Posted On 2015-10-15 In Artigos de Opinião

Deus moldou o Homem com o barro

Padre Oscar Saldivar, Tuparenda, Paraguai•

27º Domingo do Tempo Ordinário – Ano B

Queridos irmãos e irmãs!

Gostaria de vos convidar a reflectirem sobre a Liturgia da Palavra do dia de hoje, tendo, como ponto de partida, o que ouvimos na 1ª Leitura, tirada do Livro do Genesis (Gn2, 4b. 7ª. 18-24)

O Senhor Deus moldou o Homem com o barro da terra

“Quando o Senhor Deus fez o céu e a terra, moldou o Homem com o barro da terra” (Gn2, 4b. 7.). Convido-vos a que aprofundemos o sentido bíblico destas palavras e, a verdade teológica que elas contêm. Deus “molda” o Homem com barro: isto é, com as Suas próprias mãos vai dando forma à Sua criação predilecta: o Homem: varão e mulher.

Deus molda o Homem. Esta imagem traz à minha memória outra palavra da Sagrada Escritura: “O Senhor moldou cada coração e, compreende todas as suas acções” (cf. Salmo 32, 15). Sim, Ele moldou cada coração, cada alma, cada pessoa.

E, continuando a aprofundar esta imagem, damo-nos conta que, quem molda o barro trabalha com as próprias mãos este barro; toca no barro, sente-o entre os seus dedos e, vai-lhe dando forma. Com paciência, perseverança e atenção vai modelando o barro para dar forma àquilo que traz no seu coração. Dar forma significa dar uma figura, dar um ser determinado e, com isso, um agir em concordância com o ser, um destino, uma finalidade, um sentido.

Nesta passagem da Sagrada Escritura há um convite a olharmos, contemplativamente, o homem e a mulher; e, descobrirmos neles – em nós, em cada um – o traço de Deus. Aquele que molda o barro deixa nele as marcas dos seus dedos, a sua impressão digital. Quais são os traços que Deus deixou no meu barro, no meu corpo de areia e na minha alma de água?

Deus deixa os Seus traços nos nossos anseios mais autênticos, sobretudo no anseio do amor verdadeiro. “Todos os homens têm a percepção do impulso interior de amar de modo autêntico; amor e verdade nunca os abandonam totalmente, porque, são a vocação que Deus pôs no coração e, na mente de cada ser humano”.[1]

Se Deus deixou o Seu traço nos nossos corações e, nos convida a descobrirmos essa imagem de Si próprio que, deixou em nós, então, no acto criador de Deus subjaz também, um projecto Seu, de vida para nós. Há um projecto de Deus, um plano, um anseio, uma bênção.

Não convém que o homem esteja só

Á medida que a leitura do Genesis avança encontramos estas palavras na boca de Deus: ”Não convém que o homem esteja só. Vou fazer-lhe uma auxiliar adequada” (Gn 2,18). Deus criou-nos para a comunhão e, não, para o isolamento solitário. Criou-nos para amizade, para a fraternidade, para o amor.

Sim, estamos convocados para uma “comunhão universal” [2],com os animais domésticos, as aves do céu e todos os animais do campo (cf. Gn2,20); o homem descobre uma comunhão especial com a mulher, à qual reconhece como osso dos seus ossos e carne da sua carne (cf. Gn2,23a). Esta expressão bíblica assinala a origem comum do homem e da mulher no plano de Deus. “Carne da minha carne”. Devemo-nos, mutuamente, respeito, amor e dignidade. Ambos, homem e mulher, são carne frágil mas, preciosa e valiosa aos olhos de Deus.

E, se temos origem comum, encontraremos a plenitude na comunhão: “Por isso, o homem deixa o seu pai e a sua mãe e, une-se à sua mulher e, os dois chegam a ser uma só carne” (Gn2,24); uma só realidade na plenitude do amor. Daqui decorre o convite que o Salmo nos faz:” Feliz, aquele que teme o Senhor e segue os Seus caminhos!” (Salmo 127,1); feliz, aquele que respeita o Deus criador e segue o Seu plano, o seu projecto de amor!

No casamento, na vida pessoal, em cada vocação, Deus, “que quer actuar connosco e contar com a nossa cooperação”[3], põe o Seu projecto de amor nas nossas mãos. Confia em nós, sustenta-nos e acompanha-nos e, espera que, cada um de nós, faça seu, o Seu projecto de amor e de plenitude.

É lícito ao homem divorciar-se da sua mulher?

Por isso, perante a pergunta dos fariseus acerca do casamento e do divórcio (cf. Mc 10,2), Jesus volta à origem, volta a pôr no horizonte o projecto de Deus (cf Mc,10 6-9); volta a lembrar-nos que a vida matrimonial é um projecto de Deus.

E, com isso, Jesus apresenta a cada casal uma pergunta actual: ”É o nosso casamento um projecto de Deus que fizemos nosso? Vivemos o nosso casamento como projecto partilhado com Deus ou, apenas, como projecto feito à nossa medida? Perante estas questões, temos consciência de que, viver o casamento como projecto partilhado com Deus, requer preparação prévia, sinceridade, autoconhecimento e conhecimento do outro, oração, humildade, fé e maturidade humana e cristã. Nem sempre, toda a união é projecto de Deus.

O Reino de Deus pertence aos que são como as crianças

Não é por acaso que nesta perícope do Evangelho (Mc 10, 2-16) voltam a aparecer as crianças e, as seguintes palavras de Jesus: “Deixem vir a mim os pequeninos porque o Reino de Deus pertence a quem é como eles” (Mc 10, 14).

O Reino de Deus, o reinado de Deus nas nossas vidas – o Seu projecto – só pode tornar-se patente e operante na nossa realidade se, com um coração de criança nos abrirmos a Deus Pai e ao Seu plano de amor para com cada um de nós. Se, olhamos para a nossa própria vida – pessoal, matrimonial e familiar – como um projecto que Deus nos confia e, no qual, nos pede a nossa generosa cooperação.

Assim, sermos como as crianças, implica a ternura de nos sabermos e de experimentarmos o ser acolhidos e abraçados pela Misericórdia de Deus mas, também, implica a generosidade de respondermos com responsabilidade ao Seu projecto de amor. Deixarmo-nos guiar por Ele e, não nos cansarmos de começar, de novo, sabendo que Ele nos sustém, acompanha e anima.

Com Maria, Mãe da ternura e da generosidade, voltemos a pedir a Deus que, molde os nossos corações que, Ele nos ajude a reconhecer os Seus traços nas nossas vidas e, deste modo, seguindo Jesus, cooperemos com o projecto do Seu coração. Ámen.

Original: espanhol. Tradução: Lena Castro Valente, Lisboa, Portugal

 

[1] BENTO XVI, Encíclica Caritas in veritate sobre o Desenvolvimento Humano integral na caridade y na verdade, 1.
[2] PAPA FRANCISCO, Encíclica Laudato Si´ sobre o cuidado da Casa Comum, 76.
[3] PAPA FRANCISCO, Encíclica Laudato Si´…, 80.

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