San José

Posted On 2021-04-02 In Ano de S. José

São José e a nossa contribuição masculina nas esferas em que nos movemos

Por C. Fernando Giménez S., Paraguai, União de Homens

A Carta Apostólica “Patris Corde” do Santo Padre Francisco, por ocasião do centésimo quinquagésimo aniversário da resolução na qual, São José é declarado Patrono da Igreja Universal, contém um relato variado de atributos associados à personalidade e às acções do Pai de Jesus. O conteúdo da Carta leva-nos a reflectir, para a projectarmos na nossa existência e para nos servir de guia para a nossa vida quotidiana. —

Esta reflexão deseja transitar, partindo da realidade masculina no nosso ambiente local, passando pelo exemplo de José, e chegando à nossa contribuição masculina dentro das esferas em que nos movemos.

1 A presença do homem no mundo de hoje

Sem pretender reflectir num contexto global, gostaria de olhar para algumas características do ser masculino nas sociedades latinas, típicas do Cone Sul das Américas.

As nossas sociedades, apesar da incorporação sustentada das mulheres, ainda apresentam virtudes e defeitos com nuances masculinas. A superação do machismo nas suas várias formas continua a ser uma tarefa árdua para o colectivo masculino e os seus efeitos podem ser sentidos em vários aspectos da realidade envolvente. Por exemplo, podem ser vistos no grande número de homicídios e agressões às mulheres, nas intensas lutas pelo poder político e económico, e nos escassos resultados na resolução de problemas sociais e de saúde. Em particular, muitas das instituições que podem fornecer soluções para os problemas prementes têm homens em posições de gestão, a maioria dos quais se declaram cristãos.

Na Igreja Católica, a diminuição das vocações masculinas tornou-se preocupante, enquanto a participação dos homens nas paróquias é mínima. No Movimento, a escassa participação de homens adultos é já uma tradição. Na Campanha da Mãe Peregrina de Schoenstatt, que foi fundada por um homem, toma-se por certo que, se fala apenas de missionários. Olhando para os problemas prementes da sociedade actual, poder-se-ia pensar que estamos no Apocalipse… sem a segunda vinda de Jesus.

O mundo parece estar à mercê das correntes fortes, poderosas e destrutivas que, prevalecem hoje em dia. Contudo, face a tudo isto, o Evangelho dá-nos uma mensagem clara e forte: Deus encontra sempre uma forma de cumprir o Seu plano de salvação “contra toda a esperança”, (Romanos 4,18). Esta realidade transporta-se para as nossas vidas por vezes desorientadas. A promessa do Senhor tem o poder de nos transformar e, consequentemente, de se tornar, pela mão do nosso Pai, em fontes de transformação para o mundo temporal circundante e para além dele.

Não podemos deixar de reconhecer que existem sociedades, grupos e indivíduos que estão a dar o seu melhor para fazerem a diferença e construírem um mundo melhor. Contudo, estes esforços necessitam de maior acompanhamento, empenho e dedicação para se alcançar melhores resultados.

Dentro da complexa realidade social, em linha com esta reflexão, gostaria de enfatizar três aspectos que considero interessantes. Em primeiro lugar, embora a participação e influência das mulheres esteja a aumentar, os círculos de poder e de tomada de decisões são ainda fortemente dominados pelos homens; em segundo lugar, as nossas sociedades são maioritariamente cristãs, mesmo com uma predominância de católicos apostólicos romanos; finalmente, excepto em casos específicos, a proporção de homens em comparação com a de mulheres que participam activamente na Igreja Católica é muito baixa.

2 O Homem Crente

Tendo em consideração o parágrafo anterior, é evidente que a capacidade de transformação dos homens é insuficiente para conduzir o mundo a uma realidade melhor. Temos muitos exemplos que nos podem ajudar.

Certamente, Jesus é o maior exemplo, pois “não há outro nome dado aos homens para nos salvar” (Actos 4,12); Ele é “o caminho, a verdade e a vida”. “Ninguém vai ao Pai senão por mim” (Jo 14,6). Contudo, Deus Pai, infinitamente misericordioso e sábio, também nos fornece outros exemplos, tais como pessoas, grupos, etc., que nos motivam e facilitam o nosso caminho em direcção a Jesus e à Sua mensagem.

Dos milhares que poderíamos citar, há um que é particularmente relevante para o homem moderno. A sua vida e acções ajudaram a criar uma contracultura, tão poderosa que, já existe há mais de dois mil anos, e continuará até ao fim dos tempos, mas a sua personalidade continua pouco conhecida. Referimo-nos a José de Nazaré, o pai adoptivo de Jesus, que encarna de forma tão radical o ser “puer et pater” ao ponto de os frutos das suas acções permanecerem até hoje, enquanto a sua pessoa é mantida delicadamente escondida, cf. Jo 3,30

3 José e o seu exemplo

Na Carta Apostólica que estamos a comentar, o Papa Francisco menciona sete qualidades que definem São José como pai. Vou referir-me a dois: “José é um pai no acolhimento” e “José é um pai na coragem criativa.

Encarnar o ideal do homem é uma questão complicada num mundo que nos convida ao oposto. Ser um homem religioso é muitas vezes visto como um sinal de fraqueza difícil de ultrapassar; combinar estado civil, trabalho, amigos, etc. com uma vida de fé torna-se uma tarefa que pode alcançar realizações inimagináveis se, o exemplo de José se encarnar em nós.

Pai no acolhimento

José recebe Maria de forma respeitadora e delicada, sem estabelecer quaisquer condições prévias. A Providência coloca-o numa situação humanamente impossível, mas ele decide agir pela dignidade de Maria, cf. Patris Corde.

Perante o carácter irracional do acontecimento, José supera o seu justo impulso e toma conta da sua própria história, assume o que acontece e age em conformidade. É evidente que não poderia ter sido a consequência de um processo racional. A razão, para um homem do seu tempo, teria sido de pouca ajuda para compreender o que estava a acontecer. A sua reacção inicial teria sido natural e mesmo obrigatória de acordo com as leis vigentes. Na lei mosaica, renegar Maria era uma opção válida para José. Deus revela-lhe o Seu desejo através do anjo e ele reage de acordo com o que capta no seu coração sobre o mistério que, lhe é apresentado; ele aceita generosamente a vontade do Altíssimo de receber, como seu, o Filho de Deus encarnado .

A nossa existência está cheia de acontecimentos racionalmente inexplicáveis; alguns terão sido uma fonte de grande alegria, outros de grande dor. À luz do plano de Deus, eles podem tornar-se acontecimentos que, iluminam toda a nossa vida e a vida daqueles que interagem connosco; para isso é necessário fazê-los nossos, tomar posse daquilo que vivemos numa atitude de fé, reconhecendo que, por detrás dos acontecimentos, está a vontade do Pai que é amor perfeito.

José não pára para ruminar sobre o que lhe está a acontecer numa atitude passiva, estóica ou fatalista, nem permanece paralisado por um acontecimento que está longe de compreender plenamente; pelo contrário, ele “empreende”, ele “põe-se a caminho” para “alcançar o objectivo”, cf. (2 Tim 4,7) com a confiança de que não está sozinho, (Mt 1,20).

O homem que descobre o seu ser e missão pode enfrentar a vida com coragem, porque reconhece que, nas suas acções, está a vontade de um Deus que nunca o abandona. José teve as suas dúvidas, mas soube reconhecer quando o Pai se-lhe mostrou, e com isso colocou-se, inteiramente, ao serviço de Jesus e Maria, ou mais coloquialmente, como nos disse o actual Bispo (emérito) Cláudio Gimenez ao Ramo dos Homens, “devemos encontrar o nosso lugar no court…”; e quem reconhecer o seu lugar desejado por Deus, saberá como jogar o melhor jogo da sua vida.

Pai na coragem criativa

A transcendência do legado de José baseia-se na sua profunda convicção de que está a cumprir a vontade do Pai. Nos quatro sonhos, (Mt 1,20; 2,13,19,22), onde Deus lhe expressa os Seus desejos, sem hesitar, Ele propõe-se realizá-los; nos momentos de dificuldade, mesmo nos “sonhos” devemos estar atentos porque em cada momento o Espírito Santo nos fala.

Ao reconhecer a mensagem do Alto, José não hesita, “levanta-se e faz o que o anjo lhe pede…”; confrontado com problemas toma medidas imediatas, o que quebra os seus planos, e por isso é corajoso, pois desafia o que está estabelecido. A concepção de Jesus deve tê-lo esmagado. Apesar de tudo, assume-o, corajosamente, como um filho obediente, e acolhendo o filho recém nascido começa o processo da nossa salvação através de Jesus. Como neste evento e nos outros narrados na Bíblia, José teve certamente de enfrentar muitas situações difíceis: durante a viagem ao Egipto, a vida longe da sua pátria, enquanto regressava à Galileia, e ao longo da sua vida em Nazaré ao lado de Maria e do seu filho. Sem dúvida que houve alturas em que foi necessária uma resposta corajosa de José.

A coragem do pai adoptivo de Jesus não permanece apenas como uma lenda antiga, mas tem consequências reais até ao fim dos tempos. O Papa Francisco expressa-o como coragem criativa; a Igreja acaba por considerar José como o pai da coragem criativa. Esta atitude manifesta-se geralmente em situações comprometedoras, em que o homem é obrigado a mostrar os seus “talentos” a fim de os colocar ao serviço de Deus. É criativo não só porque é original, possivelmente diferente dos outros; pelo contrário, porque desafia o estabelecido, transforma-o para originar correntes de vida que, promovem a adesão de outras pessoas ao plano querido por Deus. No caso de José, estas correntes de vida, vistas à luz da fé, têm como objectivo último a protecção de Maria e de Jesus.

4 Conclusão

O Papa Francisco descreve São José como um homem que passa despercebido, homem da presença diária, discreto e escondido; ele é para todos, em tempos de dificuldade, um intercessor, um apoio e um guia.

Para o homem latino, do tipo que eu vejo nestas latitudes, a descrição feita acima não é muito atractiva. A mentalidade machista ainda é forte, e a sociedade, em muitos casos, encoraja-a; contudo, o exemplo de José propõe um estilo radicalmente diferente, original na sua abordagem, e que dá resultados.

Para o schoenstatteano, especialmente para o homem, a combinação de “pai no acolhimento” e “pai da coragem criativa” deve ser muito familiar. Escrevendo em chave da pedagogia de José Kentenich, o que São José  demonstrou com a sua vida é que, ao assumir a realidade pessoal e ao interpretá-la à luz da fé, o homem torna-se consciente do seu ser e da sua missão. Aceitar o que sou para levar a cabo a tarefa requer uma coragem fundada em Deus, porque em muitos casos, as circunstâncias irão superar a nossa compreensão. Viver este ideal, pô-lo em prática, tem o potencial de criar vida em abundância, tal como aconteceu com a vida de José.

Embora São José não fale e, se fale dele muito pouco na Bíblia, e embora a sua existência tenha decorrido durante a vida inicial de Jesus, as suas acções resultaram no dom supremo para nós: Jesus que nos redime e nos salva.

Para terminar, o pai adoptivo de Jesus mostra-nos que aqueles que estão “escondidos” ou em “segunda linha” também têm um protagonismo inigualável na História da Salvação. É necessário descobrir, assumir e executar corajosamente o plano que a Providência nos deu; com estes pressupostos, a nossa vida não será certamente uma simples passagem pelo mundo, mas um cântico de amor ao nosso Pai Criador.

Original: Espanhol (31/3/2021). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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