ARGENTINA, Jorge Lezcano •
Antes de mais nada, Patricio, gostaria de te agradecer pelas tuas palavras que nos ajudam a acordar da nossa confortável letargia, da qual em muitas ocasiões assumimos o papel de observadores, sem dar o passo necessário para nos tornarmos protagonistas e criadores da nossa própria história e da do nosso país. —
Por outro lado, concordo com a maior parte dos conceitos que expressas, mas, sobretudo, com a preocupação com a nossa realidade social, na qual estamos incluídos como cidadãos e como Igreja. Como dizes, não há tempo para eufemismos ou evasivas, mas, pelo contrário, é tempo de respostas concretas que implicam muito sacrifício, coerência de vida e, como dizes, dedicação.
Tocar com as próprias mãos as feridas dos pequenos cristos sofredores
Por razões que só Deus e a Mater entendem, faço trabalho social desde muito jovem e neste processo de aprendizagem tem sido difícil aceitar que tempo e recursos não são suficientes diante de tanta necessidade e urgência que a realidade da pobreza e miséria, insegurança, ignorância, desnutrição, insalubridade, vícios, e como se não bastasse, uso e doutrinação políticos corruptos, aos mais necessitados.
É inevitável sentir a angústia e o desamparo que te levam a reconhecer que não podemos resolver tudo e que muitas vezes só é preciso que nos sintam como um irmão que os acompanha e os escuta na vida.
Preocupou-me a resposta que te deram, que “não se podem dedicar porque tem um custo económico”, já que, sinceramente, é muito verdadeiro, e muitas vezes um custo mais elevado mesmo na vida familiar, mas é uma etapa a ultrapassar. Enquanto as feridas dos pequenos cristos sofredores não forem tocadas com as nossas próprias mãos, não podemos compreender a dor e as urgências que a sua vida coloca. Não é fácil compreender que os pobres, acima de tudo, precisam do nosso amor e afecto, mas também do nosso tempo para os acompanhar no seu processo de mudança, de crescimento pessoal e económico. Hoje esse tempo tem um nome e chama-se dinheiro, o mesmo dinheiro que é usado para dignificar e outras vezes para subjugar.
Mais difícil do que compreender isto, é responder à tua pergunta: Onde está o nosso coração? porque se trata de reconhecer o que consideramos o nosso tesouro mais precioso.
Animarmo-nos a responder a esta pergunta dentro de nós próprios implica uma grande mudança na nossa vida, prioridades e tempo. Muitas vezes é um novo começo e, entre outras coisas, o que magoa muitos em boa ou má situação económica é a de partilhar parte do nosso dinheiro, o famoso “pôr a mão no bolso”. Mas, acima de tudo, implica fazer uma opção, essa famosa opção pelos pobres que Cristo fez, que nos foi recordada no documento de Puebla e que todos nós aplaudimos, mas poucos abraçámos.
A abertura social de Schoenstatt
Partilho uma grande preocupação pela abertura social do nosso Movimento. Não basta uma Missão Familiar, um apostolado esporádico (tarefas que louvo, das quais me orgulho e promovo), um olhar teórico sobre a pobreza, uma análise meramente intelectual dos processos sociais dos nossos países. É um primeiro passo, um passo muito bom, mas precisamos de uma decisão de todos, Padres, Irmãs, toda a Família de Schoenstatt, para revermos as nossas prioridades pastorais, e começarmos a trabalhar na inclusão dos sectores sociais mais necessitados. É necessário envolvermo-nos para além dos erros que possamos cometer ao longo do caminho e que certamente nos ajudarão a crescer.
Um Santuário para todos
Temos uma grande necessidade de voltar à fonte, de recuperar a vida de um Santuário para todos. Que o nosso “sair ao encontro” seja algo mais do que um bom apostolado de algum Ramo ou extracto social, uma muito boa experiência matrimonial ou familiar, e sem deixar de trabalhar no que estamos a fazer actualmente, precisamente porque é para todos, para fazer uma verdadeira opção que equilibre os nossos objectivos pastorais. Trabalhar com muita ênfase numa determinada área social é geralmente muito positivo em alguns aspectos, pois permite apoio económico e pastoral (com grande esforço), mas não sem um risco latente de naturalizar muitas vezes o nosso aburguesamento de consciência e diminuir a nossa visão perante uma verdade, muitas vezes desconhecida, de outra realidade social, que completa a realidade do nosso país.
Dizê-lo desta forma soa muito retórico, mas a verdade é que falamos de pessoas concretas, peregrinos da nossa Mater que sofrem insegurança, fome e quantas outras necessidades insatisfeitas, enquanto o nosso olhar e os nossos objectivos são obscurecidos por outro tipo de opções e prioridades, que nem sempre incluem a questão social urgente.
Tudo isto não diminui ou menospreza o trabalho e o esforço que se faz em cada comunidade, pelo contrário, é necessário encorajá-los a continuarem a fazê-lo e a crescer, se possível, mas não é suficiente.
Como é difícil encontrar palavras que não sejam demasiado duras nesta análise e que, ao mesmo tempo, expressem reconhecimento e gratidão a todos aqueles que estão conscientes desta realidade e, quer sejam ou não bem sucedidos, fazem todos os dias o esforço de lutar contra a corrente. Obrigado porque com seu testemunho dão-nos esperança de que é possível construir um mundo novo, uma comunidade nova.
Responder com o foco na realidade social e muita visão para o futuro.
Dizes bem que “isto requer uma profunda revisão” da nossa querida Família, para responder com um olhar voltado para a realidade social e com muita visão de futuro, sobre quais serão as nossas escolhas fundamentais, que garantirão que não nos afastemos do nosso objecto fundacional, fiel à missão legada pelo nosso Pai.
Também concordo que durante muito tempo olhámos, do outro lado da rua a nossa Igreja, com uma visão clericalista e sem assumirmos o nosso papel de liderança de leigos, atónitos quando vimos que impuseram o divórcio, LGTB, casamento igualitário, ideologia de género, aborto e muitas outras questões.
Com a escassa margem que nos deixaram as obras que se realizam no momento errado, saímos para sensibilizar organicamente e explicar em muitos casos do que se tratava, quando na realidade era uma tarefa de evangelização e catequese que devia ter sido realizada muito antes, ou ninguém notou o trabalho de corrupção cultural e social programada e evolutiva a que estamos sujeitos há décadas?
Esta é uma pergunta que há anos me faço com uma visão crítica do meu país e da nossa Igreja. Sem palavras, se se trata de falar do silêncio cúmplice e da falta de compaixão e de acompanhamento diante de tantos casos de pedofilia nestas últimas décadas.
Este silêncio e esta omissão, muitas vezes expressos na inacção, tornam-nos de algum modo parte do problema. Tudo isto nos impele a tornarmo-nos uma parte responsável de uma solução. Caso contrário, como tantas congregações, viveremos a nossa grande crise de identidade, porque na medida em que não reagirmos, da mesma forma nos afastaremos de nossa ideologia fundacional.
Está na hora de deixarmos os nossos confortos
É o momento de deixarmos os nossos confortos, de voltarmos à fonte do nosso Santuário, de oferecermos horas de joelhos nele, de deixarmos o nosso conforto e olharmos nos olhos do irmão que está fora do nosso espaço confortável e seguro (que no nosso país já não existe), de o conhecer para conhecermos as suas necessidades.
Que me doa o que a ele lhe dói, e que eu me regozije com o que a ele o alegra. Se não for esse o caso, nunca poderemos compreender os seus sentimentos, a sua vida, os seus limites, as suas acções e, obviamente, estaremos muito longe, como Família, de propor qualquer projecto válido, porque não temos um diagnóstico realista da nossa vida como Igreja e como País, para além da nossa pequena família doméstica e da nossa grande Família de Schoenstatt.
Até certo ponto, creio que às vezes negligenciámos o termos os pés firmemente assentes na terra, a avaliação da gravidade do nosso hoje e a urgência do nosso futuro, a escuta da pulsão do tempo, essa visão profética, essa projecção orgânica que inevitavelmente nos leva a tomar uma decisão e uma acção orgânica.
Creio, humildemente, que isto deve surgir da própria vida dos Ramos como correntes de vida, que sopre nos Conselhos Diocesanos e através dos Assessores chegue aos diferentes centros, para que entre todos nós façamos o esforço de reinventar-nos com respostas concretas, diante de uma realidade que nos desafia, às vezes em silêncio e às vezes até com violência.
O nosso ADN deve ser as Bem-Aventuranças vividas.
A nossa identidade de cristãos, o nosso ADN, devem ser as Bem-Aventuranças, o do nosso Movimento Apostólico devem ser as Bem-Aventuranças vividas e expressas em acções concretas a partir do coração e com a força que a Mater nos dá a partir do Santuário com a sua graça de envio.
Mater! Acompanha-nos neste processo de redescoberta, ajuda-nos a compreender a dimensão e a projecção deste problema. Dá-nos a capacidade de olhar um pouco mais para o tempo e de nos projectarmos, profeticamente, como fez o nosso Pai-Fundador. Dá-nos a humildade de aceitarmos os nossos erros, a coragem e a força necessárias para corrigirmos o caminho, mas sobretudo, o amor necessário para sairmos de nós próprios e olharmos para o nosso irmão com o mesmo olhar que Jesus Eucaristia nos dá em Adoração.
Unidos na Aliança.
Jorge Lezcano
Argentina
Jorge Lezcano é Membro da Liga Apostólica das Familias, Círculo Águias Fieis de Maria.
Foto: iStock Getty Images -ID:1124272829, Motortion
Original: espanhol (10/11/2019). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal