Posted On 2019-11-16 In Artigos de Opinião, Vozes do Tempo

Chile 2019: Tempos de mudança são tempos de esperança

CHILE, Pe. Juan Pablo Rovegno •

“Senhor, quando despertar, serei saciado pela Tua presença”, canta a antífona do Salmo deste Domingo. O despertar do Chile esteve no centro das notícias, das “esperanças e ansiedades, alegrias e tristezas” destes dias. —

Um despertar que nos coloca diante (pelo menos) de três dimensões emocionais com consequências concretas:

Despertar a esperança de um Chile mais justo, mais fraterno e mais solidário, para tantas necessidades legítimas, adiadas e invisíveis, para tantas realidades que hoje encontram espaços pacíficos de expressão e possibilidades de realização. Vemos que esse despertar nos despertou a nós e a muitos actores sociais da sonolência, da indiferença e da acomodação. Possíveis respostas e propostas já estão à vista.

Despertar também para a incerteza, através de um processo que ainda não encontra canais definitivos de encaminhamento, nem encontros baseados na confiança e na co-responsabilidade mútua, na complementaridade e na colaboração. Continuam a existir suspeitas, preconceitos, medos, polarizações e muitos interesses em jogo. Isto torna-nos muito inseguros.

Despertar também para a dor, a raiva e o medo, por uma violência virulenta e destrutiva, de grupos, ao mesmo tempo, organizados e anárquicos  que destroem não só bens e espaços públicos, mas também prejudicam a alma nacional nos seus monumentos e símbolos patrióticos e, ainda mais dolorosamente, nos nossos espaços e símbolos sagrados. Vemos com preocupação uma força pública dominada, sobre-exigida, vilipendiada e reprimida, que gera um sentimento de indefesa e um grande desamparo. A agressão ao outro, seja ele quem for, dói.

Um  mundo velho cai para um  mundo novo emergir

No entanto, somos homens e mulheres de esperança. Os tempos de mudança são tempos de esperança: um velho mundo cai para que surja um novo mundo. Há coisas que tiveram que mudar e cada um de nós está a fazer um processo de assimilação e de assunção desta realidade, de tomarmos consciência desta realidade.

Esta semana celebrou-se o 30º aniversário da queda do Muro de Berlim, símbolo de um totalitarismo sem Deus que causou tanta dor e tantos danos.

Um  mundo velho caiu. Talvez hoje sejamos testemunhas e tenhamos a possibilidade de ser protagonistas de uma mudança degrande porte, porque um capitalismo sem Deus leva também à ruína do homem e da comunidade. O totalitarismo e o capitalismo sem Deus e sem referência ao próximo, como consequência, estão destinados ao fracasso.

Quando endeusamos o Estado ou o mercado, temos que estar dispostos a assumir as suas fracturas e fissuras, porque o Estado e a economia não são fins em si mesmos, mas estão ao serviço da plenitude humana e do desenvolvimento, de todos e não só de alguns, ao serviço do bem comum e do bem individual. Nem o Homem sem nome e sem liberdade, próprio do totalitarismo, nem o Homem sujeito ao consumo e à performance, próprio do capitalismo, têm futuro.

Somos testemunhas e possíveis protagonistas de uma mudança de época, que nos desafia a uma nova cosmovisão, a um modo de compreender a realidade e os desafios da realidade. Mas, ainda é um processo em desenvolvimento, ainda estamos a tentar compreender o que aconteceu, as suas causas e consequências, ainda existem forças opostas que geram insegurança e paralisam a oportunidade.

Assim como as placas tectónicas, que colidem de tempos em tempos para libertar energias acumuladas (e temos experiência suficiente, devido à nossa história e geografia telúricas), libertando energias que reorganizam e outras que destroem, percebemos, com dor e surpresa, que havia muita frustração e necessidades acumuladas, que não encontraram de forma atempada espaços para viabilização e solução. Hoje temos a oportunidade de transformar estas energias em algo novo e bom para todos.

O que estamos a viver é uma oportunidade para uma nova conversão, pessoal e comunitária, com consequências sociais.

Por isso, esta mudança de época com consequências concretas para as nossas vidas não nos pode ser indiferente; não podemos ser apenas testemunhas de esperança ou de destruição, mas protagonistas de um mundo novo. O que estamos a viver é uma oportunidade para uma nova conversão, pessoal e comunitária, com consequências sociais.

E para nós, a mudança, a conversão, significa actualizar e responder às palavras, gestos e atitudes de Jesus. Se somos protagonistas, tornamos possível que as mudanças que estão a ser geradas ou procurando canais de expressão e realização, encontrem no Evangelho e nos ensinamentos sociais magisteriais, caminhos e possibilidades de encontro e plenitude.

Nesta perspectiva, inspiremo-nos nas leituras do (Domingo XXXII):

Jesus convida-nos a colaborar para que esta mudança seja a melhor e mais apropriada.

  1. O Evangelho descreve-nos um diálogo de Jesus com um grupo saduceu em torno da ressurreição. Os saduceus eram um grupo privilegiado e, na pergunta que fazem (que sempre nos surpreende e nos faz rir, por causa da possibilidade de uma viúva diante de seus sete maridos falecidos), eles gostariam de encontrar como resposta que o estado de ressuscitado não muda as coisas e nós permanecemos os mesmos. Jesus faz-lhes ver que será um novo estado e uma nova ordem, uma nova fraternidade. As coisas vão mudar..

Gostaríamos que tudo continuasse como antes,dar-nos-ia segurança, mas Jesus convida-nos a colaborar para que esta mudança seja a melhor e mais apropriada.

Negar que algo está a mudar seria colocar-nos na teimosia saduceia e na impossibilidade de colaborar, para que este processo de mudança encontre canais e respostas realistas e possíveis, que acolham preocupações e respondam a necessidades e possibilidades reais. Uma atitude colaborativa, co-responsável e complementar é fundamental, o que implica generosidade e muita abertura.

Cremos num Deus que intervém na história

  1. Para que esta abertura e disponibilidade sejam possíveis, é preciso ter um olhar de fé providencialista: quantas vezes, na história da salvação e da humanidade, Deus nos mostrou que intervém? Ele está no meio de nós e quer que façamos dele o protagonista desta mudança. Esta certeza dá-nos confiança e acalma a nossa ansiedade.

Cremos num Deus que intervém na história e em todos os acontecimentos da história. Neste sentido, São Paulo encoraja-nos a não nos desencorajarmos nem desanimarmos: “Irmãos, Nosso Senhor Jesus Cristo e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu gratuitamente uma eterna consolação e uma feliz esperança, conforta-vos e fortalece-vos em cada obra e em cada boa palavra… Ele vos fortalecerá e vos protegerá do maligno”.

São palavras de esperança, mas a esperança cultiva-se conscientemente: descobrindo os sinais da vida no meio de tanto caos e tendo atitudes de vida no meio de tanta confusão e incerteza: diálogo, encontro, acordos, colaboração, processos e, sobretudo, como diz São Paulo, “boas palavras e obras”.

A condução de Deus precisa e exige a nossa colaboração. Hoje temos o desafio (totalmente insuspeitado há um mês atrás) de colaborar para um novo mundo.

Vivemos num tempo para actualizar e encarnar o que a nossa fé significa em palavras, obras e projectos concretos.

  1. É também um tempo para aprofundarmos a nossa fé: é um tempo de conversão para que Jesus nos inspire de novo, nos una e nos levante. Uma possibilidade para que Ele nos ensine com as Suas palavras, gestos e atitudes, o tipo de sociedade e de relações que precisamos forjar.

Neste sentido, a leitura do livro dos Macabeus é impressionante: “O rei Antíoco enviou um conselheiro ateniense para forçar os judeus a abandonarem os costumes dos seus pais e a não viverem de acordo com as leis de Deus”.

Vivemos um tempo para actualizar e encarnar o que a nossa fé significa em palavras, obras e projectos concretos, na visão cristã do ser humano e da comunidade, do sentido de justiça e liberdade, do amor ao próximo e do sentido transcendente da vida. É tempo de superar tantos preconceitos, tantas dificuldades e tantos egoísmos…

 

Por acaso, não é um tempo para que os nossos jovens olhem a vida e as pessoas de forma integradora, reconhecendo a dignidade de cada pessoa, superando tantas categorias que nos tornam tão maus (cúico-flaite, bairro, escola, apelido… por exemplo), e tantos esquemas e espaços que nos separam e dividem, catalogam e nos distanciam?

Por acaso, não é um momento para os jovens deixarem de pensar somente nos seus projectos pessoais, numa vida assegurada e com os mesmos de sempre, para dar às suas vidas o sentido de um projecto para os outros, para considerar o serviço público como uma alternativa, para descobrir o sentido social da vida e da profissão como uma categoria essencial?

Por acaso, esta não é uma oportunidade para que as mulheres se tornem mais presentes em todas as áreas da vida, ensinando-nos a olhar e a criar empatia, a olhar não só para os resultados, mas para as pessoas, processos e realidades (quantas situações teriam sido enfrentadas de forma diferente, se as mulheres exigissem que o seu olhar contasse)?

Por acaso, esta não é uma oportunidade para os homens, que estão na maioria dos espaços de decisão e de condução, aprenderem a dirigir de forma mais inclusiva, a deixar de lado o fascínio pelo sucesso, autonomia e competitividade, aprendendo a relacionar-se de forma mais colaborativa, assumindo humildemente o valor do complemento?

Por acaso, não é uma oportunidade para todos nós de sermos Igreja (quando a hierarquia e os padres têm uma autoridade mínima), fornecendo a visão cristã do Homem e da sociedade, da economia e do trabalho, da educação e do civismo?

Queridos irmãos e irmãs, o Chile acordou. Depende de cada um de nós que não seja apenas um mau pesadelo que gostaríamos de esquecer, ou o sonho impossível de um mundo ideal. Um Chile melhor depende de cada um de nós.

Original: espanhol (12/11/2019). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

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