Posted On 2020-02-06 In leigos e família

A nossa presença que acompanha, activa e discreta, é fundamental onde quer que estejamos

Entrevista a Bárbara de Franceschi e Eduardo Aymerich, União de Famílias de Espanha •

“O Papa Francisco sugere que os casais dêem cursos pré-matrimoniais”, é o título que o portal da ACIprensa dá ao discurso do Papa Francisco este 25 de Janeiro no Vaticano, na abertura do ano judicial do Tribunal da Rota Romana, e cheira a sensação. O quê? O que nós, em Schoenstatt, fazemos há anos? O discurso tem mais do que esta proposta, mais do que este desafio, e quando o partilhámos e discutimos à volta da mesa (virtualmente), surgiu a ideia de entrevistar alguns casais de Schoenstatt que trabalham com a Pastoral de Noivos, com a Pastoral Familiar ou simplesmente com as famílias. —

Começamos com Bárbara de Franceschi e Eduardo Aymerich, União das Famílias de Espanha, que trabalham com famílias.

 

Mais uma vez o Papa Francisco (no seu discurso à Rota Romana) sublinha a importância do “trabalho pastoral do catecumenado pré e pós-matrimonial”. Além disso, exige que os casais se encarreguem desta Pastoral. Qual é a vossa experiência? A responsabilidade dos casais pela Pastoral de Noivos é algo habitual no vosso ambiente, ou mesmo algo único ou raro?

A pastoral familiar é algo que é comum no nosso ambiente de Schoenstatt e, mais concretamente, na União de Famílias. É algo que temos muito em mente e estamos sempre dispostos a oferecer a nossa experiência e formação onde quer que sejamos chamados.

 

Quais são as reacções dos noivos ou dos jovens casais ao estarem com um casal ou casais na Pastoral pré-matrimonial?

Os noivos e casais são normalmente muito gratos por este serviço, especialmente quando ele é feito de forma criativa, com temas que lhes interessam, e o facto de os temas ou o acompanhamento serem dados por casados permite transmitir uma experiência mais real do que se um padre ou religioso o fizer.

 

No seu discurso à Rota Romana, o Santo Padre, a partir do exemplo do casamento de Priscilla e Áquila, diz que “os casais, que o Espírito certamente continua a encorajar, devem estar prontos “a sair de si próprios e a abrir-se aos outros, a viver a proximidade, o estilo de viver juntos, que transforma cada relação inter-pessoal numa experiência de fraternidade”. Como se vive esta atitude no trabalho apostólico que vocês fazem como casais?

 Nós, os casais que têm Cristo e Maria no centro das suas vidas, experimentamos primeiro a riqueza e a felicidade que isso traz para a família. Quando algo assim acontece, não se quer guardar para si e procuram-se meios para o partilhar com os outros, seja através de testemunhos vivos no lugar onde nos encontramos, seja no local de trabalho, na própria casa para onde se convidam amigos e onde se fala destes temas e mais longe, abrindo o tempo e o espaço para transmitir a formação recebida e para ajudar a forjar famílias saudáveis numa sociedade tão necessitada, em paróquias, escolas, centros educativos ou no convívio com casais que necessitam de acompanhamento. O lar é o melhor lugar para acolher e transmitir a fé, a alegria de a viver e a alegria de a partilhar.

 

“A Igreja é enviada a levar o Evangelho para as ruas para alcançar as periferias humanas e existenciais. Faz-nos lembrar o casamento de Aquila e Priscilla”, diz Francisco aos bispos e pastores. Da vossa experiência: Porquê e como podem os casais levar o Evangelho para as ruas melhor do que os outros? Porquê e como chegam melhor às periferias humanas?

Todo ser humano, independentemente da raça e condição, é um filho de Deus e necessita do amor que lhe vem através de nós. O casamento, em si, já é uma comunidade e ao abrirmos-nos e sairmos nada mais se faz do que abrir essa comunidade aos outros, tornando-os participantes do seu amor e da riqueza mútua que quer dar-se aos outros. É claro que devemos sair para a periferia e ficar ao lado dos pecadores, porque primeiro, é naquela margem que vamos encontrar Cristo que veio para salvar os necessitados e, segundo, porque o anúncio do amor e salvação de Deus deve chegar a todos: os pobres, os que vêm na rua, os doentes, os que perderam a direcção e o sentido das suas vidas, os que acreditam que o seu casamento está a chegar ao fim, os que se acham auto-suficientes porque têm tudo menos Deus, e sentem uma solidão imensa da alma , e os que vão ajudar-nos a recuperar a simplicidade da alma humana. O matrimónio é o melhor reflexo da Santíssima Trindade onde o Pai, o Filho e o Espírito Santo vivem juntos, e da Igreja, esposa de Cristo.

 

Casais em movimento “é o que as nossas paróquias precisariam, especialmente nas áreas urbanas, onde o pároco e os seus colaboradores clericais nunca terão tempo ou força para chegar aos fiéis que, embora se declarem cristãos, não frequentam os sacramentos e estão privados, ou quase privados, do conhecimento de Cristo”, diz Francisco. Quais são as experiências que vocês têm nesta área?

A paróquia é a casa comum, ainda que o nosso alimento e formação provenham de Movimentos e Carismas da Igreja, que são um tesouro na nossa vida. Porém, onde a vida é forjada é na paróquia e não podemos estar ausentes dela, porque o que recebemos temos que partilhar com muitos de maneira simples, sem tentar levá-los até nós, mas indo até aos nossos irmãos na paróquia. O pároco precisa de pessoas formadas e capazes de se integrarem, dando ao mesmo tempo a sua riqueza. O acompanhamento dos casais ao próprio pároco é também fundamental. Como Priscilla e Áquila, devemos ser um lugar de descanso para o pároco e os demais.

 

Que outro aspecto do discurso vos faz pensar no vosso trabalho, em modo de confirmação ou exigência?

Em geral, o próprio discurso já é um apelo a que nós, casais, ocupemos um lugar de honra na Igreja, no que diz respeito ao serviço. A nossa presença activa e discreta é fundamental onde quer que estejamos.

 


Discurso do Papa Francisco, 25/1/2020

Senhor Decano
Reverendíssimos Prelados Auditores
Estimados Oficiais da Rota Romana!

Estou feliz por poder encontrar-me hoje convosco por ocasião da inauguração do Novo Ano Judiciário deste Tribunal. Agradeço calorosamente a Sua Excelência o Decano pelas nobres palavras que me dirigiu e pelas sábias intenções metodológicas formuladas.

Gostaria de retomar a catequese realizada na audiência geral de quarta-feira 13 de novembro de 2019, oferecendo-vos hoje uma reflexão adicional sobre o papel principal do casal Áquila e Priscila como modelos de vida conjugal. De facto, para seguir Jesus, a Igreja deve trabalhar segundo três condições confirmadas pelo próprio Mestre divino: itinerância, prontidão e decisão (cf. Angelus, 30 de junho de 2019). A Igreja está, por natureza, em movimento, não permanece tranquila no seu recinto, está aberta a horizontes mais amplos. A Igreja é enviada para levar o Evangelho para as ruas e alcançar as periferias humanas e existenciais. Faz-nos lembrar o casal neotestamentário Áquila e Priscilla.

O Espírito Santo quis colocar ao lado do Apóstolo [Paulo] este admirável exemplo de casal itinerante: de facto, tanto nos Actos dos Apóstolos como na descrição de Paulo nunca estão parados, mas sempre em constante movimento. E perguntamo-nos porque este modelo de casal itinerante não teve, na pastoral da Igreja, a sua própria identidade de esposos evangelizadores por muitos séculos. É disto que as nossas paróquias precisariam, sobretudo nas zonas urbanas, onde o pároco e os seus colaboradores clérigos nunca terão tempo nem força para chegar aos fiéis que, declarando-se cristãos, permanecem afastados da frequência dos sacramentos e privados, ou quase, do conhecimento de Cristo.

É surpreendente, portanto, depois de tantos séculos, a imagem moderna deste santo casal em movimento para que Cristo fosse conhecido: eles evangelizaram sendo mestres da paixão pelo Senhor e pelo Evangelho, uma paixão do coração que se traduz em gestos concretos de proximidade, de aproximação aos irmãos mais necessitados, de acolhimento e de cuidado.

No exórdio da reforma do Processo Matrimonial, insisti em duas pérolas: proximidade e gratuidade. Não vos esqueçais disto. São Paulo encontrou nestes esposos uma forma de estar perto dos distantes, e amou-os vivendo com eles por mais de um ano, em Corinto, por serem esposos mestres de gratuidade. Muitas vezes sinto receio do juízo que Deus vos dará sobre estas duas coisas. Ao julgar, eu estava perto do coração das pessoas? Ao julgar, eu abri o coração à gratuidade ou fui levado por interesses comerciais? O juízo de Deus será muito rigoroso sobre isso.

Os esposos cristãos devem aprender de Áquila e Priscila como se apaixonar por Cristo e como estar próximo das famílias, muitas vezes privadas da luz da fé, não por causa da sua culpa subjectiva, mas porque ficam à margem da nossa pastoral: uma pastoral de elite que esquece o povo.

Gostaria muito que este discurso não fosse apenas uma sinfonia de palavras, mas que estimulasse, por um lado, pastores, bispos, párocos a procurar amar, como fez o apóstolo Paulo, os casais como humildes missionários dispostos a chegar àquelas praças e palácios da nossa metrópole, onde a luz do Evangelho e a voz de Jesus não chega nem penetra. E, por outro lado, os cônjuges cristãos que têm a audácia de despertar do sono, como fizeram Aquila e Priscila, capazes de serem agentes, não dizemos independentes, mas certamente cheios de coragem a ponto de acordar os pastores do sono e do torpor, talvez demasiado quietos ou bloqueados pela filosofia do pequeno círculo dos perfeitos. O Senhor veio para procurar os pecadores, não os perfeitos.

São Paulo VI, na Carta Encíclica Ecclesiam suam, observava: «É necessário, ainda antes de falar, auscultar a voz e mesmo o coração do homem, compreendê-lo e, na medida do possível, respeitá-lo» (n. 49). Ouvir o coração humano.

Trata-se, como recomendei aos Bispos italianos, de «escutar o rebanho, […] estar próximos das pessoas, atentos para aprender a sua linguagem, para se aproximar de cada um com caridade, permanecendo ao lado das pessoas durante as noites das suas solidões, das suas inquietações e dos seus fracassos» (Discurso à Assembleia Geral da C.E.I., 19 de maio de 2014).

Devemos estar conscientes de que não são os pastores que inventam, com a sua criatividade humana — embora em boa fé — os santos casais cristãos; eles são obra do Espírito Santo, que é o protagonista da missão, sempre, e já estão presentes nas nossas comunidades territoriais. Cabe a nós pastores iluminá-los, dar-lhes visibilidade, torná-los fontes de novas capacidades para viver o matrimónio cristão; e também preservá-los para que não caiam em ideologias. Estes casais, que o Espírito continua certamente a animar, devem estar prontos «a sair de si mesmos e a abrir-se aos outros, a viver a proximidade, o estilo do viver juntos, que transforma qualquer relação interpessoal numa experiência de fraternidade» (Catequese, 16 de outubro de 2019). Pensemos no trabalho pastoral do catecumenado pré e pós-matrimonial: são estes casais que devem fazê-lo e ir em frente.

É necessário estar vigilantes para que não caiam no perigo do particularismo, optando por viver em grupos escolhidos; pelo contrário, é preciso «abrir-se à universalidade da salvação» (ibid.). De facto, se agradecemos a Deus pela presença na Igreja de movimentos e associações que não descuidam a formação dos esposos cristãos, por outro lado, é necessário afirmar com força que a paróquia é em si mesma o lugar eclesial de anúncio e testemunho; porque é neste contexto territorial que já vivem os esposos cristãos, dignos de iluminar, que podem ser testemunhas activas da beleza e do amor conjugal e familiar (cf. Exortação ap. pós-sin. Amoris laetitia, 126-130).

Portanto, a ação apostólica das paróquias na Igreja é iluminada pela presença de esposos como os do Novo Testamento, descritos por Paulo e Lucas: nunca parados, sempre em movimento, certamente com descendência, segundo o que nos é transmitido pela iconografia das Igrejas Orientais. Portanto, que os Pastores se deixem iluminar também hoje pelo Espírito, para que este anúncio salvífico por parte de casais, que muitas vezes estão prontos mas não são chamados, se torne realidade. Existem.

Hoje a Igreja precisa de casais em movimento, em todo o mundo, mas idealmente a partir das raízes da Igreja dos primeiros quatro séculos, ou seja, das catacumbas, como fez São Paulo VI no final do Concílio, indo às Catacumbas de Domitila. Naquelas Catacumbas, este santo Pontífice afirmou: «Aqui o cristianismo estava enraizado na pobreza, no ostracismo dos poderes constituídos, no sofrimento da perseguição injusta e sangrenta; aqui a Igreja foi despojada de todo o poder humano, era pobre, humilde, piedosa, oprimida, heroica. Aqui o primado do Espírito do qual o Evangelho nos fala teve a sua obscura, quase misteriosa, mas invencível afirmação, o seu testemunho incomparável, o seu martírio» (Homilia, 12 de setembro de 1965).

Se o Espírito não for invocado e por isso permanecer desconhecido e ausente (cf. Homilia em Santa Marta, 9 de maio de 2016) no contexto das nossas Igrejas particulares, seremos privados da força que faz dos casais cristãos a alma e a forma de evangelização. Em termos concretos: viver a paróquia como aquele território jurídico-salvífico, por ser «casa entre as casas», família de famílias (cf. Homilia em Albano, 21 de setembro de 2019); Igreja — isto é, paróquia — pobre para os pobres; corrente de esposos entusiasmados e apaixonados pela fé no Ressuscitado, capazes de uma nova revolução da ternura do amor, como Áquila e Priscila, nunca satisfeitos ou fechados em si mesmos.

Poderíamos pensar que este santo casal do Novo Testamento não tinha tempo para se mostrar cansado. Assim, de fato, ele é descrito por Paulo e Lucas, para os quais foi companheiro quase indispensável, precisamente porque não foi chamado por Paulo, mas despertado pelo Espírito de Jesus. É aqui que se funda a sua dignidade apostólica de esposos cristãos. Foi o Espírito que os despertou. Pensemos em quando o missionário chega a um lugar: o Espírito Santo já está là espera dele. Certamente, deixa um pouco perplexo o facto do longo silêncio, nos séculos passados, sobre estas figuras santas da Igreja primitiva.

Convido e exorto os irmãos Bispos e Pastores a indicar estes santos esposos da Igreja primitiva como companheiros fiéis e luminosos dos Pastores daquele tempo; como apoio, hoje, e exemplo de como os esposos cristãos, jovens e idosos, possam tornar o matrimónio cristão sempre fecundo de filhos em Cristo. Devemos estar convencidos, e gostaria de dizer com certeza, que na Igreja tais casais já são um dom de Deus e não pelo nosso mérito, porque são fruto da ação do Espírito, que nunca abandona a Igreja. Pelo contrário, o Espírito espera o ardor dos pastores para que não se apague a luz que estes casais difundem nas periferias do mundo (cf. Gaudium et spes, 4-10).

Por conseguinte, permiti que o Espírito nos renove, para não nos resignarmos com uma Igreja de poucos, como se ele quisesse permanecer apenas um fermento isolado, privado daquela capacidade dos esposos do Novo Testamento de se multiplicarem em humildade e obediência ao Espírito. O Espírito que ilumina e é capaz de tornar salvífica a nossa actividade humana e a nossa pobreza; é capaz de tornar salvífica qualquer actividade nossa; convictos de que a Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração — o testemunho destas pessoas atrai — e assegurando sempre e contudo a marca do testemunho.

De Áquila e Priscila não sabemos se morreram mártires, mas são certamente, para os nossos esposos de hoje, um sinal de martírio, pelo menos espiritual, isto é, testemunhas capazes de serem fermento na farinha, de serem fermento na massa, que morre para se tornar a massa (cf. Discurso às Associações de Famílias Católicas na Europa, 1 de junho de 2017). Isto é possível hoje, em qualquer lugar.

Queridos juízes da Rota Romana, as trevas da fé ou o deserto da fé que as vossas decisões, desde há vinte anos, denunciaram como possível circunstância causal da nulidade do consentimento, oferecem-me, tal como ao meu predecessor Bento XVI (cf. Discursos à Rota Romana, 23 de janeiro de 2015 e 22 de janeiro de 2016; 22 de janeiro de 2011; cf. art. 14 Ratio procedendi do Motu proprio Mitis Iudex Dominus Iesus), o motivo para fazer um grave e urgente convite aos filhos da Igreja na época em que vivemos, para que se sintam, todos e cada um, chamados a transmitir ao futuro a beleza da família cristã.

A Igreja precisa ubicunque terrarum de casais como Áquila e Priscila, que falem e vivam com a autoridade do Baptismo, que «não consiste em mandar e fazer-se ouvir, mas em ser coerente, em ser testemunha e por isso companheiro no caminho do Senhor» (Homilia a Santa Marta, 14 de janeiro de 2020).

Dou graças ao Senhor que ainda hoje concede aos filhos da Igreja a coragem e a luz para voltar aos inícios da fé e redescobrir a paixão dos esposos Áquila e Priscila, que são reconhecíveis em cada matrimónio celebrado em Cristo Jesus.

 

A entrevista foi realizada pelo Pe. José María García @schoenstatt.org

Foto: Caroline Brundle Bugge, iStock Getty Images ID 1162419784

Original: espanhol (31/1/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

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