Posted On 2015-03-03 In Francisco - Mensagem

Bergoglio não quis dar entrevista, mas me deu algo muito melhor

TIERRAS DE AMERICA/ALETEIA.org. Encontrei-me em Roma com o Arcebispo de Buenos Aires, o Cardeal Jorge Mario Bergoglio, no outono de 2005. Quando, por telefone, lhe pedi uma entrevista, ele me respondeu com amabilidade e, ao mesmo tempo, com firmeza. “Preferiria evitar a entrevista, mas podemos nos encontrar para conversar”, disse-me ele.

Marcamos a data em uma pensão para o clero, próxima do Vaticano, onde o cardeal se reuniria com outro bispo. Quando cheguei, tive a primeira surpresa: embora estivesse 15 minutos adiantado, o cardeal já me esperava no hall de entrada, lendo um pequeno livro que parecia ser de orações.

O cumprimento e o aperto de mãos foram cordiais e afetuosos. Seu sorriso claro e transparente me transmitiu confiança e entusiasmo; por um momento, pensei que me daria a entrevista.

Novamente recebi a mesma saudação cálida e afetuosa,porém, desta vez, do Papa Francisco, na manhã de 25 de dezembro de 2014, pouco depois de terminar sua mensagem Urbi et orbi, quando se retirava do balcão da Sacada da Basílica, onde tinha rezado pela paz no mundo.

O homem não muda

Naquela manhã, não pude evitar lembrar-me de 2005, mesmo que as circunstâncias fossem muito diferentes; porém, tive a sensação insólita que me fez pensar: muda a missão para a qual foi chamado, mas o homem não muda. Lembrei-me de algo que repetidamente um amigo judeu, que muito estima o Papa Francisco, me disse: “É um grande Papa e um grande sacerdote porque é um grande homem”.

Lembro que em nosso encontro de 2005, que durou quase meia hora, logo depois de nos cumprimentarmos e enquanto nos acomodávamos nas poltronas, o cardeal insistiu com suavidade que não queria nenhuma entrevista.

Depois veio a segunda surpresa, porque ele começou a me fazer muitas perguntas (que muito poucas vezes outros entrevistados tinham levantado, isso em meus muitos anos de serviço para o Programa Hispano-americano da Rádio Vaticano).

Estava muito interessado na pessoa que tinha diante de si e me perguntou, por exemplo, de qual país latino-americano eu vinha, por que eu estava em Roma, se era casado, quantos filhos tinha, se meus pais estavam vivos, como era meu trabalho…

Escutou minhas respostas, algumas lacônicas, com interesse e atenção; inclusive, chegou a me perguntar que idade tinham meus pais quando morreram e o qual era especificamente meu trabalho.

Era evidente que minhas respostas não ficavam no ar. Interessou-se, também, por minha saúde, brincando porque eu estava muito ‘fino’ e depois acrescentou: porque você sabe que muitas pessoas ‘finas’ são falsos magros. Eu também fui um falso magro durante muitos anos, terminou ele, sorrindo.

Odor de ovelhas

De repente, olhando-me quase com severidade, disse: Mas quais perguntas você quer me fazer? Lembro que lhe respondi em seguida: muitas perguntas, Eminência, mas uma muito especial… Gostaria que o sr. me explicasse uma expressão sua que sempre me fascina: “O pastor deve ter o odor de suas ovelhas!”

Sua resposta foi imediata: é algo que repito frequentes vezes aos meus sacerdotes, porque eles devem ter presente, em todos os momentos, que o Senhor lhes deu a missão de cuidar e guiar o rebanho. As ovelhas confiam e se deixam guiar apenas se reconhecem em seu pastor o que buscam e o que precisam.

Em 13 de março de 2013, em um breve comentário para a Rádio Vaticano, duas horas depois da eleição do Papa Francisco, contei esse fato interessante a uma colega que me entrevistava e a explicação de seu pensamento que depois, como se sabe, ele mesmo repetiu e desenvolveu em várias oportunidades.

Quando conversava com o Cardeal Bergoglio, há quase dez anos – eu tinha certeza de que ele falava para mim, pessoa que ele não conhecia e sem nenhuma importância nem título – ele o fazia com atenção e concentração. Seu olhar, vivo e penetrante, acompanhava o movimento de suas mãos, fortemente expressivas.

Enquanto o escutava, tinha uma sensação muito clara, e dizia para mim mesmo: ele fala para mim, e quer que o escute, porque está convencido da importância do que está falando.

Fiquei muito impressionado, porque raramente me tinha acontecido falar com uma pessoa que fizesse todo o esforço possível para fazer-se escutar; uma pessoa que, olhando nos olhos, lhe dedica totalmente seu tempo, mesmo que fosse pouco, com o objetivo de realmente comunicar algo, buscando compreensão e percebendo as reações de seu interlocutor.

Depois de se referir ao que chamou de “idolatrias de nosso tempo”, disse uma frase que me pareceu muito significativa: “Há uma grande necessidade de renovar a fé”. Quando lhe perguntei o sentido dessa frase, sua resposta foi peremptória: “Voltar para Jesus; como disse Paulo, ‘lembrar-se de Cristo’. É ele que reina sobre todas as coisas, e o faz da cruz. Se tiramos a Cruz, nada tem sentido”.

Enquanto pronunciava essas palavras com intensidade, tirou do bolso uma pequena cruz de madeira, e colocando-a em minhas mãos, disse: “Vem da Terra Santa”.

Artigo originalmente publicado por Tierras de América

Original: espanhol – Tradução: Maria Rita Fanelli Vianna – São Paulo / Brasil

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