Posted On 2019-06-09 In Casa Mãe de Tuparendá, José Kentenich

Pedagogia Kentenichiana na periferia (4)

Pedagogía kentenichiana na periferia, Pe. Pedro Kühlcke •

Liberdade na prisão, isso é possível? Sim, disse o Padre Kentenich. E ele provou-o. Sim, diz o Padre Pedro Kühlcke e demonstra-o: na prisão para menores de Itauguá, a poucos quilómetros do Santuário de Tupãrenda. Talvez, schoenstatt.org, tenha feito, há alguns meses, a pergunta mais ousada: A pedagogia Kentenichiana na periferia é possível? Sim, responde ele, e demonstra-o na prisão para menores, nesta última parte da sua reflexão em relação à pedagogia das Vinculações e à pedagogia da Aliança. Se é possível nesta periferia, deve ser possível noutras também. E inclusivamente dentro de Schoenstatt. —

Publicamos esta contribuição num momento de alto risco económico para o excelente modelo da pedagogia Kentenichiana na periferia, este modelo que é a Casa Mãe de Tupãrenda, apelando à solidariedade dos schoenstatteanos em todo o mundo, a partir do vínculo de solidariedade e da Aliança Solidária. Vivamos a pedagogia Kentenichiana não só na periferia, mas também no centro, em Schoenstatt.

 

Pedagogia das vinculações

Vamos dar mais um passo! Pedagogia das vinculações: aqui está contido tudo o que falámos sobre o grupo, sobre a comunidade…No mundo actual, no qual vivemos, é muito difícil ser-se bons cristãos, guardar os mandamentos e ser-se filhos de Deus, quando estamos sozinhos e todos estão contra nós. É muito importante ter um grupo e poder perceber que não sou o único louco, diferente de todos os outros, mas que estamos a lutar juntos por estes ideais.

O que nos diz o Padre Kentenich?

“Compreendem o que se entende por pedagogia das vinculações? É uma pedagogia que presta minuciosa atenção à inculcação do organismo das vinculações na sua totalidade“. [1]

Qual é a totalidade deste organismo das vinculações? O Padre Kentenich continua a dizer: “Há um organismo natural das vinculações e um organismo sobrenatural.” Natural: tudo o que é deste mundo – sobrenatural: tudo o que tem a ver com o céu. “Além disso, podemos distinguir: primeiro; uma vinculação às ideias,  segundo; aos lugares e terceiro; às pessoas”. Num outro texto, o Padre Kentenich diz:

“De acordo com a intenção de Deus, uma criança deveria transformar-se, normalmente, num organismo de vinculações integral. Deve introduzir-se e enraízar-se em vinculações a lugares, pessoas e ideias”. [2]

Acho que este é o grande drama de hoje. Muitos nascem e crescem sem vinculações e, portanto, são incapazes de cultivar vinculações. Por exemplo, “amor de telenovela”: grande amor, juntos para sempre… Quanto tempo dura “para sempre”? Talvez seis meses, então “para sempre” acabou. Porquê? Porquê? Porque há muito instinto, há muito relacionamento físico, mas não há capacidade de vinculação… Nunca aprendi a vincular-me, porque ninguém nunca se vinculou a mim e eu ando pelo mundo como uma bola de borracha saltitando ou atirada para um canto. E no fundo da minha alma uma enorme solidão.

Então o Padre Kentenich diz que precisamos criar raízes. O que aconteceu com vocês na primeira vez que entraram aqui no Santuário de Tupãrenda? Alguns dos presentes respondem: fiquei impressionado; senti paz, tranquilidade; é um prazer estar ali; pude rezar como em nenhum outro lugar… É o que chamamos a “graça do acolhimento”. Entra-se no Santuário e é um prazer estar ali, posso rezar, posso pedir perdão, sinto uma coisa como o céu… É assim que começamos a  vincular-nos a este lugar lindo. E embora vivamos muito longe e tenhamos de apanhar o autocarro às 7 da manhã para não chegarmos atrasados à missa das 9, fazêmo-lo! Porquê? Porque quase sem nos darmos conta, começámos a vincular-nos a um lugar concreto onde nos sentimos em casa. Vinculação a lugares: que prazer é, quando sinto que encontrei um lar, o Santuário é o meu lar, é a minha casa, já não sou como uma pequena bola de borracha a saltitar pelo mundo.

Vinculação a ideias: “Quero ser um bom profissional, quero dar aos meus filhos a família que nunca tive, quero ser o melhor pai do mundo para os meus futuros filhos”. Para isso tenho uma ideia que me dá força, o meu Ideal Pessoal ─ tudo aquilo de que falámos antes.

E também a vinculação com as pessoas. Por exemplo: quando começamos a confessar-nos com um sacerdote concreto, e começamos a ter confiança, e sentimos como se o coração se abrisse, e que se pode dizer coisas que nunca se contaram, e que é um prazer falar com o Pe. Oscar [3], e vou falar com ele novamente, e começo a fazer um caminho e um seguimento: e enraízo-me. Um dos jovens na prisão disse-me com muita dor: “Eu amava a minha mãe mais do que a qualquer outra pessoa. Quando eu tinha 12 anos, a minha mãe morreu de cancro e eu fiquei sozinho. Mas eu tenho-a sempre no meu coração!” Depois da aceitação da dor e do alívio, pode explicar-se: “Nota que a tua mãe do Céu continua a cuidar de ti, e a tua mãe lá no Céu quer ter orgulho em ti”.

Esta vinculação a uma pessoa concreta, neste caso à mãe falecida, motiva-o a mudar e a fazer alguma coisa.

Eu diria também por experiência própria: uma das coisas que os rapazes mais valorizam na prisão é que vamos todos os sábados. Há mais de quatro anos que vamos para a prisão, sem perder um único sábado ─ com tempestade, com chuva, com calor, nas férias; às vezes falta um ou, outro não pode, mas todos os sábados estamos lá. E, claro, temos sempre de trazer lanches, guitarra e muitas coisas para partilhar. Às vezes temos e, outras não temos. Muitas vezes eu também vou durante a semana, porque nunca consigo dar vazão com a quantidade de rapazes que querem falar e confessar-se e, lá vem sempre a pergunta: “O que vão trazer no sábado para o lanche?” Aí eu costumo brincar com eles e dizer: “No sábado a gente vai trazer um biscoito de hatã [4] com nada mais que água , porque não há dinheiro”, e os miúdos riem-se.

Mas já aconteceu várias vezes terem-me respondido: “Não importa, Padre! Mesmo que não possam trazer nada, o importante é que venham.” Apesar de tudo o que muitos destes jovens já fizeram, são frequentemente muito tímidos. Mas às vezes, no final de nossa visita, alguém tem coragem de pegar no microfone e de nos dizer: “Quero agradecer-vos em nome de todos nós, porque vocês vêm sempre e não nos deixam sozinhos”.

Isto é pedagogia das vinculações: oferecer vinculações, dar amizade… conhecer os nomes! É difícil para mim aprender os nomes, e há muitos rapazes na prisão, e há sempre novos a chegar. Mas já decidi: tenho de aprender os nomes dos jovens! Quando, de repente, saúdo um deles e digo: “Olá, Victor!” ─ “Pa’i, che ndaha’ei Víctor!” [5], fica meio zangado, como pode ser que o Padre não saiba o meu nome? Tão importante é o conhecimento pessoal, a vinculação pessoal. É exactamente disso que o Pai fala com a pedagogia das vinculações.

Viram como é horrível quando temos uma reunião de grupo e três dos membros estão ausentes? “Não podemos fazer a reunião, porque faltam três! Para a próxima reunião temos que estar todos!” Porquê? Já existe um vínculo, precisamos de estar juntos. Mas depois eu digo, “Não, não temos que estar todos! Têm que estar aqueles que querem estar; e mesmo que faltem três, vamos ter a melhor reunião do ano e que a percam os três que não vieram! Um vínculo que não é dependência. Esta liberdade interior também é muito importante. “Somos um grupo de pessoas livres, que escolheram livremente ficar juntas! Às vezes, alguns escolhem livremente não vir mais, mas continuamos amigos e não nos zangamos.

Na pastoral prisional, e também aqui na Casa Mãe de Tupãrenda, sublinhamos sempre: a nossa própria liberdade interior é muito importante face aos jovens! A única coisa que podemos fazer é oferecer a nossa mão. Se o jovem quer agarrá-la, a decisão é dele. Se a volta a soltar, a decisão é dele. Se ele quer voltar às drogas, se quer perder-se e destruir-se, a decisão é dele. Mas se o rapaz voltar a aparecer e quiser agarrar a nossa mão de novo: aqui está a nossa mão! Pedagogia das vinculações, mas com muita liberdade interior.

O Padre Kentenich também fala do “organismo sobrenatural das vinculações”. Não me vou alongar sobre essa parte agora, porque já vos falei muito sobre a importância de tudo o que é religioso, “sobrenatural”, na prisão: confissões, sacramentos, missa dominical… Mas uma parte muito importante tem a ver com o último ponto da nossa palestra:

 

Pedagogia da Aliança

Bem, isto é-vos familiar a todos, com quem selamos a Aliança? Em primeiro lugar, com a Mãe de Deus, com Maria!

Na prisão, como vos disse, demos a Maria um título especial: Maria é “a mãe que não abandona”. Costumamos dizer aos jovens de lá: “Olhem para a vida de Jesus: Maria sempre esteve com o Seu Filho, nunca O abandonou. Quando nasceu, quando cresceu, quando o criou, quando O educou… Até quando teve que Lhe ralhar porque Ele ficou em Jerusalém sem sequer enviar uma mensagem por WhatsApp: ‘Mamã, eu fiquei no templo!” ─ reparem que Maria não teve nenhum problema em Lhe dizer: ‘O Teu pai e eu estivemos à Tua procura durante três dias’, mas sempre com muito amor, e também com firmeza. Também num dos momentos mais belos da vida de Jesus, quando esteve no casamento em Caná, uma grande festa: lá estava Maria. E, no momento mais difícil, quando ele estava a morrer na Cruz, e quase todos os seus amigos O abandonaram, lá estava a Sua mãe, Maria. Maria nunca abandonou o Seu Filho Jesus!”.

Os jovens na prisão adoram ouvir isto. Muitos deles sofreram muito abandono: o pai que nunca esteve presente; a mãe que foi para a Espanha para trabalhar e nunca mais voltou. Ou a mãe que se juntou com o namorado da ocasião, e com aquele “padrasto” o relacionamento não funcionou, então a mãe expulsou o filho de casa. Ou a mãe que morreu. Ou a mãe que era uma adolescente viciada em drogas quando teve o filho e nunca tomou conta dele. ─ Muita dor, muita ausência, muita solidão! Pedagogia de Aliança significa poder dizer-lhes: “Tu tens uma mãe no céu, uma mãe que está sempre lá, uma mãe que nunca te abandona! Todas as noites podes pedir-Lhe um abraço. E todas as noites e todas as manhãs podes pedir-Lhe para te educar para seres um bom filho de Deus. E podes sempre oferecer-Lhe o teu esforço para mudar: ‘Mãe Maria, hoje não vou ceder a nenhum dos meus vícios'”.

Quando os jovens finalmente saem da prisão, e alguns deles chegam à Casa Mãe em Tupãrenda, gostam muito de ir, às terças-feiras,  celebrar a Missa no Santuário. Uma terça-feira, não sei porquê, tudo se atrasou, e então eu disse: “Bem, não temos tempo para celebrar a Missa no Santuário, vamos rezar um pouco aqui na Ermida da Casa Mãe”. Um dos rapazes ficou quase zangado: “Não, não quero rezar aqui, quero ir ao Santuário”, e não rezou. Porquê? Porque nele havia crescido um vínculo com a Mãe de Deus no Santuário. Talvez estes rapazes nunca consigam selar, formalmente, a Aliança ajoelhados no Santuário, com um fato preto e a gravata vermelha da JM, mas há uma Aliança!

Pois bem, então, a pedagogia de Schoenstatt, é apenas uma teoria ? Ou vale a pena saber mais sobre ela? Tem algo a ver com a nossa realidade? O Padre Kentenich foi um génio? Coisas que ele dizia há 80 anos e mais, estamos a vivê-las hoje. Coisas que talvez ninguém antes dele as tenha explanado deste modo ─ e nós somos privilegiados em poder viver tudo isto! Então, quando vocês tiverem muito dinheiro e muito tempo, comprem este livro, os “Textos Pedagógicos”, estudem-no e apliquem a pedagogia do Padre Kentenich, vale a pena!

 

Transcripción de Tita Andras y José Argüello. Revisión y complementación de P. Pedro Kühlcke

[1] King, 443. Aqui também as duas citações seguintes
[2] King, 445
[3] Assessor da JM em Tupãrenda.
[4] Pão velho e duro
[5] “Eu não sou o Víctor!”

Original: espanhol (1/6/2019). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

Pedagogia Kentenichiana na periferia (3)

Pedagogia kentenichiana na periferia

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