Posted On 2019-10-31 In Artigos de Opinião, Vozes do Tempo

Não soubemos, não quisemos, não ouvimos a voz da viúva em tantos rostos e em tantas vidas

CHILE, Pe. Juan Pablo Rovegno •

Diante da crise social e da violência que vive o Chile, o Padre Juan Pablo Rovegno, na sua Homilia dominical de 20 de Outubro, partindo da viúva do Evangelho que pede justiça, exigiu que o Movimento de Schoenstatt no Chile fosse “uma voz que canalize preocupações, que acolha necessidades, que fomente as possibilidades, que faça do tu, do outro, a sua preocupação e ocupação favoritas”. É um tema que não é só para um país em chamas como o Chile, mas é um desafio sair dos “oásis” e “refúgios”, e de nos conectarmos, séria e profundamente, com a realidade concreta. —

As leituras de hoje (Domingo 20/10/2019, XXIX° Domingo) ajudam-nos, providencialmente, a abrir-nos à compreensão dos momentos difíceis que vivemos como Pátria.

Parece que a voz da viúva do Evangelho, durante tanto tempo esquecida e ignorada, reprimida e anestesiada, encontrou um canal de expressão, infelizmente na violência humana e na irracionalidade. No entanto, esta conjuntura desafia-nos, exige ainda mais, que olhemos mais profundamente para a realidade nas suas causas e consequências. Todos nós que somos chamados a ser a voz da viúva, todos nós que temos responsabilidade de liderança na nossa pátria, na esfera pública e privada, secular e eclesial, familiar e laboral, todos nós que exercemos algum tipo de autoridade, somos chamados a ser a voz que canaliza preocupações, que acolhe necessidades, que promove possibilidades, que faça do tu, do outro, a sua preocupação e ocupação favoritas.

Isso não acontece na família? Quando negligenciamos algum dos nossos filhos, quando não tornamos visíveis as suas necessidades, quando os medimos por critérios de uniformidade, exigência e perfeição, quando experimentam abandono ou falta de afecto, sabemos que este filho ou filha vai exigir atenção e inclusão e, se o ignorarmos por muito tempo, vai procurar outras formas de validação, vai até revoltar-se contra o que lhe oferecemos com boas intenções ou por ociosidade, criando dor, incerteza e distância.

A voz da viúva do Evangelho não pode ser nem a violência  nem o caos, muito menos fúria ou anarquia, mas o que leva a que estes limites sejam excedidos? O Evangelho responde: não escutar a tempo a voz insistente da necessidade de justiça. No tempo de Jesus, ser viúva e mulher significava ser condenada ao esquecimento, à miséria e à marginalidade. Também no nosso Chile existem cordões geográficos, sociais e culturais de marginalidade, o que torna impossível ter oportunidades dignas, apesar dos méritos, esforços e capacidades pessoais.

Todos nós que fomos chamados a escutar a insistência que é dada por tantas situações abusivas nas condições mínimas de uma existência digna (pensemos simplesmente no drama da seca que nos colocou à revelia do negócio da água), não soubemos, não quisemos, não compreendemos a voz da viúva em tantos rostos e em tantas vidas, anestesiados  por um aparente desenvolvimento e uma cultura de consumo, de individualismo e virtualidade que nos cegou diante da realidade.

Que resposta devemos dar como cristãos, como homens e mulheres de fé, que não só acreditam em Jesus, mas que querem moldar as nossas vidas e o nosso e o que nos rodeia de acordo com os Seus ensinamentos?

Vamos voltar às leituras:

A importância da Oração

  1. A primeira leitura na pessoa de Moisés fala-nos da importância da oração, de elevar ao alto a nossa súplica para que o amor de Deus Se manifeste. Sem oração, sem entrega, sem elevarmos a nossa súplica, todo o esforço será em vão. Por isso, cada corrente de oração é valiosa, mas não é suficiente. A oração representa o “nada sem Ti”, mas para que a batalha pelo mal, pela violência e pela anarquia seja vencida, requer o “nada sem nós”. A nossa colaboração é fundamental: uma colaboração que nos obriga a reflectir sobre a situação presente e actual sem paixões nem polarizações políticas, sem atitudes defensivas ou ofensivas, mas tentando analisar causas e consequências, de se olhar para o futuro não só pelos nossos próprios interesses mas, pelo bem comum, especialmente para os marginalizados do desenvolvimento, das possibilidades e da dignidade mínima (neste sentido, o facto de o gatilho ser o aumento do preço do metro é bastante simbólico): um metro moderno e brilhante, o melhor da América do Sul, ao nível dos países desenvolvidos como os nossos números macroeconómicos, mas em condições indignas para o cidadão da rua, para a mulher e os idosos, basta usá-lo nas suas horas de ponta).

Colaboração na reflexão, mas também no compromisso e na acção. Se não nos empenharmos todos, ser-nos-á difícil responder a estes desafios económicos que têm consequências futuras. Não só o político e o empresário, não só a autoridade civil, mas todos, porque a nossa vida tem uma dimensão social, uma responsabilidade social que não podemos evitar. Podemos começar por tornar visível a realidade de tantos compatriotas, não de uma forma defensiva ou de bem-estar, mas de uma forma empenhada.

 

Os ensinamentos de Jesus são para hoje, para fazer de hoje um reino de justiça, paz e amor

 

  1. O segundo, São Paulo explica muito claramente na sua carta a Timóteo: “Permanecei fiéis à doutrina que aprendestes e da qual estais plenamente convencidos”. E essa doutrina é Jesus Cristo e a Sua visão do ser humano, da sociedade e do Reino de Deus. Acrescenta S. Paulo: ” Todas as Escrituras são úteis para demonstrar e para arguir, para corrigir e para educar na justiça, para que o Homem seja perfeito e esteja preparado para fazer sempre o bem”. Os ensinamentos de Jesus não são apenas para uma vida pessoal virtuosa ou para ganhar a vida eterna, são para hoje, para fazer de hoje um reino de justiça, paz e amor. E a justiça, a paz e o amor são muito concretos, não são valores teóricos ou simbólicos, românticos ou íntimos. São valores sociais que exigem concretização na vida quotidiana e nas relações quotidianas: na família, no trabalho, na escola, na universidade, na rua, nos fóruns políticos, na casa do governo, na Paróquia e no centro pastoral. esta situação exigirá que todos colaborem e actuem, teremos de ser generosos e abertos, aguçados e prontos para mudanças profundas no modo como concebemos a nossa sociedade. Reconhecendo que ninguém carrega a verdade absoluta e que todos nós somos necessários para uma pátria mais justa.

 

Uma conversão pessoal com consequências sociais

 

  1. A terceira coisa que creio ser fundamental como preâmbulo ou condição: uma conversão pessoal com consequências sociais. Precisamos complementar a nossa visão, superar preconceitos herdados e resistências ao encontro. Uma conversão sobre o modo como nos relacionamos e concebemos a realidade comum. O perigo está nas soluções imediatistas, porque há a tentação, sempre latente, de que haja vencedores e vencidos, de reconstruir relações de domínio. A resposta está numa visão, relação e solução mais colaborativa e inclusiva, co-responsável e complementar. Esta crise afecta-nos a todos e juntos temos de procurar caminhos, o que implica possibilidades e limites, humildade e abertura, generosidade e renúncia. Conversão pessoal e comunitária.

Os tempos de mudança são tempos de grandes oportunidades. Vamos vencer a tentação da ofensa ou da defesa. Somos desafiados a curar tantos vínculos feridos. Como Igreja, tivemos de aprender dolorosamente o que significa compreender a ferida do abuso. Hoje, como sociedade, temos também a oportunidade de trabalhar juntos para curar tantas feridas sociais, herdadas ou adquiridas. Somos todos responsáveis pela pátria com que sonhamos e de que precisamos.

Maria, a discípula por excelência, ensina-nos a reflectir sobre a realidade, mas também a ir ao seu encontro para acolher anseios e preocupações, necessidades e desafios. Que Ela nos ensine a não ignorarmos a voz da viúva.

 

Original: espanhol (26/10/2019). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

 

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