Pe. Enrique Grez López •
A capa do livro de Maria Iordanidu mostra uma romã madura, vermelha e cheia de sumo. É um sinal do que vamos encontrar nas duzentas páginas que se seguem: a vida de uma mulher que se desdobra diante de nós com uma vitalidade incontrolável. Loxandra é uma mãe que agasalha à sua volta os seus próprios filhos e os filhos de outras pessoas, mas também os seus parentes, vizinhos e até os gatos do bairro. —
Ela é uma cozinheira gulosa, mas também uma costureira astuta, capaz de criar um novo vestido a partir dos restos esquecidos no seu kit de costura. É uma ortodoxa grega de Istambul, a cidade acariciada pelo sol e pelo mar, que para ela será sempre Constantinopla.
De vez em quando faz as suas peregrinações à Virgem de Baluklí. Ela vai lá, recolhe a água benta que cura todos os males e fala-lhe das suas dores, que na realidade são as da sua família.
Loxandra é uma mãe, mas num sentido coloquial poderíamos dizer que é uma rainha: uma mulher encantada e encantadora que preside à vida da sua família com o seu bom humor, boas maneiras e senso comum.
Loxandra tem visões, imaginações geniais, digamos.
“Desde que Klío (a sua filha) ficou grávida, o bebé era uma realidade para Loxandra. E era uma rapariga. Ela viu-a sentada no ventre da sua mãe, como se estivesse num trono. Com os seus pequenos caracóis, com as suas pequenas mãos, à espera do momento do nascimento para gritar: “Cucu, avó!
Outras vezes imaginou-a no seu próprio ventre, e então sentia náuseas, tonturas e tinha desejos.
A autora arranca-nos um sorriso quando descreve o panorama a partir dos olhos, nariz e paladar de Loxandra. Assim, este mundo imaginado torna-se muito tangível. Esta lendária matriarca imagina o bebé no ventre da sua filha como o Deus Menino sentado no colo da Virgem Maria. Daí a sua dignidade, a sua beleza e a sua capacidade de dar boas notícias. É uma visão maravilhosa. Por outro lado, ela é tão capaz de se colocar no lugar da filha que, mesmo quando é mais velha, os sintomas de gravidez chegam até ela. Embora a ânsia não conte porque essa característica é permanente.
Maria Iordanidu (1897-1989) é capaz de arrancar-nos não um, mas uma série de sorrisos enquanto lemos. O que não é pouco hoje em dia. É um humor simples, que não faz mal e que nos leva a reflectir sobre algumas questões essenciais: a vida, a família, as nossas necessidades. O texto faz-me lembrar as minhas avós. O que Iordanidu nos diz não é ficção, é provavelmente uma maravilhosa elaboração da sua história familiar. Na América colocaríamos este género próximo do realismo mágico, mas às portas do que nos habituámos a chamar o Oriente, é simplesmente uma lição de humanidade e de fé encarnada. Encarnada, sim, em matéria que se come e unge, como as dolmás e a água benta de Baluklí que Loxandra consumia com igual prazer.
Ficha Técnica
AUTOR: María Iordanidu (2018)
TÍTULO: Loxandra
EDITORIAL: Acantilado
COLECÇÃO: Narrativa do Acantilado, 301
TRADUTOR: Selma Ancira
PAPEL: Sim
EBOOK: Sim
Com esta primeira coluna, o Pe. Enrique Grez López inicia uma série de contribuições para schoenstatt.org. O objectivo é apresentar textos de crítica cultural numa vasta gama de plataformas e, eventualmente, mobilizar o leitor para pegar num livro, ir ao cinema ou ligar a rádio. Se esta experiência de aproximação à beleza, ou a um certo sentimento comum, provocar o início de uma conversa sobre a dimensão material da nossa fé, a satisfação do autor seria total.
Original: espanhol (24/9/2021). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal