Posted On 2017-05-22 In Artigos de Opinião

“Credes em Deus; crede também em mim”

Pe. Oscar Iván Saldivar •

No Evangelho de hoje (Jo 14, 1-12) escutámos uma linda e animadora frase de Jesus: “Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim” (Jo 14,1). Qual é o contexto desta palavra que Jesus dirige aos Seus discípulos? A “Última Ceia”, esse é o momento íntimo e intenso que antecede a Hora em que Jesus passa deste mundo para o Pai (cf, Jo 13,1). Contudo, este momento de intimidade entre Jesus e os Seus é também um momento de inquietação e de perturbação para os discípulos. Não esqueçamos que, durante a Última Ceia Jesus anuncia a Sua partida deste mundo (cf. Jo 13,33); também anuncia a traição de Judas (cf. Jo 13,21) e a negação de Pedro (cf. Jo 13, 38).

 “Não se perturbe o vosso coração”

É compreensível que os discípulos estejam inquietos e perturbados. No seu horizonte aparecem a traição e a negação; o mesmo é dizer, o pecado. E, tudo isto somado ao aparente afastamento de Jesus que parte deste mundo para o Pai.

Também no horizonte da nossa vida aparece o pecado – o nosso e o dos outros – e quando isso acontece, também nós nos inquietamos e se perturba o nosso coração; isto é, perdemos a paz do coração e sentimo-nos, interiormente, intranquilos, insatisfeitos e tristes.

O pecado não só perturba o coração mas também, o turva ao enchê-lo de sentimentos de tristeza, de desespero, de vazio e de isolamento. E, se o nosso coração por isso não está em paz, quanto bem nos faz ouvir Jesus que nos diz: “ Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim”. Face à perturbação que produzem a traição e a negação, Jesus responde dizendo: “Credes em Deus; crede também em mim”. Face ao temor e à angústia, Jesus convida-nos a responder com a fé em Deus e n’Ele.

A fé como relação de confiança

Este convide de Jesus leva-nos, de novo, a perguntarmo-nos: “O que é a fé?”

A partir do diálogo que Jesus mantém com os Seus discípulos no Evangelho (cf. Jo 14, 1-12) poderíamos dizer que a fé se nos apresenta como um pedido de confiança por parte de Jesus: “Credes em Deus; crede também em mim”. Com efeito, utilizámos neste texto evangélico a tradução portuguesa da Bíblia dos Capuchinos que diz: “Credes em Deus; crede também em mim. Deste modo, a fé aparece como um convite, quase como um pedido de Jesus aos Seus discípulos: “Crede também em mim”. E, qual é a razão deste pedido de Jesus? Quais são os motivos dos discípulos para acreditarem em Jesus?

O texto evangélico continua e apresenta-nos as seguintes palavras de Jesus: “E, para onde Eu vou, vós sabeis o caminho. Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida. Ninguém pode ir até ao Pai senão por mim”.(Jo 14, 4 e 6). Em primeiro lugar, sabemos que Jesus veio do Pai e volta para o Pai, para Deus. Pela Sua relação única e pessoal com Deus Pai, acreditamos em Jesus: “Credes em Deus; crede também em mim”. Mas também, acreditamos em Jesus baseados na relação pessoal que cada um de nós tem com Ele. Deste modo, a fé se nos apresenta não somente, como pedido de confiança mas, como relação de confiança. Por isso, baseado nessa relação de confiança e conhecimento mútuo, Jesus diz a cada um dos Seus discípulos e a cada um de nós: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” (Jo 14,6). Ao conhecermos Jesus, ao termos entrado numa relação pessoal de confiança com Ele, conhecemos o caminho. Ele próprio; a Sua vida e a Sua maneira de fazer as coisas. Portanto, seguindo Jesus como Mestre e assumindo o Seu estilo de vida como Caminho para a nossa vida, compreendemos que podemos confiar n’Ele que, podemos receber os Seus ensinamentos e entregar-Lhe o nosso coração livre e totalmente[1]. Nesta relação pessoal descobrimos a Verdade da existência e da nossa própria vida e com isso recebemos a Vida plena de filhos de Deus.

E, precisamente porque a fé se nos apresenta como relação pessoal com Cristo, podemos vivê-la como entrega total e confiante a Ele em todas as circunstâncias, sabendo “que a fé é a resposta à palavra da mensagem salvífica, mas, ao mesmo tempo, é uma confiança firme, oposta ao “tremor do coração”; isto é, uma paz e firmeza do coração, mediante as quais se supera e elimina a perturbação[2].

Povo de Deus

Assim, a fé que se inicia como um pedido de Jesus e se consuma numa relação pessoal de confiança com Ele, introduz-nos na comunidade de todos os que acreditam no Senhor: a Igreja, Povo de Deus.

A isso, se refere o Apóstolo S. Pedro quando, dirigindo-se aos que acreditam em Jesus (cf. I Ped 2,7), diz: “Vós, porém, sois linhagem escolhida, sacerdócio régio, nação santa, povo adquirido em propriedade, a fim de proclamardes as maravilhas daquele que vos chamou das trevas para a sua luz admirável; a vós que outrora não éreis um povo, mas sois agora povo de Deus, vós que não tínheis alcançado misericórdia e agora alcançastes misericórdia” (1 Ped 2, 9-10). Sim, a fé introduz-nos numa relação pessoal com Jesus Cristo e com todos os Seus discípulos, transformando-nos em irmãos uns dos outros e resgatando-nos da nossa solidão e isolamento. Sentimos, assim, a alegria de sermos Povo de Deus[3] e fazemos a consoladora e esperançosa experiência de que “aquele que acredita nunca está só”[4]. Sim, face à angústia e à tristeza que produzem o pecado ou as dificuldades da vida diária; face à solidão que por vezes nos embarga; lembremos no coração as palavras de Jesus e renovemos a nossa fé n’Ele, em Deus e na Sua Igreja: “ Não se perturbe o vosso coração. Credes em Deus; crede também em mim”; “creiam também no amor dos vossos irmãos e irmãs”. Por isso, renovamos a nossa fé em Jesus e a nossa relação com Ele e com os nossos irmãos, pondo a nossa confiança em Maria e em Cristo, dizendo[5]:

“Confio em teu poder e em tua bondade;

Em ti confio com filialidade:

Confio cegamente em toda a situação

Mãe no Teu Filho e em tua proteção”. (Rumo ao Céu, 632)

 

Original: espanhol (15/5/2017). Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

[1] Cf. CONCÍLIO VATICANO II, Constituição Dei Verbum sobre a Divina Revelação, 5.
[2] Cf. J. BLANK, O Novo Testamento e a sua mensagem. O Evangelho segundo S. João. Tomo II (Herder, Barcelona 1984), 71.
[3] Cf. PAPA FRANCISCO, Evangelii Gaudium 268-274.
[4] Cf. BENTO XVI, Homilia em Regensburg, 12 de Setembro de 2006 [online]. [data da consulta: 10 de Maio de 2017]. Disponível em: https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/homilies/2006/documents/hf_ben-xvi_hom_20060912_regensburg.html
[5] Rumo ao Céu, Pe. José Kentenich, 632

 

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