa que estejamos unidos. Ele foi acusado e precisa do apoio articulado de todos os seus filhos. Além do que, esse foi seu pedido sacerdotal há 110 anos: “Concede, meu Deus, que todos os espíritos se unam na verdade e todos os corações no amor”.

Original: Espanhol (26/7/2020). Tradução: Luciana Rosas, Curitiba, Brasil

 

 

 

 

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