Posted On 2016-07-16 In O que o Ano da Misericórdia?

A misericórdia é para ser aplicada na vida e para sermos solidários uns com os outros

Por Mons. Francisco Pistilli, Bispo de Encarnación, Paraguai •

Quando se fala de misericórdia, começamos a pensar em tantas coisas…Eu gostaria de mencionar uma coisa concreta deste ano: como o próprio Deus foi quem, desde Fevereiro passado, nos pôs em sintonia com o Ano Jubilar. Por causa das inundações do rio Paraguai e das aldeias que ficaram inundadas na zona do Pilar, formou-se aqui, especialmente, em Encarnación, uma equipa a que se deu o nome “Itapúa solidária”, com iniciativas do Governo, do Município, do Rotary Clube, da Igreja Católica e de várias Igrejas protestantes.

Unimo-nos para empreender uma campanha solidária com tantas pessoas que perderam a casa, que precisavam de roupa e de medicamentos. Em muito poucos dias, a iniciativa alastrou-se aos cidadãos que, muito se mobilizaram e, a partir de então, o salão do Episcopado transformou-se numa loja de recepção de toneladas de roupa e de alimentos.

Houve também, testemunhos muito bonitos de pessoas que vinham fazer donativos. Uma das experiências mais bonitas foi a de um idoso, muito simples, muito pobre, que se aproximou com o seu saquinho de roupa e disse: “Soube desta iniciativa. Também quero colaborar”. Via-se que não tinha muito mas, queria dar do pouco que tinha. Fez-me lembrar da passagem do Evangelho da viúva pobre que dava do que lhe restava para viver. (Lc 21, 1-4; Mc 12, 41-44).

A misericórdia transcende credos, ideologias e orientações políticas

Creio que, Deus nos meteu nisto para que nos dessemos conta que, se pode ver o valor pastoral que a misericórdia tem ou, pensar muita teologia mas, definitivamente, a misericórdia é para ser aplicada na vida, para se cruzar com a vida e para sermos solidários uns com os outros. É algo que transcende qualquer credo, orientação política, forma de pensamento ou ideologia, porque nessas situações, enfrentamos pessoas concretas, com problemas concretos, com vida concreta. E, é preciso empatia, compreensão, contenção e também assistência.

O bonito desta experiência foi ver que podemos trabalhar juntos que, podemos levar com seriedade um projecto juntos, sem ânsias de protagonismo. Nunca houve intenção que alguém dissesse aos que sofrem “Nós vamos solucionar todos os vossos problemas”.

Assim levámos vários camiões carregados com coisas.  E também quisemos entregá-los e encontrarmo-nos com as pessoas do lugar e, entregá-los, especialmente, à Igreja do Pilar, à Pastoral Social que, tudo recebeu com muita gratidão.

A misericórdia contagia misericórdia

Aconteceu uma coisa muito bonita, porque a misericórdia contagia misericórdia. Na mesma cidade havia tensões, estavam divididos pelos partidos, para saber quem teria os louros das obras. Essas pessoas, ao verem como nos unimos todos para trabalhar, também disseram: “Ponhamos de lado as diferenças e trabalhemos para o que, em boa verdade, faz falta e esqueçamo-nos do resto”. Creio que, isso foi pelo impulso de Deus, que operou, porque não estava, assim, no plano. Muitas pessoas se prontificaram, com tanta alegria, para fazer isto que, de verdade, foi uma grande motivação.

Deu muito trabalho porque tivemos que, transferir os leigos que, na sua maioria eram voluntários. Fevereiro no Paraguai é mês de férias de verão e, eles ofereceram dias das suas férias para estarem ali, todos os dias, recebendo, classificando os donativos e, sempre o fizeram com um sorriso. Isso, pudemo-lo expressar na avaliação que fizemos deste projecto.

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O que significa o Ano da Misericórdia no primeiro ano como Bispo de Encarnación?

Para mim, esse foi o ambiente ideal para começar a perceber e a viver este Ano da Misericórdia. E, ainda estamos a incentivar que haja mais iniciativas. Como Pastor na Diocese, não quis dizer. “Vamos todos fazer uma única coisa”, mas convidei cada Paróquia, cada Capela, cada Pastoral, a Catequese, a Pastoral Juvenil, a Pastoral Familiar, que incluíssem nos seus programas do ano, alguma actividade que eles próprios decidissem, olhando para as suas periferias mais próximas. Que saíssem à procura, ao encontro das pessoas e, pensassem o que fazer ali, como ajudar. Também incentivar a que, as pessoas se lembrem de quais são as Obras de Misericórdia e, a aprendê-las fazendo, não somente lendo mas, vivendo. A proposta está presente e está a ser trabalhada.

Conversão pastoral para uma Igreja em saída

13567172_1572637963032053_289736127018755857_nAlém disso, este ano estamos a pensar e a trabalhar num novo plano de Pastoral. Isto, levou-nos a olharmo-nos como Igreja e propormo-nos uma conversão pastoral que é, a que o Papa Francisco nos convida na Evangelii Gaudium (Nº 25-31) e a dispormo-nos para que seja uma Igreja em saída. Por isso, também há uma revisão das Paróquias, no que respeita à relação que têm como Igreja para fora.

É um trabalho mais reflexivo mas, quer partir do contacto com a realidade, para ajudar a nossa Igreja a não se ficar, apenas, numa ideia de santidade ou numa proposta mas, que saia e Se encontre com pessoas e com o que, de verdade, precisam que, simplesmente, se animem a olhar para mais longe do que o conhecido. Creio que, também nisso, a misericórdia nos está a ajudar a olharmos ´para um pouco mais além e, que não nos aconteça o que ocorre muitas vezes: ficarmos parados e a queixarmo-nos entre nós.

Creio que, isso foi uma consequência positiva do Ano da Misericórdia. Muitas pessoas se predispuseram a deixar de se queixarem para começarem a olhar um pouco mais longe. E, ao olhar mais longe, muitos podem dizer: “Os meus problemas não são nada em comparação com o que os outros estão a passar” e, já muda o ar e, a atmosfera.

Uma “mudança de clima” dentro da Igreja

Quero pensar que o Papa Francisco também quereria isso com este Ano da Misericórdia. Predispormo-nos a uma “mudança de clima” dentro da Igreja. E, pelo acolhimento que vejo nesta Diocese de Encarnación, acho que isso foi entendido numa percentagem elevada e, que se está a tratar de levar adiante essa “mudança de clima”.

É certo que, o “Homem Velho” (Carta aos Efésios 4,22), por mais que o tentemos “matar”, parece que nunca mais morre, em nós, é muito duro, não se entrega. Não podemos despojar-nos, totalmente, dele, queremos voltar para trás e ficar nos esquemas conhecidos. Mas, do mesmo modo, a semente deste “Homem Novo” impregnado de misericórdia está a renovar, também, os ânimos. Nota-se muito, em todo o lado e, também na juventude.

Talvez, por isso, o aspecto mais devocional não é o que mais se põe em evidência (embora exista também) neste Ano da Misericórdia. As indulgências e as peregrinações têm, também, um espaço dentro das Paróquias e da Pastoral e, estão a ser vividas. Mas, o que mais toca a alma é esta atitude de que “não estamos, apenas, para nos santificarmos a nós próprios mas, para que saiamos ao encontro, a viver o amor na misericórdia com os outros”.

O que significa o Ano da Misericórdia para Schoenstatt?

13220967_1559439747685208_5609851837695441549_nAcho que, a outra mensagem importante, muito significativa para mim no que diz respeito à misericórdia, é lembrar o que dizia o nosso Pai-Fundador: “Nadamos num mar de misericórdia”. Não podemos compreender a nossa vida se não for nesse “estar abraçados” na misericórdia de Deus. Nessa misericórdia, Deus levanta-nos e dignifica-nos. Deus liberta-nos e aceita-nos assim como somos e, convida-nos a melhorar e a crescer; mas em primeiro lugar, aceita-nos e abraça-nos. E, nessa misericórdia é possível encontrar uma esperança e um caminho positivo de vida.

De todas as frases e experiências do Padre Kentenich, em torno da misericórdia, sempre gosto de lembrar este ensinamento: “Viver sempre mergulhados na misericórdia de Deus”, no abraço misericordioso de Deus, como Ele nos olha a nós. Ajuda tanto a purificar a alma, o olhar e o coração…A olhar para o outro como irmão, como igual e, a  não nos colocarmos em posturas de quem é mais alto que o outro. Essas posturas fazem-nos tanto mal e não levam a lado nenhum.

Penso que, isto está tocar corações. Não gostava de teorizar tanto, prefiro continuar a descobrir, ao longo do ano, que outros frutos, vai deixando nesta Diocese da Encarnación. Poder-se – ia pensar sobre o que está a acontecer com os sacerdotes, o que eles vão descobrindo sobre a misericórdia através dos confessionários mas, poderá ser avaliado mais adiante.

Eles poderiam dar testemunho do que significou a experiência desse ano, ao receberem os que precisam tanto do perdão, do abraço de Deus e, de encontrar misericórdia nos sacramentos e, sobretudo, no Sacramento da Reconciliação. Estamos a trabalhar para isso.

Misericórdia quero e não sacrifício

Partilho com outros o anseio de que isto mude a nossa compreensão, como cristãos e como Igreja que, não seja um ano em que só alcançamos alguma bênção que, mude a nossa atitude.

Creio que se trata de regressarmos às palavras bíblicas: “Misericórdia quero e não sacrifício” (Oseias 6, 6-7; Mateus 9,13). Se Deus foi tão misericordioso connosco, também sermos, nós próprios, misericordiosos como o Pai o é com cada um dos Seus filhos.

O anseio é essa mudança que permite criar uma forma nova de compreendermos a relação com os outros, com mais diálogo, mais alegria no encontro, com mais tolerância nas diferenças e, sobretudo com mais solidariedade nas coisas concretas.

Uma dinâmica missionária

Pessoalmente, vejo a Encíclica “Laudato Sí” e a Exortação Apostólica “Amoris Laetitia”, neste Ano da Misericórdia, como duas grandes oportunidades para voltarmos a concentrar-nos nessa preocupação comum de todos, num diálogo sincero e fraternal, sobre as coisas que a todos nos interessam. Abrir, novamente, o coração e libertá-lo de tantos egoísmos que, também nos limitam, no relacionamento com os irmãos em Cristo, simplesmente porque Deus nos pôs aqui.

Eu gostava muito dessa mudança. Uma mudança de atitude, de clima e de auto – compreensão. Que já não nos definamos de uma forma teórica, que se dinamize a Pastoral. Entrar numa dinâmica missionária significa ir levar e tornar concreta a misericórdia de Deus com os outros. Espero que não se fique pela teoria.

Entrevista: Maria Fischer. Redacção: Claudia Echenique

Original: espanhol. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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