Posted On 2014-08-29 In Comunicação

Entrevista ao Pe. Antonio Spadaro “A forma de comunicar nas redes sociais é típica do Evangelho”

PCCS, www.pccs.va /www.catalunyacristiana.cat, Samuel Guiterrez. A sua especialidade é a ciberteologia. O jesuíta Antonio Spadaro (@antoniospadaro) diretor da La Civiltà Cattolica, está convencido de que um dos grandes desafios hoje da Igreja é pensar o cristianismo em tempos de rede. Tem, ainda, a teoria de que a linguagem e a forma de comunicar nas redes sociais é muito parecida à do Evangelho. A chave não está em transmitir informação, mas em partilhar experiências de vida. Antonio Spadaro esteve recentemente em Barcelona, onde participou no Congresso Internacional sobre a Pastoral das grandes cidades.

O que faz um ciberteólogo num congresso internacional sobre pastoral das grandes cidades?

A questão das grandes cidades é uma questão emergente. Nelas vive-se hoje a mobilidade num duplo sentido. Por um lado, num sentido mais literal, porque nas cidades as pessoas estão continuamente em movimento: para ir trabalhar, para regressar a casa… Mas, por outro lado, a mobilidade é vivida também no que se refere aos dispositivos móveis. No momento em que nas grandes cidades se perde o contacto imediato e direto com as pessoas que conheço, estas tendem a converter-se no lugar do anonimato. Neste contexto, as redes digitais convertem-se quase numa praça, no lugar onde as pessoas mantém o contacto com os entes queridos, os familiares, os amigos… É habitual hoje que ao deslocarmo-nos de autocarro, de metro, haja muita gente que consulte o perfil de facebook ou a conta do twitter para ver o que os amigos fizeram ou estão a fazer, ou para partilhar os próprios pensamentos ou as próprias imagens. Na realidade há uma dimensão de cidadania digital que se expressa hoje graças aos dispositivos móveis. Isto acontece sobretudo nas grandes cidades. Neste sentido podemos dizer que existe uma relação mais ou menos direta entre viver no ambiente digital e a questão de como viver hoje nas grandes cidades.

E essa relação deve refletir-se no trabalho pastoral?

Assim é. Não obstante, eu não traçaria uma linha divisória radical entre a pastoral num ambiente físico e a pastoral num ambiente digital. O ambiente digital está cada vez mais integrado na nossa vida quotidiana. Se estou agora aqui em Barcelona, e me geolocalizo no Facebook e partilho conteúdos através do Twitter, isto faz parte da minha vida quotidiana. Não é uma vida separada. Creio que a pastoral geral deve considerar o desenvolvimento da internet e como a internet se relaciona com a vida quotidiana, ordinária, normal das pessoas. Bento XVI expressou-o muito bem na mensagem para a Jornada Mundial das Comunicações de 2013 ao assinalar que o ambiente digital não é um ambiente virtual, mas que faz parte da vida quotidiana das pessoas. Por isso é importante que se tenha em conta dentro da reflexão sobre a pastoral ordinária. É uma dimensão que deveria estar integrada normalmente na pastoral da Igreja.

Hoje fala-se das redes sociais como lugares antropológicos, inclusive espaços de vida…

Um bispo italiano referiu-se à internet e às redes sociais como um novo contexto social. Creio que é uma definição muito acertada. A Internet não é um instrumento que se deve utilizar, mas um ambiente que se deve habitar. Neste sentido, é importante ter claro que não é tão pouco um instrumento de evangelização. É um lugar onde também se deve viver cristãmente e dar testemunho evangélico.

A teoria está cada vez mais clara: a internet é um ambiente, não um instrumento. Mas realmente vivemo-lo assim ? Não é verdade que muitas vezes continuamos a utilizá-la como instrumento?

Creio que estamos numa fase de transição. A reflexão que a Igreja está a fazer, sobretudo através dos pontifícios conselhos para as comunicações sociais e para a cultura, vai nesta direção: a internet como ambiente a habitar, não como instrumento. Isto é já uma realidade nas pessoas mais jovens, nos grupos e movimentos eclesiais. Estamos numa fase de amadurecimento, que se produz ao mesmo tempo que a evolução da rede. A internet é ainda uma menina pequena que também tem que amadurecer. A Igreja tem estado sempre muito atenta a esta evolução.

Bento XVI insistia em recordar que a Igreja tem que estar onde estão as pessoas.

Está claro que a Igreja está na rede porque os homens estão na rede. A missão da Igreja é estar no lugar onde estão os homens. Mas porque está a Igreja na rede? Desde logo para comunicar uma mensagem, mas há um objetivo prévio também muito importante: escutar o que o homem tem a dizer. Neste sentido, a Igreja não está na internet só para dizer coisas, mas para escutar o homem, e também para compreender e discernir a presença de Deus no mundo. Paradoxalmente a rede adota as formas expressivas típicas da Igreja. A linguagem 2.0 e as redes sociais comunicam substancialmente uma mensagem não transmitindo-a, mas partilhando-a. As mensagens nas redes sociais não são transmitidas, mas partilhadas. Isto significa que há uma rede de relações e sem rede de relações a mensagem não passa. Se não tenho amigos, não comunico nada. Esta forma de comunicação é a forma de comunicação por excelência do Evangelho. Isto é o que a Igreja chama testemunho. Não é a comunicação de uma mensagem neutra, feita para as massas, mas que passa através do testemunho vivido. Por isso creio que o grande desafio para a Igreja não é adaptar-se aos novos tempos mas o contrário: ver como esse depósito de sabedoria acumulado no tempo pode ajudar a internet a crescer.

Penso que as novas tecnologias também estão a influenciar a teologia.

De certeza. O impacto da rede sobre o nosso modo de pensar é evidente. Isto pressupõe um grande desafio para a teologia. Porque se a rede muda a maneira de pensar e o objetivo da teologia é pensar a fé, a pergunta resultante é clara: como a rede está a influenciar o modo de pensar a fé? Este é o ponto e não está resolvido, porque está em processo. Por exemplo, estamos habituados a pensar no homem em busca de Deus, mas hoje em dia o homem busca graças aos motores de pesquisa como o Google. Estes motores mudam a nossa forma de procurar. E a característica desta maneira de procurar é que sempre obtemos resposta e, mais, temo-las muito rapidamente, imediatamente.

Levo as respostas na mão, no meu dispositivo móvel. Vivemos um tempo em que o homem crê que tem todas as respostas na palma da sua mão. Hoje, neste contexto cultural, apresentar o Evangelho como o livro que contém todas as respostas às perguntas do homem não funciona. Não é adequado. O homem tem necessidade hoje de aprender a reconhecer e a formular as perguntas importantes. Neste sentido, há que propor o Evangelho como o lugar onde encontramos todas as perguntas do homem, não as respostas. Isto é mais eficaz.

Há mais exemplos?

Sim. A lógica do púlpito, de uma mensagem unidirecional de cima para baixo, também já funciona. O homem atual não está disposto a acolher esta mensagem. A maneira mais adequada de comunicar uma mensagem é que tenha lugar numa rede de relações. O passo de transmitir para partilhar é fundamental para a Igreja hoje. A dinâmica que o Papa Francisco está a imprimir hoje na Igreja é deste tipo. Convida ao diálogo, ao encontro, a sentir-se livre para falar e inclusivamente a expressar opiniões divergentes.

O Papa Francisco sublinha a importância de passar da relação ao encontro. Favorece a estrutura da rede esse encontro?

A Rede é uma rede de conexões. Precisamente, um dos desafios da Igreja é ajudar a passar da conexão à relação. E depois da relação à comunhão. Estes passos não são óbvios, não são simples. O grande risco é que o homem acredite que por estar conectado já está em relação. Isto não é verdade. É muito importante o que diz o Papa: comunicar-se com o outro significa tocá-lo. E apresentou a imagem do Bom Samaritano como o ideal típico do bom comunicador. Isto é muito importante. Comunicar não é um gesto exterior, mas é algo que toca a intimidade da pessoa. É um grande desafio. Porque nos obriga a superar a ideia de que basta ter um contacto superficial para poder transmitir uma mensagem. Não é suficiente. Para comunicar a mensagem do Evangelho é necessário o encontro físico com a pessoa.

Como se explica que um Papa sem telemóvel, que ainda usa máquina de escrever, se tenha convertido num fenómeno mediático, também nas redes sociais?

Porque a sua capacidade de comunicar baseia-se numa grande experiência pastoral de contacto com as pessoas. Ele entendeu bem o que significa verdadeiramente comunicar. A comunicação tecnológica é comunicação e não requer uma estratégia especial. A sua capacidade de tocar as pessoas, de as envolver através das redes sociais (Twitter, Facebook…) e de ter um grande impacto no ambiente digital é a consequência da sua capacidade radical de comunicar. A chave não está na tecnologia. A internet não é a tecnologia. A internet é a rede de relações que vivemos quotidianamente, que graças à tecnologia se estende mais para além do espaço e do tempo. O Papa tem um grande impacto nas redes sociais porque a sua forma de comunicação é eficaz, está vinculada à sua vida, porque através dela tenta partilhar o que vive. Mas diria ainda mais: o Papa não comunica, o Papa está presente. Isto é muito bonito. Ele não tem uma estratégia para comunicar uma mensagem. Ele está presente. E esta presença automaticamente dá um testemunho, e assim comunica a mensagem do Evangelho. Nas redes sociais as pessoas ficaram impactadas pelo seu testemunho oferecido através de frases breves, de mensagens incisivas, de figuras eficazes… e isto é fácil de partilhar com os outros. O êxito do Papa não se pode explicar a partir da lógica da tecnologia ou de uma estratégia comunicativa. Quando a comunicação é autêntica, quando se baseia numa experiência vivida e é capaz de entrar em contacto com as pessoas, é fácil que se estenda também imediatamente pelas redes sociais.

Aconselharia ao Papa uma maior presença, levada pessoalmente, nas redes sociais?

Através do Twitter, creio que o Papa tem já uma presença muito adequada nas redes sociais. Pessoalmente é mais complicado, mas também não é o mais importante. O importante é que as mensagens que se enviam sejam as mensagens que ele quer comunicar ao mundo.

Junto às numerosas virtudes, também se fala hoje muito dos riscos da internet e da perda cada vez maior da capacidade de reflexão e contemplação. Afeta o novo contexto cultural a experiência de fé?

Absolutamente. Pode haver riscos: como o da superficialidade, o de confundir a conexão com a relação, o de que o ambiente digital substitua o contacto físico… O ambiente digital tem os seus riscos, mas também os tem a própria vida. Não nos podemos fixar apenas nos riscos se queremos ler globalmente a realidade. Seria como ver um hospital psiquiátrico e desde esse ponto de vista julgar toda a vida humana. A internet não é uma opção. É uma realidade. Supõe um grande passo na história da humanidade. A questão não é se é possível voltar atrás. O importante é aprender a viver bem. Que existem riscos significa também que há uma grande capacidade de impacto.

Para aprender a viver bem no tempo da rede, caberá aplicar certas dietas digitais?

Cada um deve encontrar o seu próprio equilíbrio. Eu não sou muito partidário das dietas digitais. O conceito de “dieta” dá a entender que há algo de errado ou mau e que por isso há que limitá-lo. Eu creio que a chave não está na dieta mas na integração, ou seja, aprender a harmonizar ordinariamente a própria presença nos meios digitais. É o mesmo com a comida. A comida não é má, mas se se comer em excesso pode fazer mal. No caso da comunicação, o problema não é a rede, mas a comunicação humana em geral, que tem que equilibrar a presença da comunicação digital no marco da nossa capacidade global de comunicação.

DESTAQUES:

“O grande risco hoje é crer que por estarmos conectados já estamos em relação. Comunicar com o outro significa tocá-lo”

“a Igreja não está na internet apenas para dizer coisas, mas para escutar o homem, e para discernir a presença de Deus no mundo”.

A entrevista completa em formato pdf

Fonte: http://www.pccs.va


Original: Espanhol – Tradução: Maria de Lurdes Dias, Lisboa, Portugal

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