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Posted On 2021-01-14 In Artigos de Opinião

Abusos em Schoenstatt: vamos continuar discutindo este assunto (1)

BRASIL, Luciana Rosas •

Diante da repercussão do artigo Abusos em Schoenstatt: um assunto a ser discutido, percebi que era muito importante dar continuidade ao tema e ao debate, gerando assim mais conhecimento, consciência e empatia. Esta nova abordagem estará dividida em três artigos que serão publicados semanalmente, a saber: Conversando sobre os comentários, no qual poderemos aprofundar a discussão sobre os temas mais recorrentes nos comentários publicados no site schoenstatt.org quando da publicação do primeiro artigo; Estamos preparados para receber denúncias de abuso em Schoenstatt? no qual apresentaremos algumas dificuldades com as quais as vítimas de abuso se deparam ao realizar denúncias em Schoenstatt e como a estrutura do Movimento de Schoenstatt pode contribuir para isto e o terceiro Entendendo mais sobre o Abuso Espiritual, no qual abordaremos algumas características de sistemas abusivos para que possamos identificar situações de abuso e também ajudar e empatizar mais com as vítimas de abusos sofridos. 

O objetivo é que, através de um maior conhecimento sobre o tema, possamos desenvolver mais empatia e oferecer maior acolhimento para as vítimas, bem como trabalharmos de forma mais objetiva, como Família de Schoenstatt, no combate aos diversos abusos que acontecem em nosso Movimento, porque sim, abusos acontecem.

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Conversando sobre os comentários

Quando decidi escrever o artigo Abusos em Schoenstatt: um assunto a ser discutido esperava realmente que a decisão de escrever, de forma clara e direta sobre o assunto, tivesse repercussão e gerasse debate. Mas tenho que confessar que o alcance deste texto ultrapassou todas as minhas expectativas. Os comentários sobre o texto foram muitos, tanto os publicados na página schoenstatt.org quanto os que foram escritos de forma pessoal, agradecendo-me pela coragem e claridade na exposição de um assunto tão delicado.

Refletindo sobre os comentários que recebemos diretamente no texto – e gostaria nesta oportunidade de agradecer pessoalmente cada um deles – percebi que efetivamente precisamos falar – cada vez mais – sobre este assunto, com o objetivo de caminhar em direção à tomada de consciência do que significam os abusos espirituais, oferecendo às pessoas esclarecimento para reconhecerem se estão submetidas à uma situação abusiva, quais os caminhos possíveis (e muitas vezes impossíveis devido à dificuldade no caminho para se fazer uma denúncia) e o esclarecimento daqueles que ainda acham que uma situação de abuso que é denunciada é vitimismo ou mesmo falta de fé ou vocação.

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Esclarecimento sobre o texto anterior

Devido à imensa quantidade de comentários no texto anterior, gostaria de fazer um esclarecimento: em nenhum momento o texto se refere às acusações que foram tornadas públicas contra o padre José Kentenich, sendo que o texto, inclusive, foi escrito e postado antes da publicação do livro de Alexandra von Teuffenbach.

No presente texto tampouco se abordará a questão das acusações contra o padre Kentenich. O que sim será tema de discussão é a forma com que o assunto tem sido conduzido, a pouca empatia e respeito com as possíveis vitimas que denunciaram os abusos sofridos e o pouco profissionalismo na condução de assuntos tão delicados como este.

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Assumir uma realidade não é vitimismo

Uma das experiências mais dolorosas para uma vítima de abuso, seja ele de qual tipo for, é ser atribuída a ela – vítima – a culpa pelo abuso sofrido. Gostaria de compartilhar um dos pontos que mais me chamaram a atenção nos comentários recebidos no texto: os mais agressivos foram de pessoas que me conhecem. Na realidade, apenas sabem quem sou, porém não me conhecem e nem conhecem a minha história. Isto é apenas um indicativo da dificuldade que uma vítima de abuso tem para encontrar um local seguro no qual possa conversar, compartilhar sua história, ser acolhida e receber as indicações sobre como deve lidar com o tema.

Deve-se ter claro que o reconhecimento de ter sido vítima de abuso não transforma o discurso em vitimismo, muito pelo contrário. O reconhecimento faz parte do caminho de ressignificar a história pessoal, a história comunitária e a relação com a fé. Tenham a certeza de que uma vítima acolhida em amor e abertura de coração terá muito mais chances de poder ressignificar e seguir com sua fé.

Outro ponto levantado nos comentários e que penso ser de extrema importância ser abordado é a questão da idade da pessoa que foi abusada. “Mas quantos anos você tinha quando foi abusada?”, como se o fato de ter determinada idade diminuísse o impacto do abuso espiritual sofrido.

Claro, até o momento, discutem-se os casos de abusos contra menores de idade, principalmente pelas consequências civis que determinados atos implicam. Estes abusos devem ser combatidos à exaustão, até que nenhuma criança ou jovem seja vítima de qualquer tipo de abuso.

Mas, deve-se ter em conta que muitas das pessoas que são abusadas espiritualmente estão na esfera religiosa desde muito pequenas, e por isso tiveram suas personalidades educadas e moldadas para entenderem e aceitarem que os que ‘guiam’ o caminho são presença de Deus, quando não são inculcadas de que estes guias são infalíveis ou voz de Deus inquestionável. Partindo deste pressuposto, mesmo uma pessoa que cumpriu 18 anos e atingiu a maioridade civil, está suscetível a ser vítima de abuso espiritual e demorar muito tempo para entender do que se trata, ainda mais quando o assunto sequer é debatido ou esclarecido nos ambientes nos quais vive.

Em novembro de 2020, a autora Barbara Haslbeck lançou o livro “Erzählen als Widerstand” (disponível apenas em alemão, em tradução livre: “Narrar como forma de resistência”). Em uma entrevista republicada pelo veículo jesuitas.lat no Dia Internacional de Combate à Violência Contra a Mulher, ela aborda justamente as dificuldades que mulheres adultas têm de realizar denúncias sobre abusos sofridos, o pré-julgamento que recebem da comunidade à qual pertenceram e da sociedade, e como o abuso espiritual é a porta de entrada para abusos sexuais:

Diante da pergunta: “As mulheres adultas ouvem frequentemente o argumento de que poderiam ter dito ‘não’?”, responde:

“Muitas têm muito medo de serem culpadas pelo abuso. Você se pergunta inúmeras vezes por que eu não pude dizer não, por que não saí de lá imediatamente. Mas como disse: o abuso vai surgindo lentamente, não acontece de imediato. Os perpetradores constroem uma relação de confiança e passam a ser tornar indispensáveis. (…) As afetadas sentem que isso não é bom para elas, mas sua percepção é tão anulada que não podem mais classificá-la. Nas comunidades, os membros são confrontados uns com os outros, aquela que tenta dizer algo contrário é intimidada e isolada. E de repente não há mais ninguém para a pessoa afetada contar o que está acontecendo com ela”. (Tradução do espanhol)

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Anonimato: triste consequência de abusos sofridos

Continuando a reflexão sobre os comentários recebidos no texto, era esperado que algumas pessoas manifestassem que também teriam sido vítimas de situações abusivas em Schoenstatt e que, em muitos casos, não quisessem se identificar. Falar sobre abuso espiritual (na verdade sobre qualquer tipo de abuso) ainda é um tabu e é compreensível que naquele momento a pessoa não quisesse dizer seu nome. Talvez tenha sido a primeira vez que a pessoa leu sobre o assunto em Schoenstatt e, por isso, se sentiu encorajada para compartilhar um pouco de sua história. Isso é uma decisão interior importante, pois expressar-se é o primeiro passo para olhar para uma situação dolorosa e ressignificá-la. Por isto deixo aqui me agradecimento e meu orgulho pela coragem de compartilhar um pouco de suas histórias. Obrigada pela confiança e pela força que cada um de vocês tem de seguir adiante. Nenhum de vocês está sozinho neste caminho e falar é essencial em um processo de cura interior e exterior.

Por outro lado, devo mencionar aqui minha surpresa ao também ler comentários agressivos em relação ao anonimato destas pessoas, partindo exatamente de onde deveria haver maior compreensão, acolhimento e disposição em ouvir e orientar. Isso me demonstrou – uma vez mais – que estamos muito longe de onde deveríamos estar. Ao invés de desanimar, tomar consciência disto me dá mais força para seguir batalhando para que este assunto seja cada vez mais conhecido, compreendido e as vítimas acolhidas e respeitadas em sua integridade e dignidade.

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A experiência positiva não invalida a negativa e vice-versa

Um discurso bastante nocivo para uma vítima de abuso (novamente para qualquer tipo de abuso, mas aqui me refiro especificamente ao abuso espiritual) é tentar invalidar a experiência abusiva através de experiências positivas. “Eu nunca vi isso acontecer”. “Isto nunca aconteceu comigo.”

Que bom! Isso não significa que o abuso não tenha ocorrido com a pessoa que o denuncia. Tampouco a existência de uma experiência abusiva invalida uma experiência positiva que outra(s) pessoa(s) possam ter tido.

É sabido que em sistemas abusivos nem todas as pessoas são abusadas, tampouco as vítimas são abusadas da mesma maneira. Isto deve estar claro para todos nós. Abuso é objetivo e pessoal e não permite generalizações.

Nem tudo o que acontece – na vida e no mundo – a gente vê ou experimenta. E nem por isso deixam de existir. Cuidemos para não entrarmos nesta falácia e continuar provocando ainda mais dor para quem tenta levantar sua mão e sua voz contra uma situação de abuso sofrida.

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Na próxima semana seguiremos discutindo o assunto com o segundo artigo da série:

Estamos preparados para receber denúncias de abuso em Schoenstatt?


Luciana Rosas tem 39 anos e mora em Curitiba, Brasil. É economista, estudante de psicologia e teologia. Tradutora e Social Media Manager de schoenstatt.org.
É membro do Movimento de Schoenstatt desde 1994. Atua em temas circundantes à defesa da mulher, inclusão de minorias e Direitos Humanos. Atualmente pesquisa os impactos de temas de fronteira na Igreja, especialmente questões de abuso de poder, moral, sexual e de consciência.
Sonhadora e lutadora. Apaixonada por Schoenstatt e pela liberdade.

 

Abusos em Schoenstatt: um assunto a ser discutido

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1 Responses

  1. Joana says:

    Acredito que podemos e devemos sim falar de uma maneira honesta sobre tais assuntos!!! Abusos acontecem sim, de diversas formas, dentro de comunidades, dentro da nossa Igreja (e de tantas outras). Chegamos a ser, de certa forma, condicionados em nossa sociedade, à condenação da vítima e se não cuidarmos, nós, cristãos, somos os primeiros a fazer isso!!! “Ah… Foi abusada pq estava de saia curta”!!! Então… amigos, até às irmãs de Maria escutam coisas desagradáveis, são “cantadas” mas ruas, etc.
    Chega a ser hipocrisia da nossa parte, que aprendemos e pregamos tanto sobre individualidade, sobre ser amado pessoalmente, de sermos únicos e etc, não conseguirmos compreender o sofrimento do outro, que também é um sofrimento único. Não existe comparação ou disputa de quem sofre mais ou de que maneira sofre.
    Como psicóloga afirmo tranquilamente que talvez só “as paredes” de nossas clínicas saibam a dimensão que alcançam algumas palavras, inibições, julgamentos e ações!!! (e olha lá!!! Pra chegar nisso pode demorar um bom tempo dentro de uma analise)

    Que nossa Rainha continue cuidando de todos e o Espírito Santo nos traga clareza, sabedoria e compaixão!

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