Posted On 2014-09-03 In Francisco - Mensagem

Caminhar com o santo povo fiel de Deus

ARGENTINA/ROMA, mda. O então Arcebispo de Buenos Aires e primado da Argentina, Cardeal Jorge Mario Bergoglio, SJ, no domingo 2 de setembro de 2012, encerrou na UCA (Universidade Católica da Argentina) o Encontro de Pastoral Urbana da Região Buenos Aires, com o chamado para caminhar junto com o povo de Deus e a ter “uma ternura especial para com os pecadores, com os que estão mais distantes, fazendo-os compreender que Deus vive no meio no meio deles”. No encontro aconteceu o Seminário Latino-americano e Caribenho da Pastoral Urbana, organizado pelo CELAM; na referida data, houve a intervenção do Cardeal Bergoglio naquele encontro em Buenos Aires; publicamos a conferência daquele que hoje é nosso Papa Francisco e continua nos chamando para uma cultura do encontro.

Texto completo da homilia.

A escuta da Palavra me levou a três pensamentos: proximidade, hipocrisia e mundanidade.

A Primeira Leitura diz: “Por acaso existe uma nação tão grande que tenha seus deuses próximos delas, como o Senhor nosso Deus está próximo de nós?”

Nosso Deus é um Deus que se aproxima. Um Deus que se faz próximo. Um Deus que começou a caminhar com seu povo e depois se fez um de seu povo em Jesus Cristo, para tornar-se mais próximo. Porém, não com uma proximidade metafísica, mas com essa proximidade que Lucas descreve quando Jesus vai curar a filha de Jairo; as pessoas se espremiam até sufocá-lo, enquanto a pobre idosa, por detrás dele, queria apenas tocar a barra de seu manto. Com essa proximidade da multidão que, à entrada de Jericó, queria fazer calar o cego que gritava tentando ser ouvido. Com essa proximidade que animou esses dez leprosos para pedir-lhe que os curasse. Jesus estava entrosado com todos. Ninguém queria perder-se de sua proximidade, inclusive aquele homem que subiu ao sicômoro para vê-lo.

Nosso Deus é um Deus próximo. E é curioso: Ele curava, fazia o bem. São Pedro disse claramente: “Passou fazendo o bem e curando”. Jesus não fez proselitismo: acompanhou. E as conversas que tinha eram exatamente em razão dessa sua atitude de acompanhar, ensinar, escutar, até tal ponto que sua condição de não ser um proselitista o leva a dizer: “Se vocês também quiserem ir, podem ir agora, não percam tempo. Vós tendes palavras de vida eterna, nós ficamos”. O Deus próximo, próximo de nossa carne. O Deus do encontro que sai ao encontro de seu povo. O Deus que – vou usar uma palavra linda da diocese de São Justo: o Deus que se coloca para seu povo, em situação de encontro.

E, com essa proximidade, com esse caminhar, cria uma cultura do encontro que nos faz irmãos, nos faz filhos, e não sócios de uma ONG ou prosélitos de uma multinacional. Proximidade. Essa é a proposta.

A segunda palavra é hipocrisia. Chama minha atenção que São Marcos, sempre tão conciso, tão breve, tenha se alongado nesse episódio – e fique claro que na versão litúrgica está mais curto, porque é mais longo – parece que se zanga com os que se distanciam, com aqueles para quem a proximidade desse Deus, que vem caminhando com seu povo, que se fez homem para ser um mais e caminhar – tenha se tornado realidade, destilado as tradições que tinham, se convertido em uma ideia, um conceito puro e afastaram tanto as pessoas.

Jesus chama-os de prosélitos, de fazerem proselitismo. Vocês percorrem meio mundo procurando um prosélito e depois o matam com tudo isso. Afastaram as pessoas.

Àqueles que se escandalizavam quando Jesus comia com os pecadores, com os publicanos, Jesus disse: “os publicanos e as prostitutas procederão a vocês”, e estes eram os piores naquela época. São aqueles que clericalizaram – para usar uma palavra que se entenda – a Igreja do Senhor. Enchem a Igreja de preceitos e, com dor lhes digo, se aparece uma denúncia ou uma ofensa, perdoem-me, porém em nossa região eclesiástica existem presbíteros que não batizam os filhos de mãe solteira porque não foram concebidos na santidade do matrimônio.

Esses são os hipócritas de hoje. Aqueles que clericalizam a Igreja. Aqueles que afastam o povo de Deus da salvação. E essa pobre mãe que, podendo ter mandado seu filho ao remetente, teve a valentia de trazê-lo ao mundo, segue peregrinando de paróquia em paroquia pedindo que ele seja batizado.

A esses que buscam prosélitos, os clericais, os que clericalizam a mensagem, Jesus lhes aponta o coração e lhes diz: “do coração de vocês saem as más intenções, as fornicações, os roubos, os homicídios, os adultérios, a ganância, a maldade, os enganos, as desonestidades, a inveja, a difamação, o orgulho, a loucura…”. Flor de elogio, entende? Assim age Jesus. Denuncia-os.

Clericalizar a Igreja é hipocrisia farisaica. A Igreja do “venham para dentro que aqui lhes daremos diretrizes, não é difícil” – isso é farisaísmo.

Jesus nos ensina o outro caminho: sair. Sair para dar testemunho, sair interessando-se pelo irmão, sair para compartilhar, sair para perguntar. Encarnar-se.

Contra o gnosticismo hipócrita dos fariseus, Jesus aparece no meio de pessoas como publicanos e pecadores.

A terceira palavra que me tocou está o final da carta de São Tiago: não se contaminar com o mundo. Porque, se o farisaísmo, esse “clericalismo”, entre aspas, nos causa dano, também a mundanidade é um dos males que corroem nossa consciência cristã. Assim diz São Tiago: não se contaminem com o mundo. Jesus, em sua despedida, depois da ceia, pede ao Pai que o livre do espírito do mundo. É a mundanidade espiritual. O pior dano que a Igreja pode sofrer: cair na mundanidade espiritual. Estou citando o Cardeal De Lubac. O pior dano pelo qual a Igreja pode passar, inclusive pior que o dos papas libertinos de uma época. Essa mundanidade espiritual de fazer o que lhe faz bem, de ser como os outros, essa burguesia do espírito, dos horários, de passar bem, de status: “Sou cristão, sou consagrado, consagrada, sou clérigo”. Não se contaminem com o mundo, diz São Tiago.

Não à hipocrisia. Não ao clericalismo hipócrita. Não à mundanidade espiritual.
Porque isso é demonstrar que alguém é mais empresário do que homem ou mulher do Evangelho.

Sim à proximidade. À caminhar com o povo de Deus. A ter ternura, especialmente para com os pecadores, com os que estão mais afastados, para entenderem que Deus vive no meio deles.

Que Deus nos conceda essa graça da proximidade, que nos salva de toda atitude empresarial, mundana, proselitista, clericalista, e nos aproxima de Seu caminho: caminhar com o santo povo fiel de Deus.

Que assim seja.

Card. Jorge Mario Bergoglio SP, Arcebispo de Buenos Aires.


Fonte: AICA

Original em espanhol – Tradução: Maria Rita Fanelli Vianna – São Paulo / Brasil

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