Posted On 2020-01-27 In Artigos de Opinião, Vozes do Tempo

A nossa Mater quererá ser coroada?

Patricio Young, Chile •

É sabido que em 18 de Janeiro de 2018, no Chile, a coroa da Mater foi roubada do Santuário de Bellavista. Foi no dia em que o Papa Francisco celebrou a Missa de Nossa Senhora do Carmo, no seu último dia no país. Este ano foi decidido coroá-la novamente e no meio disto surge esta reflexão.—

Na publicação anterior deste site, “Deus quis falar-nos através das vozes dos tempos no Chile“, assinalava que este roubo é um sinal de que Ela queria “baixar-Se” e não continuar como rainha.

Se olharmos, providencialmente, Francisco indicou naquela Homilia como Maria nos mostra que devemos estar atentos às necessidades dos outros, àqueles que são invisíveis aos nossos olhos, especialmente quando vivemos numa bolha social. A tantos que “não têm vinho” no nosso país.

O Magnificat afirma claramente que “o Senhor derruba os poderosos dos seus tronos e exalta os humildes”. Ele enche os famintos de bens, e aos ricos despede-os de mãos vazias.”

Maria é, sobretudo, uma serva e, sobretudo, uma das mais necessitadas.

Ela diz-nos de alguma forma: “Não posso estar aqui como rainha se os meus filhos no país estão a sofrer e vocês não parecem vê-los. Diante do grito dos pobres que sofrem, está Maria, a mulher humilde, mãe, serva, intercessora, que diz ao Seu filho: “não têm vinho”.

Mas, do mesmo modo, este ano deseja-se coroá-la novamente.

Será o que ela quer? Será o que a nossa missão exige? Será um sinal que responde às vozes dos tempos na situação actual do Chile?

Não há dúvida de que a sua maior vocação é ser a Mãe de Cristo e, por extensão, de todos nós. Esse é o seu legado. Maria quer caminhar connosco pela vida, partilhar os nossos desafios e realidades, sendo fiel à Aliança; Nada sem Ti, mas nada sem nós.

O maior título e a maior dignidade para Ela e para todas as mulheres é a sua característica de mãe. Não há outra missão mais digna e bela. Uma mãe em cada família não está num trono. Ela está na tarefa diária dos seus filhos, cuidando das suas vidas, do seu desenvolvimento e crescimento.

Maria é humilde e simples, Ela é alheia a qualquer protagonismo. A sua missão como mãe é estar perto do Seu Filho. Ela vive plenamente este grande tesouro de ser mãe.

Esta é a dignidade que Ela valoriza acima de tudo. Ela não tem interesse em governar, dirigir ou gerir o Seu Filho ou nós. Ela prefere conduzir, apoiar, confortar e partilhar a nossa caminhada. Ela é uma educadora por excelência, mas não a partir de uma secretária ou de uma cátedra, mas a partir de baixo, percorrendo o nosso caminho.

Ela quer ser valorizada e reconhecida como a mãe de todos e talvez como A Grande Mãe.

É verdade, o Pe. Kentenich coroou Maria em muitas ocasiões. Também é verdade que ele deu grande valor e significado a este acto. O que é que ele quis dizer com isto? Foi uma violência suave para que ela agisse diante de uma necessidade, para que ela se manifestasse através do Capital de Graças.

Portanto, tinha um carácter simbólico em si mesmo e a coroação não determinou o carácter da sua Mariologia. Ele estava à procura de uma forma de A enaltecer.

Como símbolo, representa a realidade do mundo em meados do século passado, com vestígios de memórias do século XIX, mas extremamente diferentes da realidade de hoje. Além disso, ele sempre o fez num espírito de Aliança: Nada sem Ti, nada sem nós. Por outras palavras, ele tinha muito claro que Deus estava a agir através del’A, através de causas segundas livres. Em suma, ele sabia que não se podia esperar uma intervenção divina directa para resolver os problemas. Mas que, supunha um trabalho nosso em consequência disso.

Em pleno século XXI, as rainhas são quase figuras decorativas, não têm um papel activo e importante nas sociedades onde existem. Além disso, muitos consideram que desempenham apenas funções representativas e unificadoras, mas no final pouco fazem e vivem com opulência à custa dos impostos dos seus súbditos.

Ninguém hoje esperaria ter uma rainha como ideal para emular, muito menos como exemplo a seguir. Elas só têm um grande espaço nos contos de encantar

Porquê então insistir em usar o símbolo da coroação?

Mudar as expressões do passado para outras que melhor representam o presente, de forma alguma significa trair ou questionar o Pai- Fundador. Se assim fosse, nada poderia ser mudado e deveríamos estar a celebrar as Missas em latim como ele fez na maior parte da sua vida.

O que o Pe. Kentenich queria no seu tempo, hoje deveria ter outra expressão na forma. Sem dúvida, celebrá-la na sua qualidade de Mãe ou mesmo de Grande Mãe tem um significado real e um valor maior.

Ela continua a valorizar o nosso Capital de Graças, porque está interessada no nosso crescimento pessoal para entregar mais e melhor amor e misericórdia. Nunca sacrifícios por sacrifícios. Recordemos que Cristo nos aponta: “Prefiro a misericórdia ao sacrifício” (Mt 12; 1-8).

A linguagem dos símbolos gera realidades, diz Maturana. Sem dúvida que esta linguagem só serve para aprofundar a nossa imagem conservadora e elitista, longe do Schoenstatt renovado que precisamos e queremos. Além disso, parece-me muito inapropriado para o tempo que o nosso país está a viver.

Porquê se quer fazer uma nova coroação agora? Bem, o Pai-Fundador em tempos difíceis fazia este acto de coroação. Parece razoável e consistente. Mas, juntamente com o acto, são necessárias acções que tragam as mudanças desejadas, não apenas as intenções. Porque senão seria um acto “projectivo”, ou seja, eu projecto a minha responsabilidade sobre Maria e transmito-a completamente. Não assumo a responsabilidade de provocar mudanças em mim, na sociedade e no Movimento, para permitir que Deus aja.

Não basta rezar, repete-nos o Papa Francisco. “Nem todos os que me chamam Senhor, Senhor entrarão no reino dos céus, mas os que fazem a vontade de meu Pai” (Mt 7,21). Sabemos qual é essa vontade do Pai; os actos de misericórdia.

Lida a convocatória, parece ser do interesse colectivo da Família. O que falta são compromissos concretos da Família e não apenas boas intenções. Se a nossa Mater nos quis dizer com a perda da coroa que quer “baixar-Se” porque o Movimento vive numa bolha social e os Seus filhos precisam do vinho da justiça, da solidariedade e Ela nos diz “Não posso estar aqui como rainha se os meus filhos no país estão a sofrer e vocês não parecem vê-los”, é necessário rever e trabalhar mais sobre esta manifestação, porque seguir mecanicamente este processo não parece coerente.

A resposta da Família deve ser clara e concreta, coerente com os Seus desejos e não apenas intenções. A título de exemplo: Fazer uma campanha nacional para incorporar, plenamente, na Família, pessoas de sectores sociais mais modestos , o que nos enriquecerá. Em Schoenstatt há lugar para todos. Criar uma Fundação, como Família, com a contribuição de todos aqueles que têm muito, para ajudar a gerar melhores condições nos sectores mais necessitados, não como caridade, mas para o seu crescimento e desenvolvimento.

Gerar uma instância para reflectir sobre a nova Constituição, a fim de darmos a nossa contribuição. Estas são coisas concretas que são necessárias. Agora, se não formos capazes de nos pôr de acordo sobre tarefas concretas, não tentemos passar “a batata quente” para a Mater.

O que é claro é que parece uma contradição que, quando procuramos exaltar os mais pobres e menos favorecidos do Chile, realizemos um acto de coroação. Não podemos usar outro sinal mais simbólico para este tempo e para o nosso tempo?

A característica própria da nossa Família é apontar, com uma certa unilateralidade na organização e na vida, para o futuro assim delineado; deixar-se inspirar por ele, antecipar-se a ele a partir de agora, descrevendo-o com traços ousados, e esforçar-se por lhe dar forma e o implementar. Homens que vivem apenas no passado e no presente, que conhecem apenas a velha margem, que têm uma atitude exclusivamente conservadora, dificilmente estarão em condições de enfrentar a visão do futuro de Schoenstatt e os meios e caminhos para a sua realização” (P. K. Espírito e Forma página 33).

O Pe. Kentenich, em 31 de Dezembro de 1965, numa palestra à Família, em relação com a renovação da Igreja, assinalou:

…significa orientar-se com maior consciência pelos acontecimentos realmente importantes, pelas transformações que estão a ocorrer na época, pela mais recente margem dos tempos. A consequência disto será, por assim dizer, uma espécie de revolução, um forte movimento em toda a Igreja: abandonar uma concepção exageradamente conservadora e avançar para uma concepção progressista” (JK A Renovação da Igreja página 27).

Estes textos podem, de alguma forma, inspirar melhor esta reflexão. A questão óbvia que tudo isto levanta é: saberemos realmente ler os sinais dos tempos? Seremos nós capazes de abandonar uma visão demasiado conservadora?

Neste processo de refundação ou renovação do nosso Movimento, convido-vos a revermos muitas práticas, que se estão a tornar habituais e normais, e que não pensamos em questionar. Elas também estão a marcar a vida, a pedagogia e as expressões do Movimento neste tempo.

Sem consciência crítica, nenhum progresso é feito.

 

Original: espanhol (19/1/2020). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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