Por Rafael Mascayano, Chile •
Nos primeiros inquéritos realizados após a explosão social de 18 de Outubro do ano passado no Chile, um dos temas de descontentamento foi o “abuso no local de trabalho”. Sim, no nosso país instalou-se uma forma de relação laboral abusiva, de falta de respeito pelos direitos laborais, e o que é mais grave: de formas inadequadas no tratamento dos subordinados por parte dos seus patrões. —
A primeira coisa que nos impressiona é precisamente o oposto do que Jesus marcou nos Seus Evangelhos e do que vemos a partir do exemplo de Sua mãe, Maria. O Pe. Kentenich fala-nos, constantemente, da relevância da dignidade de cada pessoa e do respeito que devemos ter por ela. É a cruzada de 31 de Maio e o seu organismo de vinculações que está hoje ausente na nossa sociedade. Ao mesmo tempo, a pandemia trouxe ao de cima o melhor de nós, como também revelou injustiças sociais e, algumas delas, dentro dos lares.
Há anos atrás, o Pe. Rafael Fernández, numa Jornada para casais , chamou a nossa atenção para quantas injustiças já estavam a incubar nas nossas casas. Ele desafiava-nos, fortemente, em relação ao que estava a ser vivido nas nossas famílias: como lidamos com as pessoas que trabalham nas nossas casas? Cuidamos para que elas não só tenham o salário legal, o pagamento legal pelos seus trabalhos, mas vamos para além do legal? É um escândalo que, enquanto os alimentos são deitados fora nas nossas casas, as pessoas que trabalham connosco não tenham sequer o básico para se alimentarem. E assim por diante com roupas, educação das crianças, brinquedos, etc.
Em muitas casas, vêem-se belas situações em que pais, filhos, funcionários, almoçam ou comem juntos, e o tratamento é muito cordial. Mas, há outros casos em que as pessoas que trabalham dentro de casa são “tornadas invisíveis” pela família para a qual trabalham; o tratamento é depreciativo e até degradante. E o que podemos dizer do horário de trabalho, do direito ao descanso, do direito à vida familiar?
Numa conversa com uma schoenstatteana, com quem partilhámos a nossa preocupação pelo pensamento social do Pe. Kentenich, ela comentou que via com grande preocupação a pouca relação que existia entre os temas da formação e o tratamento que várias pessoas tinham com as pessoas que com eles trabalhavam. Até sem pagarem as obrigações laborais mínimas. E nas conversas com algumas senhoras que trabalham em casas particulares, eram muito poucas (pelo menos nesse grupo) as que tinham experiências positivas de trabalho e de tratamento pessoal.
Ninguém deve ser invisível
Em várias ocasiões acompanhámos a Irmã Angelica Infante a diferentes casas, e cada vez que chegávamos, depois de cumprimentar os donos da casa, iamos cumprimentar a pessoa que trabalhava naquela casa. Com uma memória prodigiosa que Deus lhe deu e que ela cultivou, perguntava-lhe pela sua família, por cada um deles, e comentava-nos sobre os talentos que tinha na cozinha ou noutras actividades. Ninguém era invisível para ela, cada pessoa tinha um dom e uma realidade que ela conhecia e destacava e que era, de verdade, do coração. Desde muito jovem, ela dizia-nos: “as roupas que não são usadas durante algum tempo não nos pertencem, pertencem àqueles que precisam delas, e é importante que se preocupem com isso”.
O nosso compromisso com o Santuário, a Aliança de Amor, o Santuário-Lar, leva-nos a acreditar que a educação dos nossos filhos deve ser uma realidade orgânica, uma vez que a partir de casa estão a aprender um tratamento justo ou injusto, uma relação amorosa ou déspota. E o mais relevante é a coerência ou incoerência entre a fé e a vida.
Recentemente vi no Facebook uma fotografia de família de um velho irmão da Juventude Masculina, e o que mais me agradou foi o facto de, no centro, estar a Sra. Emilia, que está com eles há muitos anos e era a pessoa mais importante do grupo retratado.
Aprendemos a justiça ou injustiça social no dia-a-dia, nas relações internas de uma casa e, por isso, temos de estar conscientes das nossas congruências e incongruências como católicos, como schoenstatteanos. Não pode acontecer que a vida daqueles que trabalham connosco passe despercebida, que não saibamos do seu sofrimento, da sua realidade e que nem sequer façamos o básico para os respeitar e dignificar de todas as formas: economicamente, no trabalho, nas relações, na família, na religião.
Original: espanhol (21/6/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal