Columna P. Enrique Grez López

Posted On 2021-11-06 In Coluna - P. Enrique Grez López

A Segunda Sinfonia de Mahler: Da Ressurreição na música

Pe. Enrique Grez •

Ressurreição é a palavra que guia o programa desta obra-prima. O conceito sugere uma conotação religiosa clara. Com este título, descreve o processo emocional que o compositor vienense estava a atravessar nessa altura. Mas a Ressurreição também nos fala dos teatros que se estão a encher novamente nos dias de hoje. O renascer da música ao vivo é uma celebração dessa arte que tem sustentado a nossa moral durante estes anos de peste. —

Mahler Resurrección

Manuscrito autógrafo da Segunda Sinfonia de Mahler. Domínio público. Da Wikipédia

Há algumas semanas tive o prazer de visitar presencialmente uma sala de música… costumávamos dizer simplesmente: “Fui a um concerto”. Ah, que prazer! Penso que todos nós ali presentes estávamos entusiasmados. Com as nossas máscaras firmemente colocadas, instalámo-nos no Auditório Nacional em Madrid. A obra apresentado era uma redução da Segunda Sinfonia de Gustav Mahler. A redução é um eufemismo, tendo em conta que havia 50 músicos no palco e cerca de 80 no coro. Mas é preciso lembrar as dimensões das obras do génio romântico que no seu auge compôs uma obra para mais de mil músicos. A verdade é que o maestro David Afkham fez muito bom uso das condições para oferecer uma versão controlada da obra, na qual as subtilezas da composição poderiam ser bem apreciadas.

Se gosta de música clássica, não perca o seu tempo. Procure imediatamente no seu navegador a próxima data de actuação da orquestra mais próxima e compre um bilhete. Não importa o repertório, volte ao teatro para ouvir qualquer coisa. Não se vai arrepender. Mas se não estiver em condições de sair, ligue o seu computador, ligue alguns bons altifalantes, entre na sua plataforma musical favorita e procure esta sinfonia que lhe proponho. Sente-se, prima o botão “play” e comprometa-se a ouvi-la de uma só vez sem se distrair. Vai apreciá-la.

Em certo sentido, a Segunda Sinfonia de Mahler assemelha-se às Quatro Estações de Vivaldi. Não é difícil desfrutá-la, nem é difícil pintar paisagens mentais com ela. É música de programa. Tem um certo carácter didáctico e directo. A parte final com os seus dois solistas e o coro tem um belo texto de carácter poético-religioso, ao estilo da Nona de Beethoven, mas “menos ouvido”. O trabalho compreende secções alternadas que comunicam emoções bem definidas e contrastantes. Encontrará aqui melancolia em abundância, passagens ternas, batalhas furiosas, sussurros delicados e uma glória desencadeada no final.

Um hino à esperança

A Sinfonia é uma celebração da vida e um hino à esperança. Mas isto é apresentado num quadro de abertura terrível. Tudo começa com o primeiro movimento que sugere um funeral. É a morte que nos é apresentada em toda a sua solene atrocidade. Isto é complementado no segundo movimento que retrata as belas memórias da vida do falecido. Esta dimensão positiva brilha de uma forma especial quando as cordas tocam em pizzicato (um beliscar das cordas) uma doce melodia que nos faz imaginar memórias de infância frescas e estivais. O terceiro movimento é como uma longa pergunta, será que esta vida faz sentido? Quando algumas respostas ameaçam organizar-se, sons tristes, sardónicos ou irónicos levantam-se e acabam por destruir o pouco que resta de belo ou nobre. Tudo é deixado inacabado. Depois, surpreendentemente, a “Luz Auténtica” entra em cena, sugerindo nos seus versos uma nostalgia do céu. O caos vai-se ordenando. O reconhecimento, na letra do leider, de que pertencemos a Deus e a Ele nos dirigimos é um sinal de que o processo não está fora dos trilhos. Contudo, uma certa perplexidade regressa com o “tutti” de abertura do último movimento. A ressurreição ainda não está completa. Os chifres marcam o início de uma batalha final ou de uma caçada. Os temas de todos os movimentos são misturados com novos temas. Há um mal-estar no ar, quem acabará por triunfar? Até o refrão entrar, suave, subtil, como se estivesse a escoar-se por uma fenda. É a graça que vai entrando com ligeireza, mas implacável no seu poder salvador. A promessa é sugerida ao de leve, mas acaba por se impor através da harmonia coral: “Vais ressuscitar… para florescer, foste semeado”. Os solistas não fazem senão animar o novo amanhecer. Finalmente, o órgão entra, como uma representação perfeita da presença de Deus que tudo envolve, e eleva. Estamos perante a sua glória, sem mais perguntas. É o som de uma grande certeza.


Gustav Mahler Symphony No. 2 «Auferstehung» – Claudio Abbado – Chicago Symphony Orchestra:


Ficha Técnica

TÍTULO: Segunda Sinfonia
COMPOSITOR: Gustav Mahler
ESTREIA: 1895, Berlim
DURAÇÃO: 80-85 minutos
VERSÕES: Recomendamos as versões dirigidas pelos maestros: Claudio Abbado e Leonard Bernstein. Se for possível aconselham-se as versões em vídeo (Youtube ou outra plataforma).

Original: espanhol (4/11/2021). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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